ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, TERÇA  26    CAMPO GRANDE 25º

Artigos

A angústia e o estímulo de Guimarães Rosa diante dos textos curtos

Andrea Jubé Vianna(*) | 28/05/2022 08:30

O conto As Margens da Alegria, que abre o livro Primeiras Estórias, de João Guimarães Rosa, é uma fábula sobre o florescer, e amadurecer, dos sentimentos humanos. O protagonista é um aprendiz-mirim, que experimenta as emoções da vida adulta talvez cedo demais, ao se deparar, sucessivamente – e inadvertidamente -, com a morte, a crueldade, a violência. Mas ele experimenta, ao mesmo tempo, o êxtase, o deslumbramento, e como entrega o título, a alegria, de modo que a esperança se sobreponha, ao fim, à desilusão.

As Margens da Alegria narra a “experiência de iniciação” desse aprendiz-mirim, como definiu o professor Michel Riaudel da Universidade Sorbonne, ao proferir a aula inaugural do Colóquio Internacional Primeiras Estórias – 60 anos, ciclo de palestras promovido pela Universidade de Brasília (UnB), e outros parceiros, que começou no dia 5 de maio. A aula inicial pode ser acessada aqui.

“O menino é dotado de uma sabedoria infusa que vai se manifestando passo a passo, por degraus de iniciação, estágios de uma aprendizagem”, dissertou Riaudel. O colóquio celebra os 60 anos da publicação do primeiro livro de Guimarães Rosa no formato de histórias curtas, após o autor consagrar-se com as narrativas longas, condensadas no antológico Grande Sertão: Veredas (1956), e nos volumes de novelas Sagarana (1946) e Corpo de Baile (1956).

Não é imprudente, portanto, traçar um paralelo entre autor e personagem, porque ambos galgam os seus “degraus de iniciação”, já que Rosa debutou, com Primeiras Estórias, na seara das narrativas breves. É de conhecimento de poucos, entretanto, que essa estreia se materializou, antes, nas páginas de jornais. Dos 21 contos que compõem a obra, 12 foram publicados em uma coluna semanal que Rosa assinou em O Globo entre janeiro e agosto de 1961. Outros quatro foram veiculados nas revistas Senhor e Comentário, e apenas cinco títulos eram inéditos.

Naquele ano, Rosa confidenciou ao amigo Manuel Bandeira que sentiu “angústia” ante o desafio de escrever para um espaço predeterminado de jornal. “Escrevo cinco, dez, quinze páginas. É preciso reduzir a três. Começo a cortar, começo a corrigir. O meu desejo é então continuar a corrigir até o fim da minha vida. Mas há que entregar os originais. E no dia seguinte, recomeçar coisa nova”, desabafou o escritor a Bandeira. O poeta, por sua vez, compartilhou a confidência com seus leitores na crônica Rosa em Três Tempos, publicada em janeiro de 1961.

Em 1962, já com o livro em circulação, Rosa declarou ao crítico Walter Höllerer que se sentiu, na verdade, estimulado para realizar aquela proeza: “tive limitação de espaço, e eu achei muito bom, porque acho que para o artista toda limitação é estimulante”. A entrevista para um canal de televisão independente de Berlim (para assistir clique aqui), integra o documentário “Outro Sertão”, das diretoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela.


Indagado se das crônicas de jornal passaria à poesia, um formato ainda menor, Rosa retrucou com ironia: “chegarei até o hieróglifo!” É singular que a imagem conste do mesmo As Margens da Alegria, em uma passagem sobre o sentimento de perplexidade do menino ao se deparar com o imponderável da vida: “Nem ele sabia bem. Seu pensamentozinho estava ainda na fase hieroglífica”. Michel Riaudel referiu-se ao mesmo trecho como “um estado da linguagem em que o ciclo ainda está associado e próximo das representações pictóricas das coisas”.


Até o fim do mês, o ciclo contará com mais duas aulas. No dia 27, a aula será ministrada pela professora Ana Paula Sá e Souza Pacheco da USP sobre o conto Os Irmãos Dagobé. A palestra da professora Yudith Rosenbaum da USP encerra o ciclo de conferências no mês de maio com uma exposição sobre o clássico A terceira margem do rio no dia 30. As aulas ocorrerão sempre às 19 horas, no canal do Grupo Siruiz no YouTube.

(*) Andrea Jubé Vianna é doutoranda da linha de Imagem, Estética e Cultura Contemporânea da Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília. Integra o Siruiz, grupo de pesquisa em comunicação e produção literária.

Nos siga no Google Notícias