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Quando o vício se torna um fardo, desafio é ‘deixar de fumar em 5 dias’

Durante a semana, grupo acompanhou ciclo de palestras com o intuito de livrar as pessoas do vício da nicotina

Por Idaicy Solano | 17/08/2024 07:40
Participantes receberam panfletas com dicas para deixar de fumar em apenas cinco dias (Foto: Juliano Almeida)
Participantes receberam panfletas com dicas para deixar de fumar em apenas cinco dias (Foto: Juliano Almeida)

Sob a promessa ‘deixe de fumar em 5 dias’, o ciclo de palestras com o intuito de livrar as pessoas do vício da nicotina teve início na noite de segunda-feira (12), realizado na Igreja Adventista, localizada no Centro de Campo Grande. O grupo, que iniciou com mais de 100 pessoas, chegou ao final da dinâmica, na noite de sexta-feira (17), pela metade.  Mas quem persistiu e continuou, o maior desafio da semana foi controlar as emoções e evitar o impulso de ascender o cigarro.

Dentre os vários rostos presentes na primeira noite, muitos ansiavam por se ‘libertar’ do vício em fumar. Foi com esse desejo que Maria Tereza Carneiro, de 63 anos, procurou ajuda, ao lado do marido, Milton Fogaça, de 71 anos.

Perguntada sobre como foi a semana frequentando o grupo de ajuda, Maria Tereza resumiu os últimos dias em "dias tensos". Ela confessou que não conseguiu deixar de fumar, mas pelo menos diminuiu 99% do consumo de nicotina. Das 14 unidades consumidas por dia, ela declarou que fumou apenas um por dia.

"Eu estou muito tensa. A minha pressão tá alterando muito, meu batimento está acelerado. Eu senti muita dificuldade, porque eu fumava 14 cigarros. O maior desafio foi ficar calma. Eu estou [me sentindo] fragilizada, mas não vou desistir", relatou.

Apesar dos desafios de se lembrar da dependência, principalmente levando em consideração que Maria relatou sentir dificuldade em manter a calma sem o hábito de fumar, o desejo dela é retornar no mesmo local no próximo ano, e poder compartilhar seu 'testemunho' de superação do vício.

Cartões distribuídos na recepção da igreja (Foto: Juliano Almeida)
Cartões distribuídos na recepção da igreja (Foto: Juliano Almeida)

Há muitos anos atrás, Milton também participou do grupo, e conseguiu parar de fumar, e agora declara que será o apoio da esposa nessa mesma caminhada.

“Depois de bastante tempo eu percebi que havia uma necessidade muito grande dela parar de fumar, aí nós conversamos a respeito e ela aceitou. A gente veio conversando e ela sabe que as dificuldades serão muitas, mas eu vou estar ao lado dela”, expressa Milton.

Tanto Maria Tereza quanto Milton, são viúvos do primeiro casamento, e estão em um relacionamento há três anos. Milton foi fumante durante 40 anos, e o que o motivou a procurar as palestras, 13 anos atrás, foi o filho, que na época era criança.

“Meu filho falava “ta fedido papai’, eu falei, ‘tá na hora de eu deixar de ser fedido’. Peguei o maço, joguei fora. Mas é um engano muito grande. Não se para assim, de uma hora para a outra. A força de vontade durou 15 minutos. Começamos com  55 pessoas e terminamos em 6”, relembra.

Maria Tereza relata que começou a fumar bastante jovem, antes mesmo de atingir a maioridade. Isso porque todas as amigas também fumavam ‘por diversão’, conforme ela relata. “Era uma autoafirmação terrível na época”.

“Há quatro anos atrás, eu decidi que eu não ia fumar mais e parei mesmo. Fiquei três anos sem fumar. Um dia, tomando uma cervejinha com todos os amigos, peguei um cigarro e fumei. Fiquei um tempo com um cigarro, depois eu fumava dois por dia. De repente, eu fui para 10, 11. E hoje, quando o dia está difícil, eu fumo 14. E eu tenho netos, então eu não deixo que eles me vejam fumando, porque eu tenho uma netinha de dois anos, e tudo que eu faço ela quer copiar. Então, eu fico imaginando a minha responsabilidade com eles”, relata.

Durante a imersão, Maria Tereza relata que se emocionou em vários momentos, principalmente ao relembrar o pai, que morreu vítima de uma doença pulmonar, causada pelo uso de nicotina.

“Não existe nada pior do que depois que você fuma e chega num ambiente muito saudável, e de repente você está exalando aquele cheiro horrível. Hoje nas palestras eu prestei muita atenção e revivi muitas histórias. O meu pai morreu com enfisema pulmonar e eu estive com ele até o último momento, isso eu não me tocava mais, e de repente voltou muito forte. Eu espero que dê tempo [de parar de fumar antes de desenvolver uma doença]”, expressou.

Quando vício se torna fardo, desafio se torna deixar de fumar em cinco dias (Foto: Juliano Almeida)
Quando vício se torna fardo, desafio se torna deixar de fumar em cinco dias (Foto: Juliano Almeida)

Tereza Lopes Pereira, de 71 anos, procurou o grupo acompanhada e apoiada pela filha, Marcia Regina Pereira, de 48 anos. Tereza perdeu muitos entes queridos, que faleceram que doenças respiratórias e pulmonares, todos fumantes. A lista inclui o pai, os irmãos, o sogro, e no dia 23 de julho deste ano, menos de um mês atrás, o marido, após ter uma parada respiratória causada pelo excesso de nicotina.

Na noite de sexta-feira, ela comemorou ter chegado ao quinto e último dia do encontro livre do cigarro. Ela relatou que deixou de fumar no terceiro dia, e apesar da dificuldade de resistir a tentação, encontrou forças no falecido marido para seguir firme. O luto tem sido seu maior aliado na busca de superar o vício.Após o término dos encontros, Tereza relata que pretende deixar a cidade, e passar alguns dias na zona rural, na casa da filha.

"Hoje foi pesado, mas eu aguentei pelo meu 'veinho'. O fardo [do luto] tá muito pesado, diz que Deus não dá um fardo maior do que a gente pode carregar, mas o meu tá muito pesado ainda. Ontem apareceu para mim uma lembrança [no Facebook] do meu 'veinho' cantando, acabou meu dia, então já fui bem mal embora daqui ontem", relatou.

Tereza começou a fumar bastante jovem, com apenas 12 anos, Ela relata que ia levar comida para o pai, que trabalhava na roça, via ele enrolar o cigarro, e ficava com vontade de fumar também. “Então eu enrolava um fininho pra mim”, diz.

Ela ficou sabendo do curso pela televisão, e ligou bem cedo na segunda-feira para garantir uma vaga. Determinada a mudar, ela expressa que seu maior desejo no momento, é se livrar do vício e viver uma vida mais saudável, inspirada pelas pessoas que perdeu para o vício.

“Eu perdi meu velho, então eu tenho que parar de fumar. Eu queria ir com ele, mas já que não dá, então eu vou parar de fumar. Eu tenho que acabar com esse vício, antes que ele acabe comigo”, declarou.

Participantes durante o ciclo de palestras nesta semana (Foto: Juliano Almeida)
Participantes durante o ciclo de palestras nesta semana (Foto: Juliano Almeida)

Grupo de apoio 

Sem métodos milagrosos, o curso inicia com uma dinâmica de conscientização dos malefícios do hábito de fumar, e inclui também testemunhos de ex-fumantes para estimular o público presente. A programação se encerra com a palestra de médicos, que explicam sobre as doenças que a nicotina pode causar. Cada noite será marcada por uma palestra, com um especialista diferente, que irá discutir sobre como cigarro afeta o sistema digestivo, o coração, o pulmão e a pele.

Os participantes passaram por triagem para coleta de dados e por aferimento de pressão e um exame pra testar a qualidade do pulmão, que deve ser repetido nos próximos dias para avaliar o desempenho. A dinâmica começou com o compartilhamento de vivências e experiências pessoais, dicas para ajudar na ansiedade de querer fumar e técnicas de respiração. Também foi distribuído um panfleto com dicas para evitar o cigarro.

O primeiro palestrante foi o médico responsável pela terapia intensiva do Hospital do Pênfigo, Odinilson Fonseca, de 48 anos, que falou sobre como o uso do cigarro afeta os pulmões. O especialista explica que o foco do curso é livrar os participantes da dependência química, mas que o verdadeiro desafio é acabar com a dependência psicológica.

Ele detalha que quando o usuário usa a nicotina pela primeira vez, leva cerca de 15 segundos até a substância atingir o cérebro, causando uma descarga de dopamina. Por isso, ao evitar o uso entre quatro e cinco dias, ele diz que a dependência química acaba, restando apenas a dependência psicológica.

“O nosso foco é sempre a química. Em cinco dias esse paciente está livre dessa dependência química. A dependência psicológica pode levar muito tempo, algumas vezes meses, anos, até perder”, explicou.

Médico responsável pela terapia intensiva do Hospital do Pênfigo, Odinilson Fonseca, explica doenças que a nicotina causa no pulmão (Foto: Juliano Almeida)
Médico responsável pela terapia intensiva do Hospital do Pênfigo, Odinilson Fonseca, explica doenças que a nicotina causa no pulmão (Foto: Juliano Almeida)

Para acabar com a dependência psicológica, ele detalha que é necessário adotar uma mudança comportamental, e até mesmo repensar as companhias e locais frequentados.

“Então o que ele vai precisar fazer é acompanhamento com outras pessoas que não fumam, se relacionar com pessoas que não fumam, fazer atividades onde as pessoas não fumam. Banhos quentes, exercício físico, tomar muita água, não se encontrar com pessoas que fumam cigarro, não estar do lado de pessoas que fumam. Com isso ele vai perdendo essa dependência psicológica ao longo do tempo”, explicou.

Odinilson detalha que o projeto já é desenvolvido pela Igreja Adventista há vários anos em todo o país, e apesar do viés religioso, todo o conteúdo trabalhado com as pessoas que procuram as palestras é baseado nas diretrizes do Ministério da Saúde. Ele explica que o tabagismo é responsável por 70% dos cânceres de pulmão e 40% das internações gerais relacionadas a qualquer processo de infecção também estão relacionadas ao tabaco.

Segundo o médico, esses índices se tornaram um ‘peso’ para os sistemas de saúde mundiais, o que levou a OMS (Organização Mundial da Saúde), a assumir a responsabilidade de desenvolver vários projetos ao longo do mundo. No Brasil, é utilizado a metodologia e os medicamentos aprovados pelo Ministério da Saúde desde 2020.

“No Brasil, a Igreja Aventista tem liderado esses projetos de tentativas de reduzir o tabagismo, tanto pela filosofia religiosa, que foi o principal no início, e depois quando vieram os estudos mais científicos mostrando que existe sim uma redução muito grande do tabagismo quando as pessoas participam desses projetos”, garantiu.

Odinilson explica como funcionam as palestras e os métodos (Foto: Juliano Almeida)
Odinilson explica como funcionam as palestras e os métodos (Foto: Juliano Almeida)

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