Curiosidade e nostalgia marcam a volta do Autocine na UFMS
Nesse domingo aconteceram as duas primeiras sessões, e no clima de nostalgia ou curiosidade, o que menos importou foi o filme.
Diante de tantos espectadores, um carro chamava atenção. O Gol branco onde estava seu Armando virou ponto de referência de uma história que volta no tempo. Há mais de 30 anos, era ele quem vinha no banco de trás. O técnico, que assistiu pelo menos quatro filmes no Autocine da UFMS quando criança, voltou esse domingo ao Morenão, agora com a esposa e o filho.
"A Casinha, do Mazaropi, em 1976", recorda Armando Oliveira Júnior, de 57 anos. Foi esse o filme que mais marcou o técnico em telecomunicações, assistido junto com o pai e os dois irmãos, aos 14 anos. As lembranças vieram à tona logo que ele cruzou os portões do Morenão, e pouco importava o filme a ser exibido.
Por sorte, ele, a esposa Adriana e o filho Diego conseguiram os últimos ingressos distribuídos na Praça dos Imigrantes na semana anterior. "Era para ser", acredita. Agora, o próximo passo será trazer os pais.
A nostalgia também trouxe à memória lembranças em quem explica como era o funcionamento. Conhecida pela atuação na Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo), Clarice Benites, de 58 anos, chegava a ver filmes até do pontilhão, quando cursava Educação Física na UFMS.
"Eu vim várias vezes, era tudo muita novidade, ter uma tela deste tamanho, onde você encostava o carro e pegava uma caixinha de som? Cada carro ficava ao lado de uma espécie de guarda-chuva pequeno, onde ficavam duas caixinhas de som para o veículo da direita e da esquerda, aí você pegava e colocava dentro do carro", explica.
Quando a estudante não tinha como pagar a entrada, que era revertida para compra de livros da biblioteca da Universidade, se unia à multidão que ficava no pontilhão. "Era uma fila de gente assistindo, até que vinha o guarda apitar, e a gente sair correndo. Para mim, é uma emoção muito grande, porque eu acho aqui um lugar lindo, sabe? Que não podia se perder", diz.
Próximo à cozinha, de onde saíam as porções para os clientes nos carros, a professora Mirian Coura, se deliciava nas memórias afetivas que o som lhe trouxe. "Quando eu cheguei, em 1984, eu morava bem ali, e ouvia todo o filme. É uma emoção você retornar, é uma memória afetiva que volta atrás, e é incrível hoje você poder estar dentro desse presente com uma coisa do passado. Quando ligou esse som, eu voltei 32 anos atrás".
Claro que o saudosismo pautaria à noite, mas lado a lado com a curiosidade. Dentro do carro, o casal Moacir Muniz, de 26 anos, e a arquiteta Ketlin Loren, de 23, estavam até com câmera fotográfica profissional para fazer o registro histórico da volta. "É bem legal assistir e ver isso funcionando de volta. Eu já acompanhava a saga, porque trabalho aqui", diz o funcionário público Moacir.
Já Ketlin via funcionar uma ideia que ela trouxe para o trabalho de conclusão de curso em 2018. "Meu projeto foi a reforma do Autocine, quando fui fazer a pesquisa conversei com várias pessoas e nossa, como era bacana. Todo mundo dizia que era muito legal, e a gente sempre quis ver isso funcionando", descreve.
Reestreia - Esse domingo foram as duas primeiras sessões da volta do Autocine, depois de 31 anos abandonado. Foram diversos projetos, promessa até de campanha de reitor, para que o espaço voltasse a funcionar.
Em exibição, nas duas sessões - a primeira às 18h e a segunda às 20h - o filme infantil nacional "Eu e meu guarda-chuva". Os veículos eram limitados a 70 para cada sessão. Para entrar, bastava ter o ingresso em mãos, retirado durante a semana na Praça dos Imigrantes, e seguir a fila para aferição de temperatura e receber as orientações.
Às 18h06 o filme começou com direito a trailer. Nos primeiros minutos, as imagens contam a história do cinema que nasceu em 1972 e funcionou por 17 anos, seguido de fala da diretora-presidente da Fundação de Cultura do Estado, Mara Caseiro, do pró-reitor de extensão da UFMS, Marcelo Fernandes, e do prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD).
Titular da Sectur, Max Freitas explica que a ideia de reativar a estrutura para cinema drive-in da UFMS veio diante do contexto de pandemia, e que a iniciativa contou com apoio da Fundação de Cultura do Estado e da UFMS. Foram sete dias de trabalho de limpeza, manutenção e instalação de sinalização visual, e um custo de R$ 100 mil.
O valor, questionado pela classe artística, alegando que poderia ter sido revertido em editais, foi explicado pelo secretário. "Entre os três parceiros, custou perto da casa de R$ 100 mil reais, isso contando a manutenção, não são todas as edições que vão custar esse valor", enfatiza Max.
Ao todo, serão 13 filmes, exibidos todos os domingos, com curadoria feita pelos departamentos de audiovisual da Sectur, Fundação de Cultura e da UFMS. "Estamos trabalhando com filmes regionais e nacionais que nós detemos o direito e que podemos fazer a exibição. A escolha inicial foi por filmes infantis para abranger a família", fala o secretário.
Estrutura - A qualidade de som e imagem vem de três projetores locados, cada um de 7 mil lumens. O limite estabelecido de 70 carros seguia o distanciamento de, no mínimo, 2m entre cada veículo, dentro dos carros, era permitido até cinco ocupantes. Também era proibido ligar o motor e colocar corpo para fora da janela. As luzes deveriam ficar apagadas e, para chamar os "lanterninhas", bastava ligar o pisca-alerta.
Eram os próprios funcionários da Sectur que direcionavam o público desde a entrada, saída, inclusive recolhendo o lixo, e também quando fosse preciso ir ao banheiro químico, instalado na área durante o filme.
Na saída da primeira sessão, em cinco minutos o espaço foi esvaziado, e com portões diferentes, a saída dos veículos não atrapalhava a entrada dos próximos. A logística seguiu um fluxo muito bem organizado.
As comidas eram pagas apenas no cartão, e o cardápio desta primeira sessão trazia: pipoca com queijo, algodão doce, mini-churros, mini-salgados, refrigerante lata e água mineral. Também era possível fazer pedidos pelo WhatsApp.
Parte da alimentação era uma experiência do projeto semente, da feirinha agroecológica da UFMS, que estava funcionando sob orientação da Vigilância Sanitária com batatas chip doce.
A intenção da secretaria de Cultura é de não ver o Autocine apenas como drive-in, e sim como palco de apresentações durante a pandemia. "Se você reparar esse formato já é um teste com o intuito de, futuramente, fazer teatro, dança e show musical aqui, tudo dependendo dos decretos municipais", resume Max.
A Sectur ainda não informou qual será o próximo filme a ser exibido. A retirada de ingressos continua sendo das 8h às 13h30 na Praça dos Imigrantes, que fica na Rua Rui Barbosa, 65, na quarta e sexta-feira anteriores às sessões.
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