Soja pressiona Pantanal, que precisa de lei “abrangente”, segundo entidades
Durante fórum Pontes Pantaneiras, representantes de ONGs ressaltaram prioridades da futura Lei do Pantanal
Representantes de entidades e pesquisadores avaliam que a exploração de soja nas regiões adjacentes do Pantanal sul-mato-grossense, além do plantio em áreas que não alagam mais, têm pressionado o bioma. Além do impacto ambiental desta monocultura, essa atividade forçaria a pecuária extensiva a ser mais concentrada, o que revela a necessidade de uma lei abrangente.
Recentemente, o governador Eduardo Riedel (PSDB) anunciou que uma "Lei do Pantanal" está em construção pelo Governo do Estado. Outro estado brasileiro que detém o território pantaneiro, Mato Grosso já dispõe de regulamentação sobre o uso do solo.
Dos Estados Unidos, o diretor da Pew Charitable Trusts, David Tecklin, ressalta ao Campo Grande News que o bioma pantaneiro possui histórico cultural e econômico de uma produção pecuária que não afeta de forma drástica o meio ambiente. Ele era um dos participantes do fórum Pontes Pantaneiras, que ocorreu em Campo Grande entre 16 e 18 de agosto.
Tecklin coordena a associação não governamental que atua no apoio à preservação ambiental em várias localidades do mundo, incluindo o Pantanal brasileiro. "O Pantanal, historicamente, tem uma relação da produção pecuária em contato harmônico com a natureza".
Ele opina que a legislação que deve ser produzida pelo Governo do Estado precisa respeitar as diferentes características do Pantanal sul-mato-grossense para que seja eficiente. "Precisamos dos fluxos de água do Pantanal, e para isso, temos que entender como se dão as características da região. O fluxo de água do Pantanal brasileiro depende de outras regiões do país, e do entorno, por exemplo”.
O diretor da ONG (Organização Não Governamental) SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, ressalta a importância em haver diálogo entre diferentes grupos afetados. “Antes, o Pantanal era regido por decreto e agora a intenção é que seja uma legislação mais aprofundada para ouvir diferentes setores da sociedade. Produtores, comunidades locais, ONGs, etc.”
Ele destaca algumas premissas importantes para garantir equilíbrio em solo pantaneiro. Ele ressalta que, historicamente, o bioma tem um convívio em harmonia com a criação de gado, mas caso haja um aumento descontrolado sobre esta atividade, é preciso existir formas de contê-la.
Para ele, a legislação mato-grossense é um dos caminhos possíveis de serem seguidos para a construção do aparato jurídico em Mato Grosso do Sul.
“A criação extensiva em grandes áreas é indiscutível, o Pantanal tem essa vocação para criação de gado. Mas o que a gente tem que observar atentamente é a capacidade do Pantanal de absorver o gado. No entorno, o Pantanal é ocupado por monoculturas, como a soja. Então, a pressão do gado está vindo muito para dentro do Pantanal."
Ele observa que o bioma não tem características para comportar plantações de soja, por exemplo, que já têm sido feitas em regiões onde a seca passou a predominar. “O Pantanal não é um lugar de soja, ou monoculturas. O Pantanal é uma planície alagável e tem características que não comportam, que não são condizentes".
Então isso, para nós, é um ponto óbvio que deveria ser debatido - a proibição das monoculturas dentro do Pantanal. Pantanal não é feito pra isso”, diz o diretor da ONG SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa.
“Já existe soja plantada no Pantanal, principalmente porque agora está diminuindo a área alagada. A gente vê, nos últimos 35 anos, que o Pantanal reduziu em quase 30% a superfície alagada. Com essas diminuições, áreas antes não imagináveis estão começando a se plantar agora. E o momento de parar é agora. Algumas pessoas podem argumentar que é pouco, mas se a gente não parar enquanto é pouco depois que começar a espalhar de uma maneira preocupante, acho muito mais difícil.”
Figueirôa observa também ser necessária a proibição do desmatamento de cordilheiras, para que haja equilíbrio e ambiente propício para criação de gado. “Não somos contra as pastagens, mas tem que ter um estudo para mostrar o quanto pode ser substituído, para não alterar muito as paisagens nas cordilheiras, que são várias florestas importantíssimas até pro manejo, para o sombreamento do gado, para manter uma biodiversidade, manter aquele campo e área de criação realmente saudável”.
Outro ponto destacado por ele é a restauração de cabeceiras e rios que descem no canal hidrográfico pantaneiro. Segundo ele, caso não haja compensação nestes locais, todo o bioma será afetado. “Não adianta a gente cuidar do Pantanal se o entorno está prejudicado, a gente tem que pensar no Pantanal como uma bacia hidrográfica. Deve-se preservar o que está no entorno, o Pantanal depende da água que vem do entorno, que caso esteja devastado, há menos quantidade de água e menor qualidade. Todos os problemas do desmatamento no Planalto também afetam o Pantanal”.
Representante da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Edinalda Pereira do Nascimento ressalta que é necessária uma compreensão mais abrangente dos diferentes atores que compõem o Pantanal para que a nova legislação contemple os vários setores. “Das comunidades tradicionais pantaneiras e com algumas instituições que estão dentro do Pantanal e que às vezes não há esse diálogo direto das comunidades”.
Através do Fórum Pontes Pantaneiras, segundo ela, foi possível enxergar algumas parcerias que ocorrem nas comunidades tradicionais. “Para somar forças para a conservação e defesa do Pantanal”.
Para ela, é preciso pensar em mecanismos jurídicos que contemplem o bioma como um todo, sem outros limites geográficos. “Não tem Pantanal A ou B. Existe um Pantanal e para ter essa conservação, precisa unir as forças das comunidades e as instituições privadas e públicas”.
“Aqui no fórum, a gente pode perceber que tem uma grande oportunidade, já que às vezes não chegam essas informações nas comunidades. Só chegam impactos negativos, mas informações de lutas e esperanças a gente está conseguindo enxergar aqui no fórum.”
Moradora de comunidade tradicional em Barão de Melgaço (MT), ela comenta que a rede atua também em municípios sul-mato-grossenses. “Nós temos um polo em Miranda e temos um regional em Corumbá, na comunidade Antônio Maria Coelho, e na Barra de São Lourenço”.
Ela menciona o PL (Projeto de Lei) 363/2023, do “Transporte Zero”, como exemplo de legislação com pouca participação de setores afetados, como os pescadores tradicionais, e que acabou por prejudicar, em sua avaliação, determinadas populações.
“Hoje, a gente tem muitos impactos. A grande diminuição da planície alagada do Pantanal, a questão da diminuição da biodiversidade. A planície está sendo diminuída e é uma consequência, vai diminuir a água e vai diminuir peixes. Vai diminuir toda uma cadeia”, ressalta Nascimento, que também é apreensiva em relação à construção da barragem para a hidrovia Paraguai-Paraná.
O diretor da SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, ressalta que há vários estudos refutando a possibilidade de hidrelétricas no Pantanal, que indicam ser pouco eficiente a produção energética nessas condições. “A eficiência energética nessas hidrelétricas é muito baixa, isso é um custo-benefício baixo e um dano ambiental alto. A gente já tem várias outras práticas, como energia renovável, com impacto muito menor”.
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