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Reportagens Especiais

Peruano veio para estudar, viu a chuva e não voltou mais para Lima

Aline dos Santos | 24/08/2014 07:00
Peruano veio para estudar, viu a chuva e não voltou mais para Lima
Médico e a esposa, no Parque das Nações Indígenas: estranhou, mas se acostumou aos novos modos (Foto: Marcos Ermínio)
Médico e a esposa, no Parque das Nações Indígenas: estranhou, mas se acostumou aos novos modos (Foto: Marcos Ermínio)

A primeira vez em que viu chuva está gravada na memória do médico Randolph Emílio Salazar Paredes, 45 anos, por dois motivos especiais. A primeira é porque o peruano morava em Lima, a metrópole onde não chove. A segunda é porque foi no dia em que chegou a Campo Grande, cidade que lhe daria amor, família e estabilidade profissional.

“Peguei um táxi no hotel e pedi para ir ao Centro. Estava com forme. De repente, veio um raio e tal. Depois, veio a chuva. Parecia que ia acabar o mundo. Achei que ia morrer aqui”, conta, aos risos, sobre o temporal que enfrentou debaixo de um toldo na avenida Calógeras.

O episódio entrou para o arquivo pessoal como chuva de assustar peruano. Além do fator climático, a natureza surpreendeu o recém-chegado, que veio em 1994 para cursar a faculdade de Medicina na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). “Achei muito lindo. Tinha muita planta, muito verde. Diferente de Lima”, diz.

Logo de cara, se adaptou ao churrasco e ao tereré, mas até hoje se intriga com o fato de que aqui se come feijão todos os dias. “Lá no Peru, a carne é muito 'limpa', sem gordura”, diz. Surpreso com o sabor, experimentou churrasco em vários cantos do País, mas é o feito aqui que lidera a preferência.

Meus pais ficaram felizes e também tristes porque sabiam que não iria voltar”, relata Randolph (Foto: Marcos Ermínio)
Meus pais ficaram felizes e também tristes porque sabiam que não iria voltar”, relata Randolph (Foto: Marcos Ermínio)

E foi à mesa, que ganhou mais uma história de forasteiro para contar. Convidado para comer na casa de um amigo, ficou esperando ter o prato servido pela mulher mais velha da casa, tradição cultural no Peru, onde a matriarca é quem serve a refeição. “Todo mundo se servindo e eu fiquei esperando”, diz. Diante do imobilismo, o amigo perguntou se o colega não iria comer. “Ele brincou que aqui não tinha mamãe não”, recorda.

Na UFMS, conheceu Eline Salazar, 35 anos. O romance entre a moça que veio de Jardim, a 233 quilômetros de Campo Grande, e o rapaz que veio de Lima, a mais de 3 mil quilômetros da Capital, virou casamento e o casal escolheu viver na Cidade Morena. “Não estava nos planos. Meus pais ficaram felizes e também tristes porque sabiam que não iria voltar”, relata Randolph.

Da união, a cidade ganhou mais dois campo-grandense: Randolph Miguel, 13 anos, e Alejandro Gabriel, 8 anos. A família mora no bairro Ipiranga e enxerga na vizinha UFMS uma extensão do próprio lar. “Meus filhos nasceram no HU, os seguranças mais antigos ainda reconhecem o meu marido e os meninos falam que lá é onde vão estudar”, conta Eline.

Eline conta que vê na UFMS a extensão do próprio lar. (Foto: Marcos Ermínio0
Eline conta que vê na UFMS a extensão do próprio lar. (Foto: Marcos Ermínio0

Mesmo quando o médico precisou ir trabalhar no interior, a família ficou na Capital. Os tempos mais difíceis, quando o dinheiro contato fez com que o médico infectologista morasse no DCE (Diretório Central de Estudantes) da universidade, ficaram guardados nas lembranças e no Barão, o Uno vermelho comprado em 2001.

Após duas décadas, o peruano/campo-grandense vê com espanto o crescimento da cidade. “Antes, não tinha quase moto. Em 1994, nem tinha muito carro. Cresceu muito”, afirma o médico.

Hoje, foi aberto um intercâmbio entre os moradores de Lima e de Campo Grande. Na casa campo-grandense dos Salazar, se come vainita – prato com vagem, carne, batata frita e a pimenta comprada diretamente do Peru. Na capital do país andino, uma arara de madeira, comprada na Feira Central, faz a alegria da mãe de Randolph, a matriarca do clã.

Antes, não tinha quase moto. Em 1994, nem tinha muito carro. Cresceu muito, diz, sobre a Cidade Morena (Foto: Marcos Ermínio)
Antes, não tinha quase moto. Em 1994, nem tinha muito carro. Cresceu muito, diz, sobre a Cidade Morena (Foto: Marcos Ermínio)
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