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Meio Ambiente

Projeto que proíbe pesca profissional é defendido também para preservação em MS

Estado possui 5º menor número de pescadores profissionais do Brasil

Guilherme Correia | 30/06/2023 14:56
Piranhas estendidas por pescador no Pantanal. (Foto: Conafer)
Piranhas estendidas por pescador no Pantanal. (Foto: Conafer)

Conhecido como "transporte zero", o Projeto de Lei 1.363/2023 do governo estadual de Mato Grosso é entendido como forma de preservar peixes nos rios mato-grossenses. A proposta pode influenciar rios que dividem limite entre Mato Grosso do Sul e o estado vizinho, e também possui apoio em território sul-mato-grossense.

A legislação permitiria a pesca somente nas modalidades de pesque e solte ou esportivas; captura de peixes às margens dos rios para consumo no local; e a captura para subsistência (consumo próprio). Na prática, proíbe a pesca profissional, feita por pescadores cadastrados e licenciados em órgãos competentes, específica por bacia hidrográfica.

O texto aprovado em Mato Grosso - mas que ainda não foi sancionado - se baseia em relatório feito pela ALMT (Assembleia Legislativa de Mato Grosso), em 2021, que considera a redução do estoque pesqueiro do estado e coloca em risco várias espécies nativas.

Entre as justificativas apontadas pelo governo estadual está a medida de preservar o estoque pesqueiro. Hoje, peixes que até então não geravam interesse eram até descartados, mas viraram o que há de bom nos rios locais, como o armau.

O biólogo e doutor em Zoologia, especializado em ictiofauna, Thomaz Liparelli, explica ao Campo Grande News que os rios sul-mato-grossenses também estão com baixa população de peixes e afirma que apoia a proposta. “Nossos rios, assim como em Mato Grosso, estão com os estoques pesqueiros em risco”.

Não é de hoje que alertamos a situação. Os estoques pesqueiros estão ameaçados pelo excessivo esforço de captura que ocorreu nos anos 1980 e 1990 e nunca mais se recuperou”, explica o biólogo Thomaz Liparelli.

O texto aprovado na última quinta-feira (28) proíbe armazenamento, transporte e venda de peixes pelos próximos cinco anos. Está prevista compensação de um salário mínimo no primeiro ano, 50% no segundo ano e 25% do piso no terceiro ano para profissionais afetados. A legislação estipula que quem comprovar precisar da pesca para consumo próprio poderia continuar a prática.

Segundo Liparelli, a proposta do “transporte zero” atenderia aos interesses ambientais e conseguiria proteger os estoques pesqueiros da sobrepesca. “Tecnicamente, quando há redução na captura de indivíduos de uma espécie de peixe, quando há redução do tamanho dos indivíduos da espécie de peixe capturada - que é visível a cada ano - temos o que chamamos, tecnicamente, de sobrepesca.”

“Ao mesmo tempo, estaríamos fazendo justiça social aos pescadores ribeirinhos que teriam uma ajuda num processo de transição e, ao mesmo tempo, tornaria a pesca esportiva uma excelente alternativa para absorção de uma mão de obra qualificada, mas desassistida pelo poder público”, opina.

Ele explica que os rios do estado vizinho, Mato Grosso, têm “sobrepesca de recrutamento”, que seria quando a captura é tão expressiva que não há entrada de novos peixes nas populações nativas, já que o esforço pesqueiro - captura e uso de petrechos proibidos - o impede.

“Nos rios de Mato Grosso do Sul também ocorreu sobrepesca de recrutamento, mas também a sobrepesca de crescimento, quando a captura é direcionada a indivíduos que não conseguem chegar a sua maturidade sexual, facilmente observado na pesca profissional e esportiva, quando se captura, predominantemente, peixes abaixo do tamanho mínimo”.

Pescadores durante pesca esportiva; prática continuaria permitida. (Foto: Governo de MS)
Pescadores durante pesca esportiva; prática continuaria permitida. (Foto: Governo de MS)

Pesca turística

A Acert (Associação Corumbaense das Empresas Reunidas de Turismo), que agrega os operadores de barcos-hotéis e hotéis da Capital do Pantanal, maior destino de pesca esportiva de Mato Grosso do Sul, apoiou a iniciativa do Governo de Mato Grosso de proibir o transporte e comercialização do pescado na bacia do Rio Paraguai.

Para o presidente da entidade, o empresário Luiz Antônio Martins, a decisão do estado vizinho deveria ser seguida pelo Governo de Mato Grosso do Sul. “A lei deveria ser única, não apenas pelo fato de ser apenas um ecossistema, mas porque a medida deu certo em Goiás, onde a pesca esportiva continua em alta e os ex-pescadores profissionais hoje tem uma profissão digna”, disse.

O empresário relata que visitou destinos de pesca em Goiás e avaliou "sucesso ambiental, econômico e social" com a proibição da comercialização do pescado. “Conversei com os guias de pesca, que eram pescadores profissionais, eles não querem retornar ao passado de extrativismo, têm bons salários e melhoraram de vida”, observou.

Martins afirma que muitos pescadores profissionais sul-mato-grossenses, em especial os de Corumbá, não têm qualidade de vida e são explorados por "atravessadores". Em relação a isso, ele avalia que o mercado poderá absorver tais profissionais, caso haja legislação diferente.

“Se tem peixe, temos o turista, que fica satisfeito ao fisgar e fotografar o seu troféu e com o atendimento nos barcos, onde oferecemos um serviço de qualidade”, completa.

O empresário também lamentou o uso de petrechos nocivos nos rios pantaneiros pelo extrativismo, como o anzol de galho, joão-bobo e o espinhel disfarçado. “Nosso meio ambiente é vulnerável, não conseguimos repor o estoque de peixes com a pressão da pesca predatória”, comenta.

Neste ano, o recém-criado Ministério da Pesca e Aquicultura publicou o Plano Nacional para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca Amadora e Esportiva, que visa a formulação de políticas de governança sólidas, integradas e inclusivas. O objetivo é melhorar a infraestrutura e promoção internacional dos destinos, estimando-se a movimentação de 2 bilhões de dólares por ano e geração de 200 mil empregos.

O plano foi construído com a participação do setor privado da pesca amadora e esportiva e do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais do Turismo (Fornatur) com foco no mercado.

Imasul e PMA (Polícia Militar Ambiental) divulgaram cartilha do pescador, que pode ser acessada neste link, onde há as instruções para obter licença de pescador, bem como outras regras.

Transporte zero em MS

Proposta semelhante, no entanto, está fora de pauta em Mato Grosso do Sul. De acordo com o deputado Márcio Fernandes (MDB), que preside a comissão de agricultura, pecuária e políticas rural, agrária e pesqueira da Alems (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul), o tema sequer foi cogitado ou articulado entre os poderes Legislativo e Executivo.

O Campo Grande News também procurou na quinta-feira a Semadesc (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação) para comentar sobre possíveis impactos em Mato Grosso do Sul com as medidas aprovadas no estado vizinho, mas até a publicação desta matéria não houve retorno. O espaço segue aberto.

O pesquisador Thomaz Liparelli comenta que apoia a iniciativa da ALMT e que esperava a mesma legislação proposta pelos parlamentares sul-mato-grossenses. “Ao meu ver, deveria ser acompanhada também em Mato Grosso do Sul. Entretanto, não vejo o interesse do Legislativo e, sobretudo, do Executivo do Estado neste enfrentamento, seja pelos custos políticos, seja na falta de sustentação técnica, que possam apoiar a iniciativa”.

Com 7.292 pescadores profissionais, Mato Grosso do Sul tem o 5º menor número desses trabalhadores dentre todas as unidades federativas do País, segundo pesquisa mais recente divulgada pelo Mapa (Ministério de Agricultura e Pecuária). Apenas supera Rondônia (6,6 mil), Roraima (5,7 mil), Goiás (3 mil) e Distrito Federal (761).

Os estados com maiores números são Pará (234,1 mil), Maranhão (173,6 mil) e Bahia (113,8 mil).

Dados da ANA (Agência Nacional de Águas) estimam que há 8 mil pescadores profissionais na região pantaneira entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Por lá, a atividade movimenta anualmente cerca de R$ 70 milhões.

Conforme a Federação de Pescadores de Mato Grosso, no entanto, 30% dos pescadores do estado mato-grossense têm carteira regularizada.

Pescadores embarcados no Rio Paraguai, em Corumbá. (Foto: Governo de MS)
Pescadores embarcados no Rio Paraguai, em Corumbá. (Foto: Governo de MS)

Redução dos estoques de peixes

Para o presidente do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), Ângelo Rabelo, a redução de peixes nos rios sul-mato-grossenses é evidente. “Isso é fato, qualquer pescador que você conversar, esportivo ou profissional, vai dizer que está muito mais difícil capturar o peixe”.

Ele explica que possui parceria com setor de pesca esportiva no Estado e estima que aproximadamente 60% do público pratica o pesque e solte. “Já é uma realidade, traz um benefício direto aos estoques, mas também ao pescador profissional”.

Segundo ele, a proibição da pesca comercial até pode impactar no aumento de estoque, mas não é, de longe, o principal fator para a redução de espécimes. “A redução do estoque é provocada por diferentes motivos - há a pesca predatória e a sobrepesca, mas não são o principal motivo. O principal motivo da redução de estoque no Pantanal é a qualidade do ambiente. Há grau crítico de assoreamento que complica e impede o alagamento do Rio Paraguai, que é essencial para a manutenção das espécies”.

“Sobrevoei todas as nascentes que drenam para dentro da planície do Pantanal e os rios perderam profundidade. Todos têm um grau grave de comprometimento de suas nascentes. É como se um aquário passasse de 1 metro de altura para 50 centímetros. É impossível todo mundo caber ali, falta alimento, etc.”

Ele avalia que a prioridade seja, antes de cogitar a proibição da pesca, a proteção do ambiente. “Proibir a pesca tem impacto socioeconômico. Ao longo dos anos, sempre houve muito mais políticas extrativistas do que de conservação”.

“Houve uma mega mobilização de pesquisadores e diferentes atores que trabalham com conservação contra o projeto. Há um equívoco na motivação porque o que controla a pesca predatória é a fiscalização. O segundo ponto, que é importantíssimo, é que estamos falando de uma política fracionada numa mesma bacia. É um equívoco você achar que vai recuperar os estoques, quando na verdade você tem a necessidade de ter uma visão integrada da bacia como um todo. A construção do diálogo passa pela necessidade de conversar com Mato Grosso do Sul.”

Ele ressalta que há espécies que levam cerca de cinco anos para crescerem. Somente no Rio Paraguai, diz, há cerca de 100 pontos de obstrução. “Vão se formando sedimentações à medida que não há manutenção preventiva, nem políticas fortes de matas ciliares, prevenção e tratamento de solos”.

Qualquer decisão isolada é inócua, se não trata o ecossistema, que são as diferentes variáveis. Não apenas o sistema natural compõe o ecossistema, são vários fatores, que devem ser equilibrados. Estamos discutindo a mudança do botão de campainha de um prédio e não estamos olhando para as colunas”, comenta o presidente do IHP, Ângelo Rabelo.

Ele observa que é preciso uma política de proteção consistente, já que é possível colocar em risco todo o bioma do Pantanal. “Hoje estamos trabalhando em vários rios e cabeceiras e em alguns lugares a situação é assustadora, mas temos ainda a oportunidade de não ter atingido um ponto de irreversibilidade”.

“Estamos vivendo um momento de muitas iniciativas a despeito de mérito que são equivocadas, porque não são pautadas com a consistência técnica necessária para que o problema efetivamente possa ser resolvido. Quando se trata de natureza, é mais delicado porque você tem efetivamente que manter o ecossistema ambiental da natureza em equilíbrio para que você não tenha redução de estoque, aumento de piranha, dentre outros”.

Represas e hidrovias

A motivação do PL é contestada por notas técnicas fundamentadas em estudos científicos pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que monitoram as principais bacias hidrográficas. O entendimento também de outras entidades e o próprio Ministério da Pesca e Aquicultura é que represas e hidrovias representam maiores ameaças para os peixes.

O biólogo e ictiólogo Diego Zoccal Garcia explica que os rios vêm sofrendo cada vez mais interferência humana, como construções de barragens, desmatamento das margens, uso de agrotóxicos, introdução de espécies exóticas e sobrepesca. “Em conjunto, todos esses fatores contribuem para as reduções drásticas nas populações de peixes, principalmente das espécies migradoras, como o dourado e o pintado, por exemplo”.

Vale ressaltar que, após solicitações feitas pelo Governo de Mato Grosso do Sul, por meio da Semadesc e do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), o Governo Federal reconheceu o pintado como passível de exploração, estudo e pesquisa.

Agora, o Governo Federal, em articulação com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), além da Semadesc e Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), avaliam permanentemente a implementação do plano, podendo atualizá-lo sempre que necessário.

Segundo a Embrapa, 90% das espécies de peixes capturadas no Pantanal são migratórias, como o pintado, pacu, jaú, dourado e cachara. A reprodução dessas espécies depende da subida até as cabeceiras dos rios, o que envolve uma longa viagem pelas águas do Pantanal. As represas interrompem esse fluxo natural, prejudicando a reprodução e afetando toda a cadeia alimentar.

“Os peixes, na maioria das vezes, são vistos como um recurso, e não como integrantes da fauna. Desempenham importantes funções ecológicas nos rios, controlam a cadeia alimentar, ciclam nutrientes, melhoram a qualidade da água e dispersam frutos e sementes”, diz o biólogo.

Em relação ao projeto, Garcia avalia que pode não ser suficiente para recuperar os estoques pesqueiros, caso os demais impactos continuem atingindo as bacias hidrográficas dos estados. “Acredito que outras ações devem ser tomadas em conjunto para que a recuperação dos estoques seja mais eficaz, como por exemplo fiscalização ambiental e elaboração de normas e leis que protejam os mananciais e recursos hídricos de Mato Grosso e estados adjacentes, principalmente aqueles que sejam considerados locais de desova e berçários naturais de peixes”.

Além da proteção dessas áreas, também é importante a recuperação de locais já degradados e com pouca vegetação nas margens dos rios. Também vale destacar que os peixes não reconhecem limites entre os estados, e que as ações de recuperação devem ser adotadas em nível de bacia hidrográfica”, explica o biólogo e ictiólogo Diego Zoccal Garcia.

Ambas as ameaças, segundo ele, têm o potencial de afetar negativamente os peixes do Pantanal, interrompendo sua reprodução, reduzindo sua disponibilidade como fonte de alimento para os animais da região e prejudicando as atividades econômicas locais, como a pesca e o turismo.

A decoada e piracema

O fenômeno da decoada no Pantanal - quando a água extravasa os limites e atinge a planície pantaneira -, passou a ser registrado em áreas mais próximas de Corumbá a partir do final de abril de 2023 e começo de maio de 2023. Na última semana de abril, houve registros na região de Porto da Manga, que tem influências do Rio Paraguai e do Rio Miranda.

A pesca em área de decoada é proibida por lei. A pena para pesca predatória é de prisão em flagrante e após julgamento o condenado pode ser sentenciado com um a três anos de detenção, além de ser obrigado a pagar multa administrativa que varia de R$ 700 a R$ 100 mil, mais R$ 10 por quilo de pescado, bem como apreensão de barco, motor, veículo, e tudo que for utilizado no crime.

Já na Piracema, os cardumes sobem os rios em direção às cabeceiras onde ocorre a desova e a reprodução dos peixes com qualidade.

Desde 2020, só é permitido ao pescador levar um exemplar de peixes de espécie nativa (por exemplo: pacu, pintado, cachara, jaú, dentre outros), além de cinco exemplares de piranhas, dentro das medidas mínima e máxima. Se a espécie pescada estiver fora dos tamanhos permitidos, deve ser solta imediatamente no local. Já a pesca do dourado segue proibida até 2024, conforme Lei 5.231, Lei nº 5.321 de 10 de janeiro de 2019.

Com relação às espécies consideradas exóticas, não há cota, o pescador pode levar qualquer quantidade que conseguir pescar. São consideradas exóticas (não pertencem à fauna local) as espécies apaiari, bagre africano, black bass, carpa, peixe-rei, sardinha-de-água doce, tilápia, tucunaré, zoiudo, tambaqui.

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