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Capacidade de resposta a crises hídricas

Guilherme Fernandes Marques e Ana Paula Dalcin (*) | 28/06/2021 13:05

Diversas notícias veiculadas pela mídia reportam o cenário crítico de estiagem em várias regiões do Brasil, o que vem sendo acompanhado de perto pelo Monitor de Secas da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). O Monitor informa a situação atual, e as cores no mapa classificam a intensidade da seca de forma relativa ao histórico de dados de cada estação de monitoramento utilizada.

Devido ao forte nexo água-energia-alimento que temos no Brasil, os desdobramentos de uma estiagem se refletem em diversos setores, especialmente naqueles que compartilham a mesma infraestrutura de armazenamento de água. Esse nexo significa que utilizamos água para gerar energia e irrigar culturas, ao mesmo tempo que também precisamos de energia para produzir água nos sistemas de abastecimento e alimento na produção agroindustrial.

No Brasil, onde a produção hidrelétrica responde por 64,9% da matriz elétrica (segundo balanço de 2019), os reservatórios de armazenamento do Sistema Interligado Nacional (SIN) são elementos-chave em nosso parque de infraestrutura hídrica, pois nos dão a capacidade de armazenar água para garantir energia nos períodos secos. Cabe ao Operador Nacional do Sistema (ONS) a coordenação e o controle da operação da geração e transmissão de energia no SIN, visando a otimização da geração com o menor custo possível.

Além da geração de energia, os reservatórios operam seguindo restrições operativas que determinam, dentre outros aspectos, o mínimo de água a ser liberada para atender a demandas de jusante (por exemplo, manter o calado para navegação ou o nível para captações de abastecimento público). Essas restrições não são definidas pelo ONS, mas, sim, por órgãos gestores e operadores dos reservatórios ao avaliar as condições de jusante. O ONS, entretanto, aplica as restrições como condições de contorno para definir a melhor forma de operar todo o sistema e gerar energia com o menor custo.

Avisos do ONS sobre a Perda do Controle Hidráulico na bacia do Paraná mostram que, mesmo com o aumento na geração térmica visando recuperar os níveis, se mantidas as defluências atuais dos reservatórios, não haverá armazenamento suficiente para gerar energia no 2.º semestre de 2021. Esses avisos foram formalizados em Nota Técnica encaminhada pelo ONS no Ofício n.º 13/2021 do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) à ANA. Para evitar esse cenário, o ONS propôs um conjunto adicional de recomendações, com flexibilização de regras operacionais em reservatórios do sistema, buscando manter armazenamento suficiente para garantir a geração

Na medida em que os reservatórios devem atender aos usos múltiplos da água, temos um problema de ordem gerencial e operacional a resolver, com três desdobramentos principais: (1) risco de déficit na geração de energia; (2) aumento na geração térmica e custos relacionados; e (3) impactos para os usuários de jusante por meio da flexibilização das regras operativas.

Muitas crises hídricas são desencadeadas por eventos críticos de precipitação, que são inevitáveis e imprevisíveis. À medida que a população cresce, as demandas aumentam e temos que atender a usos múltiplos, com nexos entre si e conexões entre bacias, o que torna os sistemas hídricos mais complexos.

A capacidade de resposta da sociedade envolve não apenas aquilo que fazemos durante a crise, mas sobretudo o que feito antes dela. Antes da crise devemos implementar medidas de adaptação, mitigação, preparação, previsão e alerta, a partir do aprendido na última crise. Quanto melhor a gestão dos riscos, menores os impactos da crise e menos complexa, e cara, será a gestão da crise

Como resposta para lidar com eventos hidrológicos críticos, a ANA criou Salas de Crise e Salas de Acompanhamento, nas quais atores envolvidos dialogam para identificar soluções para prevenir ou mitigar eventos críticos. Dentre estas, a Sala de Crise do São Francisco discutiu e redefiniu novas restrições operativas, reduzindo as vazões liberadas no reservatório de Sobradinho durante a estiagem a partir de 2012, e assim permitindo tanto manter os níveis de armazenamento suficientes para a geração futura de energia como identificar os usos críticos a jusante afetados pelos níveis mais baixos.

Cabe destacar que, por trás da operação de uma Sala de Crise, existe todo um arcabouço de gestão de suporte às decisões, que vai da coleta e do processamento de dados hidrometeorológicos, passando pelo engajamento dos usuários em Comitês de Bacia, pela definição de políticas hídricas e pela implementação de instrumentos de gestão.

É importante que instrumentos como o Monitor de Seca sejam bem apropriados pelos sistemas de gestão de recursos hídricos e evoluam para incorporar outras camadas de informação, como níveis de armazenamento de água e capacidade local e operacional de resposta. Esse aspecto tornaria a implementação de medidas de ajuste operacional durante a crise, como aquelas aqui discutidas, mais orgânicas ao sistema, emprestando mais agilidade à nossa capacidade de resposta

Finalmente, eventos de crise hídrica sempre suscitam discussão sobre impactos ambientais. Afinal, quando falta água para o ser humano, normalmente o meio ambiente é o primeiro a ceder espaço. Nesse ponto, não devemos ter uma dicotomia entre preservar e gerar energia. Se avançarmos com o conhecimento sobre o meio e a sua relação com as atividades do ser humano, seremos capazes de desenhar soluções capazes de integrar a operação da infraestrutura existente com os sistemas naturais. Precisamos pensar em longo prazo para tornar os sistemas mais resilientes.

(*) Guilherme Fernandes Marques é professor do PPG em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental.
(*) Ana Paula Dalcin é doutoranda no PPG em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental.

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