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Política

“Eu estava lá”: Severina é a história viva do Poder Legislativo há 44 anos

Servidora desde a instalação da Assembleia Legislativa tem na memória toda a trajetória política do Estado

Gabriela Couto | 06/02/2023 15:05
Severina da Silva está sempre com sorriso largo e pronta para trabalhar no Palácio Guaicurus. (Foto: Arquivo pessoal)
Severina da Silva está sempre com sorriso largo e pronta para trabalhar no Palácio Guaicurus. (Foto: Arquivo pessoal)

Severina da Silva, 62 anos, é uma figura marcante para quem frequenta a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. Ela participa ativamente como cerimonialista do Poder Legislativo desde a instalação da Casa de Leis. Com uma memória de quem lembra toda a história política do Estado, ela conta com riqueza de detalhes experiências vividas como servidora há 44 anos.

“Eu estou na Assembleia desde a instalação, em 1º de janeiro de 1979. Eu estava lá”, conta a chefe do cerimonial. Segundo ela, tudo começou com o deputado estadual Rudel Trindade, de Aquidauana. “Ele era da minha região e ganhou a primeira eleição, em 15 de novembro de 1978. Na época eram apenas 18 deputados e fui convidada para trabalhar”, conta. Atualmente, a legislatura tem 24 representantes estaduais.

Desde a Assembleia Estadual Constituinte, Severina está no mesmo setor e na mesma função. “Após a instalação, no Teatro Glauce Rocha, vieram vários ministros aqui. Foram três momentos. Primeiro instalou a assembleia estadual constituinte e teve a posse de quatro desembargadores do Tribunal de Justiça, porque já existiam três. Terminada a cerimônia no Glauce Rocha, viemos para assembleia, que funcionava no prédio da missão salesiana, alugado para ser sede do Legislativo por seis meses”.

Em ação, a chefe de cerimonial da Casa de Leis participou de todas as posses dos governadores e deputados estaduais desde a divisão do Estado; na imagem ela segura o microfone para o juramento do então governador Reinaldo Azambuja (PSDB), em 2015. (Foto: Arquivo pessoal)
Em ação, a chefe de cerimonial da Casa de Leis participou de todas as posses dos governadores e deputados estaduais desde a divisão do Estado; na imagem ela segura o microfone para o juramento do então governador Reinaldo Azambuja (PSDB), em 2015. (Foto: Arquivo pessoal)

Ela também relembra o perrengue do começo da mudança do Legislativo para o Parque dos Poderes, no Palácio Guaicurus. “Foi em 1986 que a Assembleia veio para o parque. Na época, foi bem difícil, o ônibus parava de circular às 18h, sendo que tinha sessão à noite na Casa de Leis, todas as segundas-feiras. A gente tinha que descer a pé até a rotatória da Avenida Mato Grosso ou quando conseguia carona, ia de carona. Quando não, juntava um grupo, descia junto porque era só mato e muito escuro. Fizemos abaixo assinado para o ônibus circular à noite”, conta.

No começo, tudo que ela aprendeu foi com o diretor do cerimonial da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Pedro Alves Gonçalves. “Ele veio com uma boa bagagem e tudo isso ele foi me passando. Ele inclusive participou em Brasília do ato de assinatura do presidente da República na divisão do Estado, em 1977. Depois fiz cursos, me aperfeiçoei e faço questão de passar tudo que sei para meus colegas”, revela Severina, que já dá aulas de cerimonial e oratória.

Ao lado da amiga, Severina usa o traje igual ao utilizado em 1977, na sessão solene da promulgação da Constituição do Estado. As roupas foram refeitas na cerimônia de 40 anos da Casa de Leis. (Foto: Arquivo pessoal)
Ao lado da amiga, Severina usa o traje igual ao utilizado em 1977, na sessão solene da promulgação da Constituição do Estado. As roupas foram refeitas na cerimônia de 40 anos da Casa de Leis. (Foto: Arquivo pessoal)

Para melhorar ainda mais no trabalho, Severina que já era professora de Geografia no período noturno decidiu fazer Direito. “Comecei em 2013 e sou da segunda turma de direito da Uniderp, porque cerimonial público, de protocolo, você atua em cima da legislação. Por isso muitas vezes as pessoas questionam, porque vai compor a mesa assim, quem vem primeiro, como funciona isso ou a colocação das bandeiras? Para cada situação tem uma lei. O direito te dá uma bagagem em relação à legislação e ao estudo dos regimentos”, acrescentou.

A licenciatura em Geografia também foi fundamental para o trabalho dela no Legislativo. “Abriu um leque para o mundo de fora. Porque eu viajava pelos livros, conhecia culturas diferentes. Quando chegavam embaixadores de outros países para conhecer Mato Grosso do Sul, e que vinham para Assembleia, ou no governo, eu sabia como poderia fazer o melhor com base no que tinha de conhecimento nos costumes deles”, explica.

Nesta jornada de autoridades, ela participou ativamente da posse de todos os governadores e de todos os deputados estaduais, desde a primeira até a 12ª legislatura do Estado, que ocorreu no último dia 2 de fevereiro deste ano. Ela também participou dos eventos com todos os presidentes e vice-presidentes do País que visitaram os poderes, bem como os ministros de Estado e a icônica visita do papa João Paulo II, em Campo Grande.

Servidora está na Assembleia Legislativa desde a instalação do poder, sempre usando o clássico uniforme preto. (Foto: Arquivo pessoal)
Servidora está na Assembleia Legislativa desde a instalação do poder, sempre usando o clássico uniforme preto. (Foto: Arquivo pessoal)

“Participei no receptivo dele, em 1992. Qual a chance de um papa passar e te cumprimentar. Ele ainda deu um terço pra gente", conta. Nos preparativos para deixar tudo perfeito para o pontífice, Severina lembra de um fato inusitado. "A calçada estava feia e então pensamos em cobrir com um tapete. Gritamos lá de baixo, se alguém tinha um tapete para emprestar, porque o papa tava chegando. Ficou muito chique. A dona do tapete ficou lisonjeada, porque o papa passou por ele", revela.

Todas as autoridades sempre foram muito educadas, conforme a cerimonialista conta. "Sempre muito amistosos. Michel Temer, por exemplo, quando ainda era vice-presidente, parou e conversou além do protocolo com a gente. Teve o show do tenor italiano, Andrea Bocelli. Que oportunidade vou ter de estar tão perto assim de um ídolo, se não trabalhasse com isso? São situações que emprego nenhum te proporciona", destacou.

Mas também é preciso ter muita criatividade e tranquilidade, porque sempre pode acontecer o imprevisível. "Tem situações inusitadas. Você chama o Hino Nacional e o colega do som coloca o do Estado. E muitos acham que cerimonialista só vive de festa. Mas não é isso. Acham que é só glamour, mas se chover no pavilhão, temos que ir lá passar o rodo", justificou.

Severina da Silva é considerada um patrimônio humano da Casa de Leis e está pronta para servir o Estado. (Foto: Arquivo pessoal)
Severina da Silva é considerada um patrimônio humano da Casa de Leis e está pronta para servir o Estado. (Foto: Arquivo pessoal)

Elegante, ela continua usando o clássico uniforme preto. "Temos que ficar invisível. Acho que o preto é um clássico e você sempre está bem composta, em qualquer situação", diz ela que não quis revelar histórias dos bastidores da Casa de Leis para a reportagem.

Mesmo aposentada, Severina continua no emprego. "Se sai um presidente e outro me convida, eu aceito. Sinto que ainda estou em plena vontade de produzir e servir ao meu Estado. Nunca passou pela minha cabeça deixar de trabalhar. É um sacerdócio.  Já recebi vários convites, mas eu me acostumei com o ritmo da Assembleia".

Regras - No começo, as autoridades não sabiam direito as regras e protocolos do cerimonial. Com o passar dos tempos, Severina afirma que os ritos foram ganhando o formato oficial e seguidos à risca, com mais naturalidade.

Ela explica que a maior autoridade de Mato Grosso do Sul é o governador. "Isso tudo é lei, tem protocolo. Por isso até mesmo os ministros estão um passo atrás nas cerimônias oficiais", explica. Para cada ordem de pronunciamento, colocação de bandeiras, subida de rampas, há uma regra.

"De lá pra cá, foram pouquíssimas alterações. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aboliu o tratamento de Vossa Excelência para as autoridades do Executivo Federal. Nenhum ministro, nem ele próprio, nem os militares, nem reitores eram tratados mais desta forma. Todos eram para serem chamados de 'senhor'. Também teve a mudança na lei dos símbolos nacionais. Foi alterado para que se coloque a bandeira do Mercosul nos pavilhões das instituições. Mas apesar de ser acrescentado na lei, não foi regulamentado em qual posição ela ficaria. Se isso ocorrer, terá que ser colocado mais um mastro em frente de todos os prédios públicos".

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