No Bungee Jumping, sensação de liberdade de cegos vence necessidade de enxergar
O visual estampado na fotografia desta matéria é digno de encher os olhos de admiração. É o cenário de muitos saltos de Bungee Jumping feitos no final da tarde de ontem (30), no estacionamento do shopping Bosque dos Ipês. Mas na fila de aventureiros, dois personagens ganharam destaque e para eles a paisagem nem fez diferença. Valdir Lustosa e Josiane Pereira dos Santos têm cegueira total e se arriscaram no salto de 45 metros de altura, o que equivale a um prédio de 15 andares. Lá do alto, outras sensações supriram a necessidade de enxergar e o sentimento de liberdade prevaleceu, deixando, inclusive, o medo de lado.
Para eles, o esporte começou no chão. Acompanhados por uma equipe, os dois fizeram o mapeamento do local, tateando todo o guindaste, desde a cabine, o gancho, parte da lança e também a gaiola. O air bag, que é tipo um colchão que fica posicionado em direção de onde as pessoas fazem o salto, também foi apalpado pela dupla. Segundo Cláudio Benites da Silva, 36 anos, que foi quem convidou os dois à prática de esportes radicais, fazer o reconhecimento do local é importante para eles, já que, por não enxergarem, precisam ter referência através de outros sentidos.
Antes do salto, a expectativa de Valdir e Josiane era enorme. O frio na barriga e o medo era o mesmo de qualquer outro que enfrentava a fila para pular do alto do guindaste. Mas para eles, o gostinho de vencer o desafio da inclusão era ainda mais especial e fez deste dia um momento marcante.
Com o sorriso estampado no rosto, o aposentado Valdir, aos 43 anos, fala com orgulho sobre os esportes radicais que já praticou, como o rapel e o paraquedismo. "Superação é a palavra chave, ter a segurança de que somos capazes e podemos participar de eventos como este", declara.
Para Josiane, a palavra que merece destaque é inclusão. "Um projeto assim é a forma que temos de sermos vistos e mostrarmos que somos capazes, esse é o 'x' da questão", afirma a universitária de Administração Pública, de 33 anos.
Os dois escolheram fazer o salto de bungee jumping amarrados pela cintura. Valdir foi o primeiro. Todo equipado, entrou na gandola e foi em direção ao céu. A cada metro que subia, a expectativa aumentava. Do chão, muitos expectadores vibravam pela experiência que ele logo iria viver. Quando a lança, enfim, parou de subir e compôs o cenário com o pôr do sol, lá do alto Valdir se posicionou de costas e abriu os braços. Sem demora e sem pensar muito, a 45 metros do chão, ele saltou. Vibrou. Gritou. E até bateu palmas no ar, como quem salda o universo e agradece pelo simples fato de viver.
"Me senti livre, parecia que eu estava voando. No paraquedas a gente fica com os braços presos e aqui não, então me senti como se eu estivesse realmente voando, e isso fez muita diferença", conta Valdir, já em solo firme.
O salto de Josiane foi bastante parecido. De costas e braços abertos, a garota se jogou do alto, pela primeira vez na vida. E para ela, o bungee jumping foi só o começo de uma longa trilha que ela promete fazer. "Gostei demais, quero de novo. E agora vou treinar pra saltar de paraquedas", afirma a estudante logo após ter saltado.
Como tudo começou - Valdir e Josiane foram convidados a se aventurarem no passado, quando Cláudio começou a parte prática do Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade de Educação Física, com o tema "Esportes de Aventura Para Pessoas Com Deficiência Visual". "Há 15 anos, fiz rapel à noite e a sensação no escuro me despertou o interesse em fazer um trabalho com pessoas cegas, mas só consegui realizar mesmo este projeto no ano passado", conta.
No meio do caminho, surgiu a parceria com o grupo Patanal Paraquedismo. "Neste mesmo evento no ano passado, o Claudio entrou em contato comigo, me pedindo cortesias para algumas pessoas com deficiência visual e eu topei na hora", conta o idealizador do projeto Rodrigo César, conhecido como Donatelo.
A primeira experiência foi com o paraquedismo, que é carro-chefe do grupo de esportes radicais. Rodrigo lembra que fez questão de acompanhar o salto, por dois motivos: o primeiro para dar suporte, inclusive no pouso, e o segundo pela vivência diferente que ele tinha certeza que teria.
Não deu outra. Rodrigo conta que depois de 20 anos de saltos de paraquedas, se jogar em queda livre no céu nunca mais foi feito da mesma maneira. "Eles têm a percepção mais refinada e rica em detalhes, conseguem sentir de uma maneira que nem quem tem anos de experiência consegue. Após essa troca, tive uma mudança no prazer de saltar, percebi aquilo que eu não enxergava", relata Rodrigo.
Pantanal Radical - De hoje (31) até domingo (3), o grupo Pantanal Paraquedismo estará com a estrutura de Bungee Jumping montada no estacionamento do shopping Bosque dos Ipês. Durante estes dias, qualquer pessoa com deficiência visual terá cortesia do grupo para saltar. A proposta é promover a inclusão e incentivar a prática do esporte.
O valor do salto para os demais aventureiros é de R$ 160 e mais dois quilos de alimento não perecível no primeiro lote. No segundo lote o preço vai para R$ 180 e um quilo de alimento não perecível.
Segundo Rodrigo, este é um "esquenta" para o Pantanal Radical, que será realizado no feriadão de outubro, entre os dias 10 e 12, também no estacionamento do Bosque dos Ipês. O evento terá voo de helicoptero, balonismo, bungee jumping e paraquedismo. Mais informnações pelo telefone 3365-0000.