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Casa virou antiquário de professor de História com muitas lembranças de guerra

Professor aposentado, João transformou a sala da casa em que mora há mais de 20 anos na Vila Planalto em antiquário que é verdadeiro túnel do tempo.

Kimberly Teodoro | 19/01/2019 08:41
Capacete veio do Vietnã até a América do Sul com soldado refugiado após o fim da guerra (Foto: Kísie Ainoã)
Capacete veio do Vietnã até a América do Sul com soldado refugiado após o fim da guerra (Foto: Kísie Ainoã)

A casa de esquina na Vila Planalto, em que João Samper mora há mais de 20 anos, poderia passar despercebida, não fosse pela carroça estacionada na calçada. E se o veículo do século passado não prender a atenção de quem passa por ali, objetos curiosos como mesas de madeira e itens de ferro que vão de caldeirões até maçanetas expostos do lado de dentro das grades do portão, fazem o trabalho.

Explicação para tanta peculiaridade reunidas vem entalhada em madeira, com o anúncio “Latino Relíquias”, logo na entrada, anunciando aos curiosos que no lugar funciona um antiquário. Quem entra, logo descobre que além de loja, a casa também é uma espécie de museu com direito a guia de visitação e tudo.

Professor de História aposentado, conhecido pelo antigo colégio Latino Americano, João deixou as salas de aula de vez há 1 ano, mas o passado nunca lhe saiu da cabeça. O jeito foi aliar a antiga profissão ao negócio próprio que funciona na sala de casa há quase 3 anos. “Aqui as pessoas são bem vindas para garimpar em busca dos objetos em que estão interessadas, perguntar sobre o que traz curiosidade a até tirar fotos com os capacetes e chapéus de outra época”, conta.

De moedas até medalhas de guerra e ouro de tolo, cada prateleira conta a própria história (Foto: Kísie Ainioã)
De moedas até medalhas de guerra e ouro de tolo, cada prateleira conta a própria história (Foto: Kísie Ainioã)
Entre os itens favoritos, os capacetes são relíquias da guerras que marcaram o passado (Foto: Kísie Ainoã)
Entre os itens favoritos, os capacetes são relíquias da guerras que marcaram o passado (Foto: Kísie Ainoã)

Entre os itens favoritos de João estão as relíquias de guerra, com capacetes que dividem o protagonismo histórico e as mais variadas origens. Entre eles um elmo mogol feito em couro de bisão e com acabamento original preservado, avaliado em R$ 1,8 mil. Junto ao elmo, outra peça de destaque é o capacete do século XIX, que mal parece se encaixar na cabeça e apesar de réplica do mesmo modelo utilizado na idade média, não perde em riqueza de detalhes. “O tamanho é proposital, ele data de uma época em que a má alimentação deixou a cabeça do homem menor e tem características daquele período, como os sinais no ferro martelado à mão, o encaixe da cota de malha e os furos para os penachos, que tornavam os trajes majestosos”, explica João.

Outra peça especial para o professor é o capacete de aço que, segundo ele, pertenceu a um soldado vietnamita, que após o fim da guerra se refugiou na América. O capacete passou primeiro pelos Estados Unidos e depois chegou ao Brasil, viajando milhares de quilômetros e sobrevivendo ao tempo. “Um das coisas que caracteriza o capacete são as marcações, usadas pelos soldados vietnamitas. O modelo é feito de fibra de vidro e aço e um dos mais fabricados da história, foram 25 milhões de unidades produzidas e adotadas no mundo inteiro. Resquícios de uma guerra tremenda, em que os Estados Unidos, apesar de todo o poder e tecnologia, perdeu por falta de conhecimento do território”, ensina, dando aula a quem pergunta sobre a história do objeto.

Na prateleira, destinada apenas às relíquias de guerra, medalhas, relógios um rádio transmissor desses que só estamos acostumados a ver em filmes, também estão binóculos da União Soviética, lanternas e outras peças de tempos mais sombrios.

relógio é peça única no acervo, feito há mais de 20 anos em madeira maciça sob encomenda para o representante da cerveja antártica em Mato Grosso do Sul e hoje custa R$ 10 mil (Foto: Kísie Ainoã)
relógio é peça única no acervo, feito há mais de 20 anos em madeira maciça sob encomenda para o representante da cerveja antártica em Mato Grosso do Sul e hoje custa R$ 10 mil (Foto: Kísie Ainoã)

O interesse pelo passado veio dos relatos dos pais de João. Espanhóis, eles viram a guerra civil da Espanha na juventude e vieram para o Brasil em busca de uma vida melhor longe da fome e da destruição. “Minha mãe me falava muito sobre um sonho que ela tinha, de que faltava pão, ela imaginava que não havia pão o suficiente no mundo para matar a fome dela e isso é uma coisa que a maioria dos brasileiros vê como se fosse tão simples e hoje já nem liga, mas que foi uma sombra na vida dela por muito tempo”, conta.

No começo, João colecionava cédulas, depois selos, pedras e conchas, até ir formando as coleções que hoje tomam a casa e viraram fonte de renda, tudo pelo interesse das histórias ouvidas na infância. “Lembro das palavras da minha mãe sobre a guerra, de como eram os anarquistas, fascistas e comunistas, os hinos que eles cantavam, e foi ficando na minha cabeça. Começa a colecionar uma coisa ou outra, procurar pessoas que também estiveram lá, ler sobre o assunto. A conclusão com todo o aprendizado é de que ou você acredita que existem humanos que merecem explorar os outros, ou não acredita. As guerras são resultado desse princípio de exploração do homem pelo homem leva ao progresso, criamos máquinas, aviões, remédios, pela destruição”, afirma.

Pepita de ouro de tolo chama a atenção pela beleza dourada, que apesar do brilho, não tem o mesmo valor do metal precioso (Foto: Kísie Ainoã)
Pepita de ouro de tolo chama a atenção pela beleza dourada, que apesar do brilho, não tem o mesmo valor do metal precioso (Foto: Kísie Ainoã)
Coleção de postais espanhóis do século passado vieram para o Brasil com os país de João (Foto: Kísie Ainoã)
Coleção de postais espanhóis do século passado vieram para o Brasil com os país de João (Foto: Kísie Ainoã)

Os objetos variados nas prateleiras da casa de João vieram da parceria com o sócio e amigo Ivanilson Nogueira, com quem também divide o espaço da loja, ele é criador de outro antiquário, o “Trato Feito”, nome inspirado no programa de televisão americano em que colecionadores de antiguidades são “caçadores de relíquias”.

Para os dois, movimentar o mercado exige paciência, já que acaba sendo um negócio muito específico em que o valor das mercadorias está diretamente ligado à memória afetiva das pessoas. “Trabalhamos com tudo o que invoca e evoca história. Quanto maior a variedade, melhor. As pessoas chegam procurando uma coisa, mas acabam encontrando outra, por isso precisamos pensar na nossa clientela, procuramos objetos em bom estado, com marcas do tempo que falem sobre ele, mas que não sejam danos. Elas são provas de tempos passado e do uso dos objetos, que é o que os torna verdadeiras relíquias”, conta Ivanildo.

Os dois viajam ao interior em busca de novas peças, em um mercado em que as coisas “aparecem e desaparecem” com o tempo, dependendo da demanda e da raridade. Entre as peças mais raras, Ivanildo aponta uma bomba de gasolina manual, um dos primeiros modelos utilizados, encontrada em Miranda, a 206,3 km de Campo Grande e vendida para um decorador em São Paulo por cerca de R$ 8 mil.

Atualmente a peça mais cara do acervo é um relógio de mais de 20 anos, entalhado em madeira e feito sob encomenda pelo antigo dono da franquia da cervejaria Antártica em Mato Grosso do Sul, avaliado em R$ 10 mil.

O antiquário fica na Rua Silvio de Andrade, 645, na Vila Planalto e não tem uma hora específica para fechar as portas, "Se alguém bater aqui 22h, primeiro nós olhamos quem é e perguntamos se a pessoa veio de Brasília, que é onde estão todos os bandidos do país. Se ela for daqui, a gente atende", brinca João. 

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