Gratificações turbinam folha em R$ 2,5 bi na prefeitura
Montante refere-se à despesa total com pessoal na Capital, acima do limite da LRF, aponta relatório do TCE
Elevado número de servidores com contratos temporários, gratificações em desacordo com a lei, vantagens remuneratórias que precisam de esclarecimentos e pagamentos de "jetons" são algumas das possíveis “irregularidades e/ou ilegalidades” listadas pelo TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) na folha de pagamento da Prefeitura de Campo Grande.
Os "penduricalhos" podem ser a resposta, de acordo com TCE, para a despesa total de pessoal atingir o montante de R$ 2,590 bilhões durante o ano de 2022, alcançando 57,02% da RCL (Receita Corrente Líquida) e extrapolando os 54% determinados pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Para a apuração da despesa total com pessoal, é observada a remuneração bruta do servidor, sem qualquer dedução ou retenção.
Nesta terça-feira (4), o conselheiro Osmar Jeronymo, relator do processo, encaminhou intimação determinando prazo de 20 dias para que a prefeita Adriane Lopes (Patriota) solucione as pendências encontradas no relatório.
A intimação é baseada no relatório assinado por equipe de cinco auditores fiscais que elencou várias discrepâncias nas contas da folha de pagamento da prefeitura. Na lista, elevada contratação temporária de pessoal, Portal da Transparência em descumprimento dos requisitos legais e despesa com pessoal do exercício de 2022 incompatível com a despesa executada no orçamento.
O pente-fino dos auditores foi realizado nas contas de janeiro a dezembro de 2022 e o resultado faz parte de relatório de 93 páginas.
No relatório, o tópico “Achados” aponta “irregularidades e/ou ilegalidades” que podem ter causado o alto patamar das despesas das folhas de pagamento de 2022.
Na lista, leva em conta o volume de contratação temporária de pessoal. Cita que, em abril de 2022, foram contabilizados 9.883 vínculos do tipo contratação temporária distribuídos em 54 cargos/funções. Neste período, os servidores efetivos representaram 16.993 do total. A comparação temporários/efetivos foi de 58,16%.
As contratações temporárias, conforme relatório, “escapam à disciplina legal, revelando a ilegalidade dos atos praticados”.
Os gastos das folhas de pagamento com os contratados temporariamente no ano de 2022 geraram custo de R$ 410.587.213,45, ou quase 22% do valor bruto dessas despesas.
“As contratações temporárias (...) extrapolam a proporcionalidade e razoabilidade (...) o que evidencia e corrobora que essas admissões temporárias escapam à disciplina legal, revelando a ilegalidade dos atos praticados, vez que o quantitativo de contratos comprova a falta de planejamento do órgão”, avalia o relatório, acrescentado que o contrato temporário é exceção, mas tornou-se “comum e corriqueiro” na Prefeitura de Campo Grande.
Cinco funções concentram 72,39% dos contratos temporários: professor, assistente de educação infantil, auxiliar de manutenção, médico e assistente educacional infantil.
No caso dos professores, a situação é considerada mais grave, já que foi identificado o pagamento de vantagem financeira em “aulas complementares” a 1.228 servidores efetivos que acumularam a função de temporários. Com o último concurso da categoria em 2016, o TCE recomendou plano de providências para sanear o elevado número de temporários.
Dados – O relatório aponta que o Portal da Transparência não cumpre os requisitos legais, não constando no total da remuneração os valores dos encargos, gratificações e "jetons" (gratificação pela participação em reuniões de órgãos de deliberação) recebidos pelo servidor, conforme folha de pagamento.
“Os dados constantes nas prestações de contas das folhas de pagamentos remetidas pela Prefeitura Municipal de Campo Grande não refletem a realidade da despesa de pessoal no ente, pois há divergências nos quantitativos de vínculos”.
Os auditores também apontaram remunerações que necessitam de esclarecimentos. O acúmulo de gratificações duplicava e/ou triplicava o salário base, situação que, se não for justificada, “fere amplamente o princípio da moralidade da administração pública”.
Alguns penduricalhos, como “Plantão Eventual”, “Produtividade SUS Gerencia” e “Adicional de Fiscalização Municipal” causaram considerável impacto nas folhas de pagamentos de 2022, eis que somados alcançam o valor de R$ 201.252.631,96 ou 10,71% da despesa bruta.
Consta, ainda, no relatório, a incompatibilidade de recebimento de gratificações de dedicação exclusiva a comissionados, já que são cargos que os detentores desempenham função de chefia, direção ou assessoramento que pressupõe exercício diferenciado e não precisa da gratificação. Os encargos especiais e ganhos de dedicação exclusiva dados a contratados também são questionados.
Outra divergência, segundo relatório, é que, confrontando-se o valor da folha bruta R$ 2.214.340.840,31 (não incluída a despesa com auxílio alimentação) com as despesas liquidadas e as inscritas em Restos a Pagar Não Processados no montante de R$ 2.485.021.866,66, e ainda as não executadas orçamentariamente, no montante de R$115.505.267,83, constata-se divergência de R$ 386.186.294,18.
O relatório identificou, ainda, supersalários, acima do teto constitucional, como os vencimentos dos auditores fiscais da Receita Municipal. O crédito líquido anual chega a R$ 599 mil. A avaliação é que o fato de receber remuneração superior ao teto constitucional não significa pagamento ilegal, porém, são questionáveis.
"(...) diante dos exorbitantes valores dispendidos com os pagamentos dos servidores municipais no ano de 2022, procedemos ao exame dos possíveis motivos com indícios de irregularidades/ilegalidades que levaram a alcançar gastos tão excessivos".
Lei – O ex-prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD), que esteve no Executivo de 1º de janeiro de 2021 a 1º de abril de 2022, disse que não há ilegalidade nas contas. “Não tem folha secreta, não tem gastos ilegais, não existem”, afirmou.
A discrepância, segundo ele, está prevista na Lei Complementar nº 178/2021, a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que estabelece o programa de acompanhamento e transparência e equilíbrio fiscal dos Estados e Municípios. A inclusão da folha do 13º no ano em que foi pago e não mais em janeiro do ano seguinte alterou e elevou o percentual.
Por isso, a prefeitura passou a extrapolar os 54% previstos na LRF, que prevê o enquadramento até o término do exercício de 2032. Trad diz que a alteração na lei afetou as contas públicas e explicaria todas as discrepâncias apontadas no relatório.
Sobre a contratação de temporários, citando especificamente os professores, diz que o último concurso, realizado em 2016, convocou todos os 3 mil aprovados. “Até fazer outro, demora e aí veio a pandemia, veio a suspensão dos prazos”, justificou.
Trad também justificou que os dados no Portal da Transparência obedecem ao previsto em lei e diz que a prefeitura recebeu prêmio e índice de 98% de aprovação pelo PNTP (Programa Nacional de Transparência Pública).
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Campo Grande, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.