74º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Neste 74º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Paris em 1948, nada está mais em pauta do que a necessidade de defender a liberdade, a justiça e a paz no mundo, como preconiza seu preâmbulo. Ao reconhecer em seu artigo primeiro que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, a Declaração fundava uma nova esperança e uma nova luta, passada a turbulência da Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.
Mesmo não tendo força impositiva, a Declaração se tornou inspiração para normativas internacionais e nacionais no mundo todo. Entretanto, ainda há muito que se refletir e fazer a respeito da proteção dos direitos humanos. Novamente a Europa sofre as intempéries de uma guerra em seu território em pleno século XXI e, cabe lembrar, a guerra na Ucrânia não é a única em andamento nos dias de hoje. Em 2022, pelo menos 28 países apresentam conflitos ativos ou algum combate armado. No Iêmen, mais de 10 mil crianças perderam a vida como consequência direta dos combates. Em Mianmar, milhares de civis já morreram por causa da crescente tensão étnica. O triste recorde de estupros em massa como arma de guerra tem sido ultrapassado na Etiópia. Esses são alguns exemplos dos holocaustos mais recentes. Conflitos étnicos e raciais, violência sexual, desigualdade social, escravidão, tortura, fome, xenofobia, intolerância religiosa e muitas outras violações abjetas aos direitos humanos põem em xeque a afirmação que “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (Artigo 3).
A Declaração estabelece os parâmetros mais básicos e essenciais de proteção aos direitos humanos. Hoje já temos preocupações ainda mais complexas como os direitos coletivos de povos indígenas e tradicionais, direito ao patrimônio genético, à biodiversidade, à proteção contra biopirataria e outros anteparos diante do avanço tecnológico vertiginoso. O paulatino processo de incorporação dos direitos humanos como princípios e valores defendidos em todas as sociedades sofre avanços e retrocessos. O mal-estar causado pela escolha do Catar como sede da Copa do Mundo de Futebol deste ano é digno de nota. O país é conhecido por seguir a norma de tutela das mulheres, que estão subordinadas ao pai, marido ou irmão, dependendo da decisão de seus tutores para casar-se, estudar, trabalhar ou mesmo fazer exames ginecológicos. A homossexualidade é ilegal no país, gerando penas de até sete anos de prisão. As violações respaldadas pelo emirado absolutista incluem ainda a escravização de trabalhadores e outras formas de discriminação contra pessoas estrangeiras. A Copa nos lembra que nosso sistema é ainda guiado por uma racionalidade capitalista neoliberal, em que o capital fala mais alto do que a rejeição a normas discriminatórias, xenófobas e sexistas.
É preciso saudar os setenta e quatro anos da Declaração com entusiasmo cauteloso. Os muitos exemplos das dinâmicas nefastas do necropoder nos fazem perceber as tecnologias de gestão da morte e da vida que hierarquizam as pessoas que têm ou não têm valor e, diante dessa classificação social, devem ou não ser protegidas. E isso independe do regime político ou grupo de poder. De Guantánamo a execuções realizadas pelo Estado Islâmico, de movimentos neonazistas na Europa a mercado de escravos na Líbia, a luta pelos direitos humanos tem que permanecer ardendo nos corações de cada ser humano.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, traduzida em mais de 500 idiomas, deve reverberar mais fortemente nas normativas internas de cada Estado e continuar como bandeira de reivindicações de uma sociedade civil consciente de que ainda há muito o que se fazer. No Palácio de Chaillot em Paris, naquele histórico inverno de 1948, surge um documento que deve reverberar a imensidão geográfica, cultural, social, política e étnica do mundo todo. A Declaração Universal é o que temos de mais precioso a ser defendido nos dias atuais.
(*) Simone Rodrigues Pinto é doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e professora associada da Universidade de Brasília (UnB).