Burnout no Brasil: um debate urgente para a Justiça e a sociedade
A inclusão da síndrome de Burnout no calendário de temas a serem debatidos pelo Tribunal Superior do Trabalho comprova que os efeitos da exaustão emocional ganham cada vez mais repercussão no mundo do trabalho e no universo jurídico.
É sem dúvida um reconhecimento da importância e do impacto da Burnout enquanto o conhecimento e os olhos da comunidade jurídica se voltam para essa doença ocupacional.
Não é sem tempo. A síndrome já figura entre as principais causas de afastamento do trabalho e adoecimento de bancários, enfermeiros, professores, jornalistas, operadores de telemarketing e outras categorias. Famosos e anônimos se deparam com os sintomas que afetam a saúde psicológica, mas também a saúde física.
Quais desdobramentos isso terá? Alguns tribunais do país ainda enfrentam desconhecimento, e talvez até preconceito, dificultando para muitos trabalhadores os direitos decorrentes da Burnout.
A rodada de debates no Tribunal Superior do Trabalho oferece aos ministros e servidores do TST informação atualizada e organizada pela Comissão de Documentação e Memória do tribunal sobre esse assunto, cada vez mais relevante.
Os sinais da Burnout
A exaustão emocional, a despersonalização (ou cinismo) e a diminuição da realização pessoal são as três características notadas nos trabalhadores acometidos por esta síndrome reconhecida pela Organização Mundial de Saúde em 2002 como uma síndrome ocupacional.
A Burnout decorre de tensão emocional crônica não administrada corretamente e resulta de ambientes de trabalho nocivos à saúde em razão de jornadas muito extensas, ausência de desconexão, alta competitividade, pouco reconhecimento, excesso de cobrança e/ou de metas, falta de liberdade na realização das atividades, assédio moral, entre outros problemas que vem sendo agravados pelos ambientes cada vez mais hostis e impessoais.
A Burnout pode demorar anos para se instalar e apagar a energia do trabalhador.
Afinal decorre do estresse cronico, mas os sintomas físicos e psicológicos começam a aparecer e na medida que o tempo passa e as condições de trabalho não melhoram, o estresse não é administrado corretamente, vão se tornando cada vez mais graves e incapacitantes, até que o trabalhador simplesmente queima, e como um fósforo queimado, é tomado pela fadiga extrema.
Sintomas muito comuns na Burnout são: dores de cabeça persistente, distúrbios do sono, tensão muscular, irritabilidade, sentimentos negativos relacionados a si mesmo e ao seu trabalho, absenteísmo, presenteísmo, problemas gastrointestinais, abuso de drogas e/ou álcool no intuito de aliviar o sofrimento e até mesmo o suicídio.
No entanto, o sintoma mais perceptível e claro para o trabalhador com burnout normalmente é a total impossibilidade de voltar aquele ambiente de trabalho.
O simples pensar no local de trabalho, passar na frente da empresa, receber ligação do empregador ou de colegas do trabalho, provocam sintomas fortíssimos como, por exemplo, a sensação de quase morte da síndrome do pânico, como vômitos e/ou diarreias. Cada um apresenta reações diferentes, mas o gatilho é o se deparar, ainda que em pensamento ou a distância, com aquele ambiente de trabalho que o adoeceu.
Eu não posso deixar de dizer que o trabalhador acometido pela síndrome de burnout não é aquele trabalhador mediano. Normalmente são aqueles que mais se dedicam ao trabalho e à empresa. Aqueles colegas para os quais a equipe toda aponta como a solução para o problema que ninguém conseguiu resolver antes. O trabalhador que desenvolve a Burnout costuma dar as suas horas de descanso, de lazer e de autocuidado, para a empresa e para o trabalho que realiza, normalmente, com total dedicação.
O trabalhador que desenvolve Burnout é aquele que teve diversas promoções, que acumulou funções, que ganhou prêmios e se sobressaiu entre seus iguais.
Se você se identificou com esses sintomas, vou te mostrar porque é tão importante ter o acompanhamento, não só de um profissional da medicina, mas também de um especialista que conheça dos seus direitos.
O trabalhador com Burnout tem um duro percurso de tratamento pela frente, que pode se prolongar por anos. Sim, pode durar anos.
Nesse período o trabalhador vai precisar se afastar do trabalho e receber pelo INSS, para de fato cuidar da sua saúde. No momento em que o trabalhador que sempre foi exemplo de dedicação e entrega ao trabalho precisa se afastar para cuidar de si, normalmente ele encontra dificuldade e não compreensão em seu trabalho, no INSS, entre os amigos e até médicos e familiares.
O próprio trabalhador doente muitas vezes resiste a acreditar que esta doente e que precisa se afastar do trabalho para se tratar. Não bastam 30 dias de férias, a fadiga não é um simples cansaço. É necessário reorganizar o sistema que ficou desorganizado com o prolongado estresse a que esteve exposto, repensar e redefinir a maneira como se relaciona com o trabalho e aprender a se colocar em primeiro lugar.
Mas como fazer tudo isso quando o INSS nega o afastamento ou concede por menos tempo do que o necessário, e ainda o faz sem reconhecer a relação entre a doença e o trabalho?
Como se voltar e se entregar ao tratamento, quando as empresas não emitem a Comunicação de Acidente de Trabalho em razão da doença ocupacional que é a Burnout, cobram do tralhador o retorno antes de sua recuperação, cortam benefícios como convênios médicos em pleno tratamento e viram as costas justamente para aquele trabalhador antes laureado?
Quem adoece e fica incapaz para o trabalho precisa saber que tem direitos trabalhistas e previdenciários e para exercê-los vai precisar de um profissional especializado. Dentre os direitos podemos citar:
direito a emissão da comunicação de acidente de trabalho - CAT, desde a hipótese diagnostica da doença ocupacional, e emitida pela empresa (se ela se negar, pelo sindicato, pelos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, pelo médico, ou qualquer autoridade);
afastamento do trabalho pelo período de incapacidade, percebendo o benefício por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente acidentários (antigos auxilio- doença ou aposentadoria por invalidez);
deposito do FGTS pelo período que durar o afastamento temporário do INSS;
manutenção dos benefícios concedidos pelo empregador como convênio médico, auxílio-alimentação e outros, a depender de suas convenções coletivas ou acordos coletivos;
estabilidade por 12 meses no emprego ao retornar do afastamento no INSS, só podendo ser demitido por justa causa neste período;
auxilio-acidente em caso de sequelas da Burnout, que tenham reduzido, ainda que minimamente, a capacidade de trabalho, etc.
Infelizmente as pessoas acometidas com a síndrome não podem mais voltar ao mesmo ambiente de trabalho que os adoeceu, e aquela sensação de pavor somada aos sintomas físicos e psicológicos que assolam este trabalhador ao simples sinal de ter que retornar ao trabalho naquele estado, muitas vezes o levam a pedir demissão do emprego, perdendo diversos direitos.
O trabalhador adoecido por Burnout tem direito a rescisão indireta do contrato de trabalho, tendo em vista que o ambiente saudável é responsabilidade do empregador.
A rescisão indireta permite que o trabalhador não seja obrigado a retornar ao ambiente de trabalho que o adoeceu e, simultaneamente, garante a ele o recebimento de todos os seus direitos rescisórios, como se tivesse sido demitido.
Poderá, ainda, buscar na justiça a reparação por todos os danos sofridos, incluindo pensão pelo período que durar a incapacidade, dano moral, ressarcimento dos prejuízos, entre outros.
O panorama da Burnout no Brasil
Uma pesquisa liderada pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo mostra a intensidade do esgotamento em grandes corporações brasileiras.
O estudo, feito com auxílio da inteligência artificial, aponta que 18% dos trabalhadores enfrentam a Burnout: 1 a cada 5 profissionais.
O levantamento foi iniciado em 2015, identificando também que a síndrome prevalece entre profissionais que lidam com o público, como bancários e trabalhadores de call centers.
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(*) Priscila Arraes Reino é advogada especialista em direito previdenciário e direito trabalhista, palestrante e sócia do escritório Arraes e Centeno. Visite nosso site clicando aqui.