Ex-adjunto da Sefaz deu descontos de R$ 912 mil na venda de fazendas
Tese dos investigadores é de que André Cance tentara legalizar “negócio” para evitar bloqueio de bens e maquiar recursos recebidos
Decisão que fundamentou mandados de prisão, buscas e apreensões na operação Computadores de Lama –a sexta fase da Lama Asfáltica– na manhã desta terça-feira (27) revelam um esforço de André Luiz Cance, ex-secretário-adjunto de Fazenda na gestão de André Puccinelli (MDB), de acabar com provas e revelou manobras escrachadas de esquema de lavagem de dinheiro que, segundo a Polícia Federal, era coordenado por ele.
Uma das manobras que chamou a atenção dos investigadores e da Receita Federal é que André costumava dar descontos expressivos ao vender propriedades rurais. Em uma das transações, a venda da fazenda envolveu desconto total, considerado “surpreendente” pelas autoridades, de R$ 912 mil no preço final.
A manifestação da Justiça ao pedido do MPF (Ministério Público Federal) sugere que Cance tinha papel importante no esquema investigado na Lama, envolvendo fraudes em licitações e superfaturamentos de contratos para beneficiar pessoas ligadas à administração estadual anterior, empresários e servidores.
A venda da fazenda Angico foi usada para sustentar ocorrência de falsidade ideológica por meio da simulação de documentos, visando a proteger bens de Cance bloqueados na Fazendas de Lama –a segunda etapa da Lama Asfáltica, realizada em 10 de maio de 2016.
Dois recibos do negócio continham data de 2 de maio daquele ano, oito dias antes da Fazendas de Lama ir às ruas e colocar Cance na mira da Procuradoria. Porém, o reconhecimento de firmas só se deu em 26 de outubro de 2016. Os documentos revelam “um suposto –e surpreendente– desconto em recebíveis aos compradores das duas partes da fazenda Angico”, no valor de R$ 912 mil.
Antecipações – Para o MPF, a manobra visava gerar prova de que áreas foram vendidas e estavam completamente quitadas antes da Fazendas de Lama, “e que, por isso, não poderiam ser objeto de constrição judicial”, pontua a decisão.
Um dos descontos, de R$ 412 mil, foi dado a André Joliarce Araújo, a título de antecipações de parcelas vencíveis em 2016, 2017 e 2018, dando quitação ao comprador. Nos mesmos moldes, Orocídeo de Araújo recebeu desconto de R$ 500 mil, mas por pagar as parcelas de 2016 e 2017 antes do prazo.
Chamou a atenção do MPF que todos os dez pagamentos feitos pelos compradores variaram entre R$ 50 mil e R$ 546 mil e teriam sido feitos “‘em moeda corrente do país’, algo absolutamente atípico”.
A ação ainda destaca que relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) apontam que, em 10 de novembro de 2017, quatro dias antes da Papiros de Lama (quinta fase da ação) ser realizada, Cance e André Araújo tentariam “legalizar” e “ajustar” a transação. Isso porque a escritura de compra e venda registrada em 2015 teria sido usada para ocultar pagamentos de Orocídio Araújo a Cance entre 2016 e 2017.
Intermediário – A manifestação da 3ª Vara Federal de Campo Grande ainda aponta que os indícios de autoria e materialidade de Cance em episódios sob investigação na Lama Asfáltica o colocam como “principal intermediário de André Puccinelli na arrecadação e dissimulação de propina nos anos de 2014 e 2015”. Na posição, conforme a acusação, ele teria sucedido Ivanildo da Cunha Miranda.
André teria, inclusive, forjado o divórcio da ex-mulher Ana Cristina Pereira da Silva como forma de preservar o patrimônio caso tivesse os bens bloqueados. Entre 2010 e 2014, o patrimônio da esposa dele passou de R$. 1.178 milhão para mais de R$ 16.285 milhão.
Em uma das conversas interceptadas, ele pergunta para o irmão, inclusive, sobre queima de arquivos. "Você botou fogo naqueles negócios que estavam aí do André". O irmão Mauro Ernesto Cance responde que "quase tudo".
As peças da Computadores de Lama ainda consideram que o ex-adjunto da Sefaz, “ao menos até recentemente”, atuava para prejudicar fatos relativos às apurações.
Documentos que fundamentam a ação ainda o colocam “possivelmente” como uma das pessoas que mais teria lucrado com as supostas ilegalidades: em 2010, o patrimônio da sua ex-mulher, Ana Cristina, era de R$ 1,7 milhão, chegando a R$ 16,2 milhões no fim de 2014, crescimento considerado incompatível com os rendimentos por ela declarados ou mesmo com os informados por Cance.
Computadores de Lama – Cance era alvo de um dos quatro mandados de prisão da Computadores de Lama, apresentando-se no fim da manhã às autoridades. Romilton Rodrigues de Oliveira, também procurado pelas autoridades, disse que irá à Polícia Federal na quarta-feira (28). Pecuarista, ele se encontra no sul do Estado, em uma fazenda, sendo acusado de servir de “laranja” no esquema de desvios de recursos públicos e remessas de valores para o exterior.
Também já foram presos os empresários Antônio Celso Cortez, da PSG Tecnologia Ltda., e João Baird, ex-proprietário da Itel Informática. Estes seriam sócios e atuariam em empresas com contratos na área de informática com a gestão estadual anterior e teriam relação com remessas ilegais para o exterior e uso de terceiros para ocultar bens adquiridos com dinheiro desviado.
Foram cumpridos ainda 25 mandados de busca e apreensão na Capital, Jaraguari, Dourados e Paranhos.