Doce de Carlos Drummond, pé de moleque faz família se emocionar nas lembranças
Nas mãos da pequena Helena, de 5 anos, está o doce que faz a família dela todinha voltar no tempo. O pé de moleque da "Barraca Vermelha" levava os avós, mãe e tios até a cidade de Piranguinho, na Serra da Mantiqueira, no Sul de Minas Gerais, em todas as férias. E é para lá que hoje, décadas depois, o sentimento retorna. Da prateleira de um café em Campo Grande, o pé de moleque traz consigo uma memória afetiva para quem é mineiro, que chega a ser difícil descrever em palavras.
"É realmente uma coisa muito tradicional da região. Nós íamos sempre no final de ano, nas férias, passávamos este tempo com a família reunida e tinha um tio, o Zé Roberto, era o tiozão que colocava a criançada no carro para comprar pé de moleque", conta a professora Suely Antunes Ribeiro, de 61 anos, avó da menina Helena.
A família é de Itajubá, cidade que fica a 11 quilômetros de Piranguinho, coisa de 15 minutos de carro, mas deixou de residir lá ainda na década de 70. As viagens de férias daquela época têm até hoje o sabor do pé de moleque. "As crianças amavam esse passeio. Era muito divertido. Quando vimos o doce aqui, surpreendeu. Porque você vê uma coisa que faz parte da infância, tão distante...", narra Suely.
A cada ida, era preciso trazer um estoque para a família e amigos mais próximos, que conheciam a fama do melhor pé de moleque do mundo. Com o tempo, as crianças cresceram, as viagens ficaram menos frequentes e a saudade chega a encher olhos e a boca d'água.
"O gosto continua exatamente o mesmo e é de emocionar. É saudade, é família, é tudo o que é valioso para a gente. Traz muita recordação, essas memórias que a gente tem e não consegue mais, que é reunir a família e partilhar tudo isso de novo", descreve a avó.
De Piranguinho, quem não mexe com pé de moleque, tem alguém na família que produz. A economia da cidade gira em torno do doce que começou com a "Barraca Vermelha" em 1936, com dona Matilde Cunha Torino. A história tem de belo o que o doce tem de bom. Mulher do então chefe da estação de trem de Piranguinho, para ajudar nas finanças da família que ela passou a fabricar o doce de forma caseira e a vendê-lo dentro dos trens de passageiros. E a fama correu os trilhos e vagões.
"Ela vendia num tabuleiro, depois aquele tanto não dava mais e então, dona Matilde fez uma barraquinha vermelha do lado de fora e ficou conhecido assim", conta Karina Beltrão, proprietária da Casa Beltrão, que comercializa aqui o doce.
Karina não é mineira por acidente. Filha de mineiros, os irmãos antes dela ainda nasceram por aquelas bandas, só ela que não. Desde que abriu a casa como um cantinho mineiro em Campo Grande, ela traz na coletânea doces de lá para matar as saudades de quem vive aqui.
"E hoje este pé de moleque já é a neta dela quem toca e na cidade, já tem barraca amarela, azul, de outras cores...", brinca Karina. Na loja, ela faz questão de colocar que o doce era o preferido de Carlos Drummond de Andrade, fazendo jus à propaganda original. No site da "Barraca Vermelha", há uma carta digitalizada atribuída ao poeta. "Ele chegou a escrever que aquela era a verdadeira joia mineira", enfatiza Karina.
A dona do café está acostumada a ver reação como a da família de dona Suely. "Muitos mineiros vêm aqui e falam: 'meu Deus do céu, olha o doce de Piranguinho' e toda vez que chega o pé de moleque, a gente tem que ligar para eles", relata.
Como não tem conservantes, o doce vem em pouca quantidade e costuma acabar logo. "Uma senhora veio aqui uma vez e disse que era o doce que o namorado levava para ela. Eles já têm mais de 50 anos de casados e ela chorou de felicidade, dizendo que compraria para levar para ele".
A Casa Beltrão fica na Rua Cassilândia, 34, no bairro Autonomista. Mas também dá para pedir do pé de moleque que faz mineiro se emocionar pela internet.
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