Comitê do INSS precisa de participação de representantes de consumidores
A iniciativa do INSS com a criação de um comitê de avaliação das atividades da rede bancária junto às pessoas beneficiárias é uma medida importante. Ela vai tratar dos benefícios pagos, mas principalmente dos problemas de consumidores junto aos bancos por conta do uso de crédito consignado.
A medida já era uma solicitação das entidades de defesa de consumidores. Em 2019, o Idec já havia se manifestado nesse sentido. Apesar de favorável, percebemos a ausência de representantes da sociedade civil, da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e também de representantes do Banco Central, que regula a atividade das instituições financeiras e de crédito.
Para o Idec, a concessão do empréstimo consignado aos aposentados e pensionistas do INSS tem sido objeto de reclamações recorrentes. Muito provocadas pelo assédio na oferta do crédito e abusos praticados com a realização de operações involuntárias com falta de transparência. Em muitos casos, resultado de práticas fraudulentas. Essas ocorrências podem ser observadas no ranking de reclamações da plataforma consumidor.gov.br.
Conforme apontado no Boletim da plataforma, em 2021 foram registradas mais de 1,4 milhão de reclamações na plataforma sobre todos os problemas apresentados pelas pessoas consumidoras. O setor bancário ficou na primeira colocação do ranking com 29% das ocorrências. Entre o total de assuntos reclamados, o crédito consignado para beneficiários do INSS ficou na segunda posição 7,7% (110.211 ocorrências), atrás apenas dos cartões de crédito, débito e de lojas com 9,2% (131.647 ocorrências).
De acordo com a Portaria n° 1.505/2022, o Comitê Nacional de Avaliação do Atendimento na Rede Bancária será coordenado pela Dirben (Diretoria de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão). Ele vai contar com a participação do Ministério do Trabalho e Previdência. Pela rede bancária, a participação será da ABBC (Associação Brasileira de Bancos) e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
O Comitê irá avaliar a qualidade do atendimento dos serviços que envolvem o INSS e a rede bancária. Além do cumprimento dos contratos de pregão da folha de pagamento dos benefícios e do Acordo de Cooperação Técnica que envolve as operações de empréstimos consignados e dos cartões de crédito consignados.
Para o Idec, a participação de entidades que representam os direitos de consumidores é fundamental nesse processo. Sobretudo, após a aprovação da Lei n° 14.431/2022 que ampliou a margem de consignação dos 40% para os 45% para o desconto sobre os benefícios. Uma medida de alto risco de endividamento pelo desconto de quase a metade do valor do benefício e parcelamento de até 84 meses.
Além desse risco potencial do endividamento, atendendo aos interesses das instituições financeiras, a lei autorizou a criação de um segundo cartão de crédito, mas com uma nova nomenclatura: o cartão consignado de benefícios. Ele terá o valor mínimo da fatura descontado até 5% da margem de consignação. Durante a sua utilização, o beneficiário poderá sacar 70% do limite e o restante poderá ser utilizado para compras e contratação de outros serviços como seguros e auxílio funeral. O cartão de benefícios também poderá contar com descontos em farmácias que possuem convênios com os bancos emissores do novo cartão.
Segundo o relatório de Cidadania Financeira do Banco Central de 2020, havia no Brasil cerca de 19 milhões de pessoas utilizando o crédito consignado e cerca de 5,7 milhões utilizando o cartão de crédito consignado. As duas modalidades possuem como principal grupo consumidor a população idosa e de baixa renda.
Esse contingente de 19 milhões de pessoas corresponde aproximadamente à metade das pessoas beneficiárias do INSS, que predominantemente recebem apenas um salário mínimo. Quando forem expostas ao novo cartão de benefícios, elas vão precisar de um ambiente de acompanhamento muito mais robusto para acolher e rapidamente solucionar os problemas para evitar a piora da situação de endividamento dos idosos, já que esse cartão é um produto com alta complexidade de controle de movimentação. Esse produto é ainda pior do que o cartão de crédito consignado, com um potencial elevado para a realização de fraudes, publicidade enganosa e oferta de serviços abusivos.
O Idec vai se manifestar como já fez em 2019. O tema é relevante, a iniciativa é importante, mas o comitê deveria ser composto por entidades de proteção e defesa de consumidores, além do Banco Central para fiscalizar a atividade das financeiras. E não colocar quem deveria ser objeto de fiscalização, as instituições bancárias, para promover a avaliação do seu próprio atendimento. No ditado popular: colocar a raposa para cuidar do galinheiro.
(*) Ione Amorim é coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Idec