Acordo do STF dá esperança para fim de conflitos agrários em MS, dizem deputados
Sessão foi marcada por falas orgulhosas sobre os R$146 milhões para conciliação entre fazendeiros e indígenas
Deputados comemoraram na sessão desta quinta-feira (26), da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, o acordo histórico firmado no STF (Supremo Tribunal Federal) de R$146 milhões para conciliação entre fazendeiros e indígenas da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, em Antônio João, a 319 quilômetros de Campo Grande. O ato promete colocar fim ao cenário de guerra na região e dá esperança para fim de conflitos agrários no Estado, segundo os parlamentares.
Os deputados quererem moção honrosa para o Gilmar Mendes, ministro do Supremo e todos envolvidos na conciliação. A ação foi acelerada após o falecimento do guarani-kaiowá Neri Ramos da Silva, de 23 anos, morto com um tiro na cabeça durante ação da Polícia Militar.
O deputado Pedro Kemp (PT), relembrou que na sessão de ontem, eles estavam discutindo uma indicação para que o governo fizesse as tratativas para o processo de solução do problema. Ao mesmo tempo, no STF, estava sendo fechado o acordo para resolver o caso do município sul-mato-grossense.
“Para mim é o primeiro e outros serão resolvidos da mesma forma. É bom lembrar a participação do governo, até porque o Estado emitiu os títulos dessa terra. Ontem foi um dia histórico, mas infelizmente foi preciso que um indígena derrubasse o seu sangue para que o acordo fosse realizado. A partir do momento que for assinado e pago, dentro de 15 dias os indígenas poderão entrar definitivamente no território nacional e viver de forma tranquila e pacífica”. Ele também ressaltou que o problema foi causado pela própria união por vender as terras aos fazendeiros quando o Estado ainda se chamava Mato Grosso.
O Deputado Júnior Mochi (MDB) acrescentou que participa das discussões sobre o tema desde 2007 e que desde então só aumentaram os conflitos. Para ele, a solução sempre foi a indenização aos fazendeiros, que adquiriram as terras de forma legítima.
“O título foi emitido pelo próprio Estado Brasileiro. A primeira área de conflito foi justamente a de Antônio João. Ao chegar a uma solução pacífica, damos um passo decisivo para mostrar o caminho de solução de outros conflitos existentes em nosso Estado. É um ganho muito grande. Foi o primeiro e acredito que pode ser um case de sucesso para uma convivência harmônica dos indígenas com os proprietários”.
Gerson Claro (PP), presidente da Casa, completou a fala dos parlamentares. E conta que durante muitos anos a resolução do problema era tido como impossível e que há de ser parabenizado o bom senso.
“Deixando de lado posições ideológicas e assumindo compromissos de humanidade, onde tanto as comunidades indígenas como as famílias de proprietários sofreram por décadas e agora podem ter esperança de dias melhores. Temos que congratular, independente de buscar culpados ou heróis. Para nós interessa que é uma causa humanitária resolvida’.
Entenda - O acordo de R$ 146 milhões entre fazendeiros e indígenas foi formalizado ontem (25) no STF (Supremo Tribunal Federal). Ele libera a realização de ato fúnebre pelos guarani-kaiowá na Fazenda Barra, onde Neri Ramos da Silva, de 23 anos, foi morto.
A PM (Polícia Militar) faz a proteção da fazenda, no município de Antônio João, por ordem da Justiça Federal. Policiais alegaram que os indígenas investiram contra a tropa e teriam atirado com armas de fogo.
“Houve consenso quanto à possibilidade de ingresso na área do local do falecimento do indígena Neri da Silva para fins de realização dos atos fúnebres indígenas de colocação de cruz, de acordo com a cultura indígena, devendo ser permitido o ingresso no próximo dia 28 de setembro das 6h às 17h (horário local), com no máximo 300 (trezentas) pessoas”, informa o documento.
A ocupação será temporária, com solicitação de apoio da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e da Força Nacional. “Com posterior desocupação imediata e espontânea após o fim do prazo, devendo ser cumprido por todos os envolvidos”.
O acordo prevê o pagamento da União aos proprietários no valor de R$ 27,8 milhões a título das benfeitorias apontadas em avaliação individualizada feita pela Funai em 2005, corrigidas pela inflação e a taxa Selic.
O valor será viabilizado por meio de crédito suplementar. Os proprietários também devem receber indenização, pela União, no valor de R$ 102 milhões pela terra nua. Mato Grosso do Sul deverá ainda efetuar, em depósito judicial, o montante de R$ 16 milhões, também a ser pagos aos proprietários.
Histórico - A demarcação desse território é simbólica. Em 1983, um dos grandes líderes guarani kaiowá do Estado, Marçal de Souza, foi assassinado na mesma região. Desde então a luta pela retomada do território gera frequentes embates.
A disputa começou na década de 1950. No governo Getúlio Vargas, um dos projetos foi a intensificação do povoamento, que passou a chamar o território indígena de "espaço vazio", conforme relatos antropológicos. Várias aldeias foram declaradas terra da União e distribuídas a colonos.
Conforme cita o estudo "Ñande Ru Marangatu: a judicialização da luta pela terra indígena e o papel do cientista", de Thiago Leandro Vieira Cavalcante "foi então que a comunidade indígena Ñande Ru Marangatu viu, primeiro, pequenos posseiros e, depois, grandes proprietários tentarem apoderar-se de suas terras. Os primeiros, com poucos recursos, foram motivadores de tensões, mas não capazes de expulsá-la; já os segundos, com grande poderio, utilizaram vários artifícios, incluindo a violência, para desalojar os indígenas e até mesmo os pequenos posseiros que chegaram anteriormente".
Perícias feitas no estudo identificaram que na "área se encontra um importante centro religioso guarani, o cerro marangatu, local repleto de significados religiosos, portanto essencial para as práticas religiosas daquela cultura".
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