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As incertezas frente aos eventos extremos

Ana Maria Heuminski de Avila e Pedro Leite da Silva Dias (*) | 31/12/2022 09:30

Os eventos meteorológicos e climáticos extremos vêm se tornando mais frequentes e intensos nas últimas décadas. Para falar em extremos, primeiramente precisamos entender o que é normal ou esperado. O clima em boa parte do Brasil ou mais especificamente na região central e sudeste do país é monçônico. No Estado de São Paulo, praticamente 50% de toda a chuva anual se concentra na estação mais quente do ano, nos meses de verão (dezembro, janeiro e fevereiro).

Já o inverno (junho, julho e agosto) é a estação mais fria e mais seca do ano, enquanto o outono e a primavera são as estações de transição. O início da estação chuvosa, que na década de 1990 começava predominantemente no mês de setembro, vem atrasando cada vez mais. Também a estiagem tem começado mais cedo e, portanto, o período de chuvas está mais curto e o período seco, mais longo. Para se ter uma ideia, em abril de 2020, não houve registro de chuva alguma, em uma série de mais de cem anos do Instituto Agronômico de Campinas. Ademais, há uma clara tendência de aumento do número de dias com chuvas intensas (80 mm) e redução do número de dias com chuvas fracas (1 mm).

A estação chuvosa tem alta variabilidade entre um ano e outro e pode sofrer influência de fenômenos climáticos e oceânicos tais como o Enso (sigla em inglês para El Niño Oscilação Sul), que tem uma periodicidade de três a cinco anos. Em termos oceânicos, há outros índices menos conhecidos, com periodicidades mais longas e que podem atuar conjuntamente no sentido de intensificar ou desfavorecer determinados padrões climáticos. Podemos citar a Oscilação Decenal do Pacífico (PDO), bastante variável, com picos desde a escala decenal até a multidecenal, com cerca de 50 anos aproximadamente, e a Oscilação Multidecenal do Atlântico (AMO), com uma periodicidade mais marcante, em torno de 60 anos. Tais índices estão atuando conjuntamente nesta década no sentido de reduzir as chuvas na região central do Brasil.

No entanto, os padrões oceânicos tendem a mudar nos próximos três a sete anos aproximadamente, segundo prognósticos baseados em modelos climáticos completos e nas análises estatísticas.

Podemos dizer que estamos em um momento de muitas incertezas. Até agora falamos em variabilidade natural do clima, com as temperaturas dos Oceanos Atlântico e Pacífico modulando os padrões climáticos. Entretanto, esse período de três a sete anos, que poderia significar o retorno a uma fase mais favorável às chuvas no Brasil central, pode não acontecer. As mudanças climáticas, ocasionadas principalmente pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, tendem a sobrepor a variabilidade natural no decorrer do corrente século se as emissões de carbono não forem substancialmente reduzidas.

Os modelos que simulam o clima futuro apontam uma diminuição das chuvas no Brasil central. Ademais, a Oscilação Multidecenal do Atlântico (AMO) altera as correntes oceânicas profundas do Atlântico, chamadas de Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (Amoc na sigla em inglês – Atlantic Meridional Overturning Circulation). E as mudanças climáticas aparecem exercendo uma forte influência sobre esses padrões, mantendo os oceanos tropicais aquecidos e provocando um possível relaxamento das correntes oceânicas profundas. Em linhas gerais, esperam-se períodos de extremos climáticos mais frequentes aqui no Estado de São Paulo.

Em um país de clima tropical, a chuva é uma das principais variáveis para o desenvolvimento agrícola e a produção de alimentos e de energia. Entretanto, a temperatura vem aumentando aproximadamente 0,1ºC a cada década, com a redução de noites frias e o aumento do número de dias com temperaturas extremas.

Há uma clara tendência, por exemplo, de aumento das ondas de calor, sobretudo na primavera, aqui no Estado de São Paulo. Variáveis relacionadas ao clima como temperatura, umidade e poluição interferem na saúde humana.

Diante do fato de os eventos extremos relacionados ao clima estarem cada vez mais intensos e afetarem diretamente a saúde da população, é importante que o poder público reconheça esse impacto na prevalência de patologias respiratórias, na exacerbação de condições crônicas e na mortalidade das populações.

Prever as condições meteorológicas futuras em escalas de anos, meses, dias ou horas é um dos maiores desafios para os serviços meteorológicos. Nas regiões tropicais, o desafio é ainda maior devido à natureza mais irregular da ocorrência de precipitação, que fornece a maior parte da energia a movimentar a atmosfera tropical.

Os eventos meteorológicos adversos são ainda mais amplificados em grandes centros urbanos, devido à vulnerabilidade do sistema e pela falta de instrumentos de monitoramento e previsão adequados. Considerando a obviedade dos inerentes eventos extremos e suas consequências, é urgente um olhar estratégico com a formulação de políticas públicas voltadas à sociedade no sentido de reduzir os riscos, uma vez que os custos com a prevenção evitam a perda de vidas e são economicamente menores. E é urgente fazer dos desafios oportunidades para um realinhamento rumo à adaptação à crise climática.

(*) Ana Maria Heuminski de Avila é pesquisadora do Cepagri. Tem experiência nas áreas de Meteorologia e Agrometeorologia.

(*) Pedro Leite da Silva Dias é pesquisador do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP).

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