Baile resgata, pelo menos na memória, os tempos dourados de Rádio Clube
Do tapete vermelho que cobria a escadaria já dava para ouvir a música, risadas e a conversa de quem há muito tempo não se encontrava de gala. Os degraus levavam o público a uma entrada glamourosa que sugeria o que seria encontrado mais adiante. Lustre, espelhos e uma pausa para fotos. Afinal a noite era para fazer ou refazer história. Um capítulo a parte ou um segundo volume dos tempos de baile no Rádio Clube.
Os saltos e os sapatos que compunham a trilha sonora da noite pisavam o mesmo quadrilátero do salão. As entradas retangulares ao fundo são as mesmas. O lustre brilhava como nunca e no centro, casais que arriscavam passos de dança. A festa era temática, o baile de máscaras que abriu a mostra “Morar Mais por Menos” trouxe de volta o glamour dos anos dourados.
Nas laterais do salão, fotos de quem viveu e o que foi o Rádio Clube na cidade. De condecoração de miss, a jantares de gala, como o da noite desta quarta-feira. Um livro, em páginas douradas, pede para que as pessoas registrem sua história no Rádio.
O fato é que são quase 90 anos de clube. Quem nunca aproveitou os anos dourados, se imaginou naquela época ao adentrar as portas do salão. A música de baile, a decoração, as fotos, os rostos conhecidos. Tudo trouxe nostalgia até para quem não vivenciou nada disso.
“Remete aos velhos tempos do Rádio. Que foi um lugar bem frequentado, onde aconteciam os encontros”. A frase é dita por quem aproveitou pouco dos bons tempos. O arquiteto Rodrigo Corrêa, de 31 anos, tem na memória as idas com o avô e os relatos de que cresceu ouvindo as histórias dos bailes do Rádio Clube.
Se a noite não conseguir trazer de volta aquelas festas, os jantares de gala, já valeu por ter resgatado, pelo menos na memória, os anos dourados. A primeira imagem que a advogada Santina Faccin, de 53 anos, lembrou do clube foi quando se tornou a mulher mais rica da cidade, pelo menos naquele domingo de bingo.
“Era época do confisco do Collor, ninguém tinha nada no banco, na poupança. Era só o que tinha na carteira. Eu vim no bingo e ganhei R$ 800. Aquele dia, eu era a mulher mais rica de Campo Grande”, relembra aos risos. O Rádio Clube traz boas lembranças e arranca até hoje gargalhadas.
O salão recebia de bingos a Carnaval, festas de casamento, formatura e se cada parece falasse, teria muita história para revelar dos campo-grandenses. Há quem diga até hoje, com os olhos brilhando, que viveu em função do Rádio.
“O sentimento é de uma vida inteira aqui. Todos os eventos em família, nossa história está aqui e foi suspensa por um tempo. Foi uma emoção entrar. Minha formatura foi aqui, meu filho se casou aqui. Tudo era aqui. Vivemos em função do Rádio, que não foi substituído por nenhum outro clube”. O depoimento pode ter ficado longo, mas doía no coração ter que cortar qualquer palavra da professora Therezinha Salem, de 73 anos.
A ligação do artista Humberto Espíndola, de 70 anos, ao Rádio não podia fugir da Arte. Em 1966, ele, junto de Aline Figueiredo, trouxeram a primeira exposição de artistas mato-grossenses numa época de um Mato Grosso só. “Correspondia à semana da arte”, diz. Apesar do pezinho na pintura, ele não deixa de lado e resume “toda juventude aconteceu aqui. Quem você perguntar entre 65 e 70 anos viveu os anos dourados do Rádio”.
O clube se confunde com a história da cidade e por sua vez dos campo-grandenses ou quem fez da Cidade Morena sua terra natal. Ainda nos anos 70, o psicólogo Rômulo Said Monteiro, torcia para vir pra cá. Eventualmente passava férias na casa de primos, mas era no Rádio que vivia os melhores momentos.
“O Carnaval era o melhor. Aqui hoje é reviver um renascer para uma outra fase, afinal, nunca mais se reviveu os tempos passados e Campo Grande merece um espaço assim”.
A nostalgia tomou conta do ambiente a ponto dos relatos surgirem entre conversas, em qualquer rodinha de amigos. Até o piso do salão, Elizete Feitosa, de 54 anos, lembra como se fosse hoje que ela entrasse para pular Carnaval.
“Eu lembrava quando esse quadrilátero era piso redondinho. Foi uma emoção, eu lembrei da gente rodeando o salão e os nossos pais sentados, cuidando da gente”.
São tantos depoimentos, conversas, bate papos que o Lado B ouviu essa noite. Olhos que brilharam quando a cabeça e os pés voltaram no tempo. Há de ser resgatado o que o Clube foi para Campo Grande, quando pelas ondas do Rádio, lá em 1924, um grupo de amigos resolveu se reunir...
“Quem curtiu a cidade , curtiu o Rádio Clube. Eu só penso não ter Sid um Gabura”, comenta o artista plástico, Isaac de Oliveira.