Baratas: o que sabemos ou não sabemos sobre elas
Uma cidade com as dimensões de São Paulo possui inúmeros problemas de difícil resolução. Alguns são estruturais, que dependem de políticas públicas e contribuição da população, outros são circunstanciais, que podem ser resolvidos mediante uma ou outra medida implementada de acordo com a necessidade.
A relação humana com o meio ambiente, sob tal perspectiva, segue uma matriz higiênica ou eugênica; nesse sentido, o campo sempre se mostra mais salubre do que a poluída cidade onde está a vida propriamente dita (fabricas, fumaças, ruído, poluição do solo, topografia desigual etc.).
Quando pensamos em ambiente livre das condições básicas de higiene, não podemos nos esquecer que a falta de saneamento básico (esgotos a céu aberto), entulhos de construção e lixões são grandes proliferadores de pragas urbanas como baratas, escorpiões, moscas, mosquitos etc. Um novo organismo biodigestor digere e expele, consome e dejeta, a tal ponto que o destino do lixo e do esgoto vai se tornar um dos índices de saturação do padrão de salubridade do meio urbano. Este processo termina por expor condições de vida, e de viver, abaixo da dignidade humana.
Terrenos não ocupados ou áreas baldias, públicas ou privadas, podem desenvolver vegetação natural. Vistas nesse contexto, seriam úteis como detentoras de número razoável de espécies. Aves e artrópodes são comuns nesses ecótopos, pois encontram alimento e abrigo e toda sorte de fatores que garantem a sobrevivência de tais populações.
O controle de pragas urbanas, bem como as vistorias em estabelecimentos públicos e comerciais, usualmente não de maneira adequada é feito, pela falta de profissionais suficientes para que seja realizada fiscalização. Tal situação potencializa a proliferação de baratas pela continuidade das más condições de higiene. Nem mesmo os controladores de pragas conseguem, através de seus instrumentos educativos, contribuir para que esses locais fiquem livres dessas pragas, o que se pode apontar como um ponto falho relevante.
O interesse científico pelas baratas é relativamente recente. A barata de esgoto é usada em escolas e universidades como modelo de estudo sobre anatomia e fisiologia de insetos, na entomologia. As baratas desempenham um papel expressivo na compreensão de mecanismos de resistência a inseticidas, sendo mantidas em laboratório para estudos, com esta finalidade, desde a década de 1940.
Além do interesse científico pelas baratas em escolas e universidades, tais insetos apresentam um significativo potencial de transmissão de patógenos, pois transportam estes agentes de locais contaminados, como lixo e esgoto, para alimentos e utensílios do homem.
Os microrganismos contidos no substrato que aderem ao corpo das baratas, principalmente em pelos e cerdas das pernas, são transportados mecanicamente de um ponto sujo a outro limpo. Ocorre também a transmissão mecânica, através dos dejetos liberados pelas baratas.
Há pouco tempo, seu papel como vetor de agentes de doenças era questionável, pois alegava-se que as baratas representavam apenas um fator a mais em um ambiente sem saneamento, com outras causas básicas para a ocorrência de doenças. Hoje, contudo, com base em alguns eventos epidemiológicos, as baratas já figuram como intermediário relevante em surtos de diarreia e estão, cada vez mais, relacionadas a ocorrências de alergias.
Tentando amenizar esses problemas complexos, a Faculdade de Saúde Pública (FSP) iniciou, em 2015, o Programa de Mestrado Profissional em Entomologia em Saúde Pública, com o objetivo de formar profissionais com conhecimentos sobre identificação taxonômica, bioecologia e controle de artrópodes de interesse em saúde pública, assim como a epidemiologia das doenças em que esses organismos estão envolvidos. Sob a orientação do professor Delsio Natal, desenvolvo uma pesquisa na área de Educação em Saúde com o projeto Prevenção e Educação em Saúde para o Controle de Infestação de Pragas (Baratas) em Locais Públicos da Cidade de São Paulo – Revisão de Literatura – Construção de um manual de manejo.
A pesquisa está em fase de desenvolvimento, sendo que alguns especialistas da área de controle de pragas urbanas responderão a um questionário com diversas informações sobre controle de pragas, doenças relacionadas às baratas e sugestões para a construção de um guia de manejo que dialogue com diversos atores.
Acredito que divulgar esse tipo de pesquisa aguçará o interesse de outros pesquisadores para contribuir com a construção desse guia, uma vez que as baratas por serem vetores mecânicos aparentam não trazer problemas relevantes para a saúde pública, bem como que haja maior fiscalização no que diz respeito às normas técnicas de boas práticas de higiene e saúde.
(*) Sandra Costa de Oliveira é mestranda do Programa Profissional de Entomologia em Saúde Pública/USP.