Primeiro morador viajou um ano de carro de boi para chegar onde só tinha mato
Relatos sobre quem povoou a região onde surgiria Dourados não são precisos, mas historiador aponta quem pode ter sido o primeiro: o paulista Francisco Xavier Pedroso
A história de Dourados, que no dia 20 deste mês completa 80 anos de emancipação, é cheia de contradições. Não há consenso sobre qual foi o primeiro nome do vilarejo, o herói homenageado no brasão nunca pisou por aqui, o benemérito que teria doado as terras para a fundação do município é questionado e até a data de aniversário é contestada por estudiosos da atualidade.
A única certeza é que Dourados tem bem mais que 80 anos. O povoado começou a ser formado por volta de 1890 – mas só virou município 45 anos depois. Ou seja, se fosse contar o tempo como vilarejo e como distrito de Ponta Porã, Dourados teria uns 125 anos.
E quem foi o primeiro morador não índio daquele lugar ermo de 1880 e poucos, que só tinha mato? Também não há consenso sobre isso. O historiador Rozemar Mattos de Souza, entretanto, arrisca uma opinião. A pedido do Campo Grande News ele escreveu um extenso texto sobre sua teoria – baseada em muito trabalho de pesquisa.
Para Rozemar Mattos, existe grande chance de o primeiro morador ter sido o paulista Francisco Xavier Pedroso, vindo da cidade de Amparo. Ele teria chegado à região onde existe atualmente o distrito de Itahum em 1985, depois de uma viagem de um ano, de carro de boi e barco para cruzar rios e córregos, entre eles o Paranazão.
Na região do Capão Alto, onde se instalou, Pedroso denominou sua propriedade de Fazenda Amparo em homenagem à sua terra natal e cujo titulo conseguiu em 1902.
“Após o término da Guerra do Paraguai, os soldados que estiveram em combate no sul matogrossense passaram a relatar, ao retornarem a suas províncias de origem, as gigantescas terras devolutas da região da fronteira existentes em Mato Grosso. Aliado a estas divulgações, os principais jornais de São Paulo, Rio de janeiro e do Rio Grande do Sul mencionavam em suas edições a boa qualidade das terras do MT e da vontade da Coroa em povoar a região. Teve início, assim, um grande processo de migração regional para a área, com povoadores vindos sobretudo de províncias como Minas, RS, SP e Paraná”, afirma o historiador.
Segundo Rozemar, alguns historiadores relatam a presença do mineiro José Serrano na região do Guaçu em 1884, mas não foi encontrada nenhuma referência dele nas pesquisas.
“Francisco Xavier Pedroso nasceu em 1839 e em 1884 juntamente com o primo Henrique Pedroso, aventurou-se ao Mato Grosso, utilizando carro de bois e barcos. Com muito sacrifício, chegou à região do atual município de Dourados. Aos 44 anos, em busca do sonho de terras de qualidade, largou família, Maçonaria, amigos e neste lugar então desconhecido começou a trabalhar como comprador de gado para a empresa Mate Larangeira e após instalado nas tão sonhada terras, construiu sua primeira morada”, relata Rozemar.
Ao contrário do que é usado em muitas fontes de pesquisa, como livros, documentos e textos divulgados na internet, a companhia se chamava “Mate Larangeira”, com G mesmo. Não tinha nada a ver com laranja, mas sim com o sobrenome do fundador, Thomaz Larangeira.
Esposa paraguaia – Segundo Rozemar, pouco tempo depois da chegada, Francisco Pedroso encontrou no Paraguai Francelina Maria Nazareth, que trouxe para morar em sua companhia. Da união nasceram Benedito Xavier Pedroso, em 1886, e Thomaz Xavier Pedroso, em 1888.
“Muitos dos descendentes do pioneiro Francisco ainda residem em Dourados. Francisco Xavier Pedroso faleceu em 1932, aos 93 anos de idade”, afirma.
Os Azambuja – Rozemar conta que em 1888, de Minas Gerais, vieram os irmãos Vicente Lopes de Azambuja, Francisco Vicente de Azambuja e Antônio Vicente de Azambuja, oriundos de Areias de Campo Formoso.
Os irmãos Azambuja e Maria Amada Azambuja, casada com Vicente, estabeleceram-se na região de Itahum/Santa Maria, em uma área de 56.000 hectares de terras, denominada Fazenda Velha, onde criavam gado.
Também em 1888, de Uberaba (MG), veio o pioneiro Manoel Lopes Cançado, que após ficar viúvo de Amélia Madaglena, se casou com Emília Pires de Freitas, filha de Zeferino Pires de Freitas e Procópia.
“Em 1890 chegava Constantino Vicente de Almeida com a esposa e os filhos Jacinto e Zeferino de Almeida, vindo da cidade de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul. Instalou-se inicialmente na Fazenda Capão Rico, na região de Itahum e posteriormente adquiriu áreas de terras que denominou de Cervo Galheiro, Sombrerito e Peroba”, conta o historiador.
O relato de Rozemar continua, ano a ano, sobre os primeiros moradores da região. João Vicente Ferreira, que viria a ser o primeiro Prefeito de Dourados, chegou em 1896, vindo de Santana do Paranaíba (MT).
Em Ponta Porã, Ferreira foi eleito primeiro-vice intendente e assumiu o cargo de prefeito em 1925 em substituição ao titular Leonel de Barros. Por curto período foi delegado de polícia em Ponta Porã, sede do município.
João Vicente Ferreira fez parte da Comissão de Emancipação do município e em 1936 foi nomeado pelo governador Mário Corrêa como primeiro prefeito de Dourados. Dos filhos de João Vicente, Rozemar cita Raul Muzzi, membro da Comissão de Emancipação de Dourados, e Maria da Glória Muzzi Ferreira, a segunda vereadora de Dourados e nome de uma das escolas mais conhecidas de Dourados, no Jardim Água Boa.
Após a famosa Revolução Sulista, o gaúcho Izidro Pedroso foi para a Argentina, depois para o Paraguai e chegou à atual Dourados em torno de 1897. Trabalhou na fazenda de Maria Amada Azambuja, na Lagoa Grande. Em seguida trabalhou na fazenda de Francisco Xavier Pedroso, até juntar alguma economia.
Em 1905 requereu terras do governo, na região do Serrito, denominando a propriedade de Lageadinho. Tempo depois adquiriu a Fazenda Coqueiro. Em 1898 casou-se com Benedita Martinho de Souza, filha de Salviano Pereira da Rosa e Bárbara Martinho de Souza, que já estavam na localidade.
O homem que planejou o traçado das ruas de Dourados, Francisco Torraca Filho, o Pancho Torraca, chegou em 1899. Dois anos depois vieram seu pai Francisco e irmãos, Albino, Atílio, Morozina, entre outros.
“A demarcação das ruas ocorreu antes da instalação do Distrito de Paz. Pancho adquiriu a propriedade no lugar denominado Passo Torraca e que depois ficou conhecido como Porto Torraca em função da balsa instalada por ele e seu pai para travessia do rio. Francisco Torraca, o pai, era Italiano e mestre construtor e com esse título anunciava no jornal O Progresso já em 1921 oferecendo serviços de confecção de plantas para toda e qualquer espécie de edifícios, bem como suas construções”, relata Rozemar Mattos, também descendente de pioneiros.
Pancho Torraca era natural de Concepción, no Paraguai. Atílio Rondini Torraca fez parte, em 1935, da Comissão de Emancipação do Município de Dourados. Albino atuou como farmacêutico na pequena localidade, sendo que sua especialidade era a flora medicinal.
“Provavelmente, devido ao número considerável de moradores na região, foi que o governo, já antes de 1900, denominou o local como distrito policial de Dourados. Temos assim, em 1900, uma região ocupada por dezenas de famílias e já ‘batizada’ pela Assembleia do Estado de Mato Grosso com o definitivo nome de Dourados”, afirma o historiador.
A Família Mattos começa a chegar em 1901 através do patriarca José de Mattos Pereira e os filhos João, Ponciano e Amândio. Membros desta família chegaram até o ano de 1905, constituindo-se na maior família da localidade, com mais de 100 pessoas.
“A participação dos Mattos nas atividades do patrimônio e depois do município foi intensa, necessitando um capitulo a parte para os relatos”, afirma Rozemar.
Terra de índio – O historiador e presidente da Comissão de Revisão Histórica de Dourados, Carlos Magno Mieres Amarilha, cita em seu trabalho de pesquisa que antes da chegada dos migrantes de outras regiões do país e de viajantes, que faziam parada no povoado, a região era habitada pelos índios.
“Entre as inúmeras populações que moram nesta região, uma das que mais se destacam são os guarani-kaiowá, considerada uma comunidade muito populosa que ocupava um vasto espaço territorial no sul de Mato Grosso. O município de Rio Brilhante teve até o nome de ‘Caiuás’, devido aos inúmeros indígenas kaiowá que moravam nesta localidade. Ercília de Oliveira Pompeu afirma que o início histórico do Município de Dourados deu-se assim: ‘habitada a região pelos índios caiuás e possuindo matas exuberantes, rios caudalosos, formando assim o que seria mais tarde, ou seja, nos dias atuais, as divisas do Município de Dourados’. Nesse sentido, tudo indica que os kaiowá da etnia guarani são os primeiros habitantes deste imenso território em que se fundou a cidade de Dourados”.