A inovação como pedra angular para a retomada da economia
Uma das questões atuais é: como será o mundo, ou particularmente o Brasil, após a pandemia da covid-19? Podemos fazer uma prospecção de cenários para debater essa questão. Porém, essa pergunta não será objeto de discussão neste artigo. A questão a ser explorada é de natureza proativa, qual seja: como podemos contribuir para tornar o País melhor após a pandemia?
Vamos começar pela pedra angular, apresentada no título. Essa pedra, também conhecida como pedra fundamental, era utilizada nas antigas construções como a primeira a ser assentada na formação de uma obra. O seu posicionamento, em geral na esquina de um edifício, direcionava a colocação das demais pedras, possibilitando um alinhando de toda a construção.
Avançamos para o termo retomada. Esta última implica dar continuidade a algo, ou continuar o que foi interrompido. Certamente é importante voltar a fazer algo que já fazíamos, assumindo que seja efetivo. No entanto, a pandemia causou uma ruptura (ou “disrupção”), ou seja, uma interrupção do curso normal de um caminho. O novo caminho, também chamado de novo normal ou pós-normal [1], certamente será diferente do anterior. Assim, espera-se que novos caminhos sejam trilhados na retomada da economia.
Nesse contexto, na maior parte dos países foi adotado o distanciamento social como estratégia para mitigar os efeitos da pandemia na mortalidade da população. Isso foi particularmente importante para atenuar ou evitar o colapso do sistema de saúde, como ocorreu na Itália [2]. Como resposta ao distanciamento social, alguns setores passaram por mudanças.
Dentre estes estão a saúde (por meio da telemedicina), educação (ensino a distância), alimentação (serviços de delivery), entretenimento (entretenimento a distância) e atividades administrativas (home office). E, a despeito da flexibilização do distanciamento social, parte dessas mudanças pode ser incorporada após a pandemia. Por exemplo, a adoção de novas tecnologias na educação, bem como a combinação de atividades presenciais e virtuais pode fazer com que o blended learning (ou ensino híbrido) seja considerado o novo normal na educação.
Nesse sentido, o novo normal nos traz a seguinte reflexão: quais conceitos, práticas e conhecimentos, válidos no cenário anterior à pandemia, continuarão válidos? E quais precisarão ser reinventados? Essas questões formam a base para a consideração da inovação como a pedra angular para o período pós-pandemia. Assim, alguns conceitos, práticas e conhecimentos continuarão válidos, porém aplicados em outro contexto (o novo normal), o que é uma forma de inovação. E outros conceitos, práticas e conhecimentos deverão passar por uma reinvenção. Esta é a própria natureza da inovação.
Vamos citar alguns exemplos de inovações associadas à retomada da economia. A começar pelo Plano São Paulo, que contempla a estratégia e respectivas diretrizes, definidas pelo governo estadual, para a retomada da economia durante a pandemia da covid-19. Cabe destacar que, tradicionalmente, os processos de decisão e execução na gestão pública são relativamente complexos.
Isso ocorre uma vez que organizações públicas geralmente experimentam maior turbulência, interrupção e conflito quando comparadas com organizações privadas [3]. No governo, essas questões tendem a se exacerbar, com processos decisórios que podem apresentar limitações de integração entre diferentes esferas governamentais, a citar: os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e suas diferentes esferas (federal, estadual e municipal) e órgãos.
Não obstante essa complexidade, o governo do Estado de São Paulo tem adotado inovações em gestão para lidar com a pandemia. Nesse sentido, São Paulo foi o primeiro Estado do Brasil a criar um Centro de Contingência da Saúde para enfrentamento da covid-19, formado por alguns dos principais profissionais do setor de saúde do País [4].
As equipes de apoio ao Centro de Contingência foram organizadas como scrum teams. Nesse sentido, elas adotaram os preceitos da auto-organização e multifuncionalidade. Nesse formato de organização por projetos, as equipes escolhem a melhor forma de realizar seu trabalho (são auto-organizadas) e apresentam as competências necessárias (são multifuncionais) para executar um projeto ou atividade [5]. As entregas são realizadas no formato de produtos mínimos viáveis (ou MVPs – Minimum Viable Products). Estes são soluções com a quantidade mínima possível de recursos e que resolvem um problema para o qual foram concebidas.
Esse modelo organizacional possibilita maior celeridade nas entregas e melhor integração entre diferentes áreas. Exemplo disso foi a implantação do Censo Covid-19 [6], uma solução pioneira no Brasil. O Censo Covid é um sistema de indicadores para monitoramento da capacidade do sistema de saúde (ex.: taxa de ocupação de leitos UTI covid) e de evolução da epidemia (ex.: quantidade de novas internações nos últimos sete dias).
Em aproximadamente dois meses, o Censo Covid obteve a adesão de 99% dos hospitais do Estado. Os indicadores do Censo Covid têm sido centrais para o desenvolvimento do Plano São Paulo, que é a estratégia do governo do Estado de São Paulo para combater a covid-19. Nesse caso, três dos cinco critérios do Plano SP são calculados por meio dos dados do Censo Covid. Esses dados fornecem as evidências para as decisões governamentais no âmbito da pandemia.
Outro exemplo remete à FEA-USP. A diretoria dessa instituição tem encorajado seus docentes, funcionários técnico-administrativos e alunos com a seguinte reflexão, no contexto do recomeço da economia: “como podemos, numa visão de longo prazo, proporcionar ainda mais competitividade para a comunidade feana?”.
Os professores Fabio Frezatti e José Afonso Mazzon, respectivamente diretor e vice-diretor da unidade, fazem uma analogia com os saltos de um canguru, uma vez que este não consegue dar saltos para trás, ele se move sempre para frente. Segundo esses professores, “demos um salto muito grande (no primeiro semestre de 2020), não esperado…
E agora? Vamos para os outros saltos, com alturas e distâncias bem diferentes, mais desafiadoras” [7]. Essa é a lógica da inovação aplicada à fase de retomada da economia.
Assim, retomo a pergunta inicial do artigo: como podemos contribuir para tornar o País melhor após a pandemia? Minha resposta é a seguinte: considere a fase de retomada como uma oportunidade de reinvenção, ou seja, de inovação.
(*) Marcelo Caldeira Pedroso é professor livre-docente da FEA/USP.