Estudo inédito revela impacto ambiental do eucalipto em assentamentos do Bolsão
Estudo identificou que pelo menos 350 nascentes estão degradadas e precisam de recuperação
Um estudo inédito conduzido pelo gestor e perito ambiental Valticinez Santiago, da DG - Consultoria de Projetos Ambientais, revela que a monocultura do eucalipto tem gerado impactos significativos nos recursos hídricos e na economia de assentamentos rurais no Bolsão, região leste de Mato Grosso do Sul.
RESUMO
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Um estudo inédito revela que a monocultura do eucalipto no Bolsão, Mato Grosso do Sul, está degradando 350 nascentes e afetando a economia local. A pesquisa aponta que o eucalipto consome muita água, reduzindo a infiltração no solo e prejudicando a agricultura e pecuária, levando à migração populacional. A silvicultura, apesar de gerar alta produção de celulose, não distribui receitas de forma justa, afetando a economia regional. Mudanças na legislação facilitam o licenciamento ambiental, mas preocupam assentados pela falta de políticas compensatórias. Uma audiência pública discutirá o tema.
O levantamento, realizado a partir da demanda de moradores, identificou que pelo menos 350 nascentes estão degradadas e precisam de recuperação devido à redução na infiltração da água no solo e ao consumo excessivo dos lençóis freáticos.
Os efeitos vão além das questões ambientais. A pesquisa aponta que a produção agrícola e pecuária foi reduzida, levando a uma migração populacional expressiva e afetando a economia local. Municípios que fornecem matéria-prima para o setor de celulose, como Três Lagoas, Ribas do Rio Pardo, Brasilândia, Selvíria e Água Clara, registraram queda no número de animais de produção e aumento na degradação das áreas de plantio.
Impactos nas nascentes - O estudo detalha a relação entre o plantio de eucalipto e o uso da água. Uma árvore no período de maior crescimento – cerca de três anos de idade – tem seu consumo limitado à quantidade de chuva na região. Se a precipitação anual for de 1.500 mm, a planta não consome mais do que esse volume, mas parte dessa água não chega ao solo devido a processos como:
- Evaporação direta da água retida na copa das árvores antes de atingir o solo;
- Drenagem profunda, que alimenta os lençóis freáticos;
- Escoamento superficial, reduzindo a infiltração no solo e, consequentemente, a recarga hídrica das nascentes.
Esse comportamento hídrico do eucalipto pode afetar diretamente a disponibilidade de água para os rios, agravando a escassez já sentida pelos moradores. Em determinadas condições – como chuvas intensas seguidas –, o solo não consegue absorver toda a água, o que gera um fluxo superficial maior, prejudicando ainda mais a reposição dos lençóis subterrâneos.

A pesquisa também comparou o consumo hídrico do eucalipto com outras espécies florestais e concluiu que a quantidade de água utilizada depende diretamente da taxa de crescimento da árvore. Como o eucalipto tem um desenvolvimento acelerado, ele demanda grandes volumes de água para manter esse ritmo. Contudo, a eficiência do uso hídrico pode variar conforme a espécie e as condições ambientais, como o índice de área foliar e os mecanismos fisiológicos que reduzem a transpiração.
Estudos internacionais citados no levantamento apontam que diferentes espécies de eucalipto apresentam taxas de transpiração variando entre 0,2 mm/dia e 7,7 mm/dia, o que equivale a um consumo diário entre 1,2 e 46,2 litros de água por árvore. Esse alto volume reforça a necessidade de um manejo sustentável, que evite impactos severos nos recursos hídricos locais.
Efeito econômico - Além dos impactos ambientais, o estudo revela que o avanço da silvicultura trouxe efeitos negativos na economia regional. O levantamento aponta que a conversão de áreas produtivas para o plantio de eucalipto reduziu o número de animais destinados à pecuária e desvalorizou atividades agrícolas, levando ao êxodo de trabalhadores que antes dependiam dessas atividades.
A pesquisa do IBGE de 2022 mostra que cinco dos municípios analisados estão entre os maiores produtores de extração vegetal da silvicultura no país, com Três Lagoas ocupando o 6º lugar, seguido por Ribas do Rio Pardo em 8º, Brasilândia em 9º, Selvíria em 11º e Água Clara em 13º.
Apesar da alta produção, a distribuição desigual de receitas e investimentos faz com que essas cidades sofram com perdas financeiras, incluindo redução no comércio local, diminuição da arrecadação do ICMS Ecológico e queda no Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
O estudo também destaca que a concentração da produção de celulose em Três Lagoas desvaloriza os municípios vizinhos, que fornecem a matéria-prima, mas não recebem investimentos proporcionais. Isso afeta diretamente a geração de empregos e a sustentabilidade econômica da região.
Audiência pública - As preocupações com os impactos ambientais e socioeconômicos da silvicultura levaram a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul a marcar uma audiência pública sobre o tema. O debate será realizado na próxima terça-feira (12), às 14h, no Plenarinho Deputado Nelito Câmara. O encontro, presidido pelo deputado Renato Câmara (MDB), abordará os impactos do eucalipto na região do Bolsão e a concessão da hidrovia do Rio Paraguai.
Mudanças na legislação - Enquanto o debate sobre os impactos ambientais avança, o setor de silvicultura comemora mudanças na legislação. A nova Lei 14.876/2024, aprovada pelo Congresso em 2024, retirou a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras, facilitando o licenciamento ambiental e eliminando a necessidade do pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA).
Para o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, a medida incentiva investimentos no setor e fortalece a economia verde. O presidente da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), Paulo Hartung, também celebrou a decisão, afirmando que a retirada de barreiras burocráticas destrava bilhões em investimentos.
No entanto, para os assentados do Bolsão, a preocupação segue. A falta de estudos conclusivos sobre os impactos ambientais e a ausência de políticas públicas de compensação são fatores que, segundo eles, precisam ser debatidos com urgência.
"A monocultura do eucalipto trouxe crescimento econômico, mas é preciso equilibrar isso com a preservação ambiental e a qualidade de vida das comunidades locais. Sem manejo adequado, o prejuízo para as nascentes e para a produção agrícola pode ser irreversível", alerta Valticinez Santiago.
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