ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
DEZEMBRO, SEGUNDA  23    CAMPO GRANDE 25º

Política

Associação indígena pede que MPF apure repasse de demarcações ao MAPA

Representação da Apib afirma que Constituição Federal prevê atribuição à Funai; MP de Bolsonaro deu responsabilidade ao Ministério da Agricultura

Humberto Marques | 03/01/2019 17:16
Ato de Bolsonaro repassou ao Mapa responsabilidade por demarcação de terras indígenas. (Foto: Divulgação)
Ato de Bolsonaro repassou ao Mapa responsabilidade por demarcação de terras indígenas. (Foto: Divulgação)

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) apresentou ao MPF (Ministério Público Federal) representação na qual pede providências do órgão sobre a medida provisória assinada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro que repassou ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento responsabilidade sobre o processo de demarcação de terras indígenas. A alegação é de que, tanto a Constituição Federal como outras legislações, atribuem esse papel à Funai (Fundação Nacional do Índio).

A associação é presidida pela indígena Sônia Guajajara, que disputou as eleições de 2018 na chapa de Guilherme Boulos (Psol), e o pedido foi elaborado pelo advogado sul-mato-grossense Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Apib. Em meio ao embate burocrático está um tema espinhoso, que já registrou confrontos, ações policiais e mortes em todo o país –inclusive no Estado.

O texto da representação lembra que a população indígena brasileira, que decresceu entre 1500 e 1970 com a extinção de povos, voltou a crescer na década de 1990, “resultado concreto dos valores reconhecidos em nossa Carta Constitucional”.

A menção à Constituição se justifica em argumentos apresentados para contestar a MP 870/2019, não sem antes fundamentar os protestos com dados históricos –como o fato de que direitos e interesses dos povos indígenas estiveram quase sempre “sob o comando de interesses do agronegócio”. Como exemplo, volta-se ao Brasil Império e o início da República, de 1910 a 1918, quando o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio geriu o tema, repassado ao Ministério da Guerra de 1934 a 1939 e de volta à pata anterior em 1940.

Em 1967, em meio a uma CPI, o Serviço de Proteção ao Índio foi extinto e substituído pela Funai. “Ou seja, a ‘reestruturação’ apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro não tem nada de novo, pelo contrário, é sinônimo do retorno a uma prática colonial do século XVIII, que marcou profundamente a vida dos povos indígenas, pois foi a época em o etnocídio contra os povos foi levado a cabo com o aval do manto estatal e a conivência daqueles que deveriam defender os povos indígenas, entregues a própria sorte nos mais diversos rincões do Brasil”, destaca o pedido.

Apib afirma que Constituição coloca competência sobre demarcação de terras sobre a Funai. (Foto: Divulgação)
Apib afirma que Constituição coloca competência sobre demarcação de terras sobre a Funai. (Foto: Divulgação)

Fundamentações – A Apib ainda apela ao MPF alegando que a reestruturação administrativa que deu a prerrogativa das demarcações ao Mapa “carece de lógica jurídico-administrativa”, uma vez que a Constituição prevê, no artigo 231, que compete à União realizar o procedimento. A regulamentação do tema, porém, pelo decreto 1.775/1996, preveem que a demarcação ocorrerá “por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio”, no caso, a Funai.

A entidade argumenta, ainda, que o Estatuto do Índio (lei federal 6.001/1973) e o decreto 9.010/2017, que aprovou o Estatuto da Funai, barram a iniciativa da medida provisória. A fundação, inclusive, sequer poderia deixar o Ministério da Justiça, sem alteração estatutária, tendo a prerrogativa de realizar estudos para “identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas”.

A entidade salienta, desta forma, que a criação de terras indígenas passa pela Funai, seguindo para análise do Ministério da Justiça e finalizando em ato do presidente da República, via homologação, seguindo uma hierarquia que não inclui o Ministério da Agricultura –acionado apenas “para atender interesses contrários aos direitos dos povos indígenas, e neste ponto, configurando desvio de finalidade”, pontua a associação, para quem tal medida põe “interesses privados acima dos interesses coletivos” das populações indígenas.

Ainda segundo a Apib, a convenção 169 da OIT, que trata sobre povos indígenas e que foi promulgada em decreto de 2004, prevê a consulta obrigatória, previamente informada a essas populações, acerca da instituição de reservas. Desta forma, pede-se ao MPF que proponha ação de controle judicial contra a migração da competência das demarcações para o Mapa, instauração de inquérito civil para monitorar atos e processos administrativos que venham a tramitar no Ministério da Agricultura e responsabilidade administrativa quanto a ofensa aos direitos culturais dos indígenas.

A reportagem contatou o Ministério da Agricultura e a Presidência da República a fim de obter posicionamento sobre a reclamação da Apib, mas não obteve resposta até a veiculação desta reportagem.

Nos siga no Google Notícias