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Política

Associação indígena pede que MPF apure repasse de demarcações ao MAPA

Representação da Apib afirma que Constituição Federal prevê atribuição à Funai; MP de Bolsonaro deu responsabilidade ao Ministério da Agricultura

Humberto Marques | 03/01/2019 17:16
Ato de Bolsonaro repassou ao Mapa responsabilidade por demarcação de terras indígenas. (Foto: Divulgação)
Ato de Bolsonaro repassou ao Mapa responsabilidade por demarcação de terras indígenas. (Foto: Divulgação)

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) apresentou ao MPF (Ministério Público Federal) representação na qual pede providências do órgão sobre a medida provisória assinada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro que repassou ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento responsabilidade sobre o processo de demarcação de terras indígenas. A alegação é de que, tanto a Constituição Federal como outras legislações, atribuem esse papel à Funai (Fundação Nacional do Índio).

A associação é presidida pela indígena Sônia Guajajara, que disputou as eleições de 2018 na chapa de Guilherme Boulos (Psol), e o pedido foi elaborado pelo advogado sul-mato-grossense Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Apib. Em meio ao embate burocrático está um tema espinhoso, que já registrou confrontos, ações policiais e mortes em todo o país –inclusive no Estado.

O texto da representação lembra que a população indígena brasileira, que decresceu entre 1500 e 1970 com a extinção de povos, voltou a crescer na década de 1990, “resultado concreto dos valores reconhecidos em nossa Carta Constitucional”.

A menção à Constituição se justifica em argumentos apresentados para contestar a MP 870/2019, não sem antes fundamentar os protestos com dados históricos –como o fato de que direitos e interesses dos povos indígenas estiveram quase sempre “sob o comando de interesses do agronegócio”. Como exemplo, volta-se ao Brasil Império e o início da República, de 1910 a 1918, quando o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio geriu o tema, repassado ao Ministério da Guerra de 1934 a 1939 e de volta à pata anterior em 1940.

Em 1967, em meio a uma CPI, o Serviço de Proteção ao Índio foi extinto e substituído pela Funai. “Ou seja, a ‘reestruturação’ apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro não tem nada de novo, pelo contrário, é sinônimo do retorno a uma prática colonial do século XVIII, que marcou profundamente a vida dos povos indígenas, pois foi a época em o etnocídio contra os povos foi levado a cabo com o aval do manto estatal e a conivência daqueles que deveriam defender os povos indígenas, entregues a própria sorte nos mais diversos rincões do Brasil”, destaca o pedido.

Apib afirma que Constituição coloca competência sobre demarcação de terras sobre a Funai. (Foto: Divulgação)
Apib afirma que Constituição coloca competência sobre demarcação de terras sobre a Funai. (Foto: Divulgação)

Fundamentações – A Apib ainda apela ao MPF alegando que a reestruturação administrativa que deu a prerrogativa das demarcações ao Mapa “carece de lógica jurídico-administrativa”, uma vez que a Constituição prevê, no artigo 231, que compete à União realizar o procedimento. A regulamentação do tema, porém, pelo decreto 1.775/1996, preveem que a demarcação ocorrerá “por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio”, no caso, a Funai.

A entidade argumenta, ainda, que o Estatuto do Índio (lei federal 6.001/1973) e o decreto 9.010/2017, que aprovou o Estatuto da Funai, barram a iniciativa da medida provisória. A fundação, inclusive, sequer poderia deixar o Ministério da Justiça, sem alteração estatutária, tendo a prerrogativa de realizar estudos para “identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas”.

A entidade salienta, desta forma, que a criação de terras indígenas passa pela Funai, seguindo para análise do Ministério da Justiça e finalizando em ato do presidente da República, via homologação, seguindo uma hierarquia que não inclui o Ministério da Agricultura –acionado apenas “para atender interesses contrários aos direitos dos povos indígenas, e neste ponto, configurando desvio de finalidade”, pontua a associação, para quem tal medida põe “interesses privados acima dos interesses coletivos” das populações indígenas.

Ainda segundo a Apib, a convenção 169 da OIT, que trata sobre povos indígenas e que foi promulgada em decreto de 2004, prevê a consulta obrigatória, previamente informada a essas populações, acerca da instituição de reservas. Desta forma, pede-se ao MPF que proponha ação de controle judicial contra a migração da competência das demarcações para o Mapa, instauração de inquérito civil para monitorar atos e processos administrativos que venham a tramitar no Ministério da Agricultura e responsabilidade administrativa quanto a ofensa aos direitos culturais dos indígenas.

A reportagem contatou o Ministério da Agricultura e a Presidência da República a fim de obter posicionamento sobre a reclamação da Apib, mas não obteve resposta até a veiculação desta reportagem.

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