Antes de ser brigadista, Renato é pantaneiro que hoje combate fogo onde nasceu
O olhar sobre um Pantanal em chamas é do brigadista pantaneiro Renato Gonçalves de Paula, de 59 anos, que trabalha por temporadas
A foto do perfil de WhatsApp mostra um Pantanal que ficou no passado, sem fogo nem fumaça, quando de barco Renato Gonçalves de Paula ia em direção à Serra do Amolar, região onde nasceu. Pantaneiro de nascença e alma, ele trabalhava como motorista quando ficou desempregado e resolveu fazer o curso de brigadista. Desde então, há três anos, Renato está na linha de frente no combate ao fogo.
É por mensagens que a gente consegue conversar, estamos distante mais de 400 quilômetros. Renato tem 59 anos, é pai e também já é avô. Quando o sinal pega, ele consegue dar notícia aos familiares, já que pela escala, chega a ficar 10 dias longe de casa e 3h lidando com as queimadas, revezando com outros brigadistas no intervalo de 2h. O contrato é temporário e o salário é pouco mais de R$ 1,5 mil mais o vale-alimentação.
Hoje é com orgulho que ele fala da profissão, embora seja num contexto tão triste. O último dado com que o Prevfogo/Ibama (Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) trabalha é de 27% do bioma Pantanal consumido pelo fogo, conforme o Lasa (Laboratório de Aplicação de Satélites Ambientais) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Só do 1º dia do ano de 2020 até o último domingo (11), Mato Grosso do Sul já tinha perdido 1,9 milhão de hectares pantaneiros, do lado de lá, em Mato Grosso, o número é ainda maior e chega a 2,2 milhões.
"Há três anos eu era motorista, fiz o curso, passei e aqui estou com grande orgulho de participar, em defender a natureza direto, em prática", diz Renato. E ele ainda emenda que surgiu missão, ele está pronto "para defender o que for preciso".
O contrato dos brigadistas é temporário, seu Renato está trabalhando desde junho e só será dispensado quando os focos de incêndio cessarem. Então, ele volta aos "bicos" que faz durante o resto do ano, quando o fogo dá trégua. "Faço bicos em serviços de construção e coisas coisas".
Os três anos já lhe renderam experiência o suficiente para não sentir mais medo. "Não tenho medo, não hoje. Tenho noção do perigo, é só ter segurança e ficar atento com os colegas para não acidentar", descreve. "E saber que ele é perigoso", complementa.
A tristeza que Renato sente ao ver tudo queimando é proporcional ao aumento de focos nos últimos anos. "Um ano nunca é igual ao outro", reflete. "Ver isso é triste e desumano". Entre pausas, o brigadista completa a própria fala. Diferente também dos anos anteriores, seu Renato vê o interesse da mídia em mostrar o trabalho dele. "Hoje aparece como é difícil e desgastante o trabalho de toda operação: brigadistas, bombeiros e voluntários", cita.
Como um ritual, Renato que é católico de ir à missa, diz que antes de sair a campo reza. "Peço proteção à Nossa Senhora de Aparecida", conta. Como os demais colegas têm outras religiões, ele explica que não se tem uma espécie de padroeira, o jeito é rezar conforme a fé de cada um.
Dentro de um contexto de fogo, enquanto as mãos apagam as chamas e os ombros carregam a mochila que pesa cerca de 20 quilos, o pensamento se divide em outro lamento, o medo do coronavírus. "Meu desejo é que cheguemos no final do ano com saúde e esperança que essa doença vai passar".
De folga hoje, seu Renato volta ao combate amanhã, mas deixa um recado. "Gostaria que as pessoas valorizassem mais os brigadistas e conscientizassem mais o bioma de modo geral".
O contrato se encerra em dezembro, e seu Renato não vê a hora mesmo é do fogo passar. "Para eu curtir o Pantanal depois da chuva que eu espero, ele vai renascer, com vida nova", profetiza.