Controle biológico de fungos em uvas
O Rio Grande do Sul é um dos maiores produtores de uvas do Brasil, e um dos principais problemas enfrentados pelos viticultores é a ocorrência de fungos nas uvas. O surgimento de fungos em parreirais resulta em perdas econômicas significativas aos produtores, pois afeta a produtividade e a qualidade das uvas e também de seus derivados, como os sucos, vinhos e espumantes.
Entre os fungos que comprometem a qualidade das uvas, pode-se citar a espécie Botrytis cinerea, uma das maiores pragas nos vinhedos por causar a podridão cinzenta nas uvas, resultando na sua deterioração. Fungos do gênero Aspergillus também são preocupantes para a viticultura, pois, além de afetarem a qualidade do fruto, podem sintetizar compostos tóxicos que possuem efeitos carcinogênicos, imunossupressores, entre outros. As principais micotoxinas que ocorrem em uvas são a ocratoxina A e as aflatoxinas, as quais possuem limites máximos tolerados, estabelecidos por legislação, em alimentos.
Para evitar esses problemas, a estratégia mais comum na agricultura convencional se dá pela aplicação de fungicidas sintéticos durante o cultivo das uvas. Tais produtos, porém, podem contaminar o solo, a água e o ar, além de deixar resíduos nas uvas. Produtos alternativos para o controle fúngico têm surgido no mercado mundial, com destaque para aqueles à base de métodos biológicos que não causam danos ao ambiente, ao produtor e ao consumidor final.
A aplicação de produtos agronômicos à base de bactérias do gênero Bacillus tem emergido nos últimos anos, uma vez que tais produtos são considerados seguros e aprovados por normativas nacionais e internacionais. Como corriqueiramente se observa que os fungos desenvolvem resistência aos produtos aplicados de forma indiscriminada, surge a necessidade de buscar novas linhagens bacterianas com potencial de biocontrole.
A atividade antifúngica de espécies de Bacillus pode ser atribuída principalmente à sua capacidade de produzir vários metabólitos bioativos ou, ainda, por outros modos de ação, como parasitismo e competição por nutrientes. Em estudo prévio, diferentes cepas de Bacillus isoladas de intestino de peixes da região amazônica se mostraram promissoras como agentes de controle biológico. Essas cepas apresentaram capacidade de inibir o crescimento de fungos toxigênicos, bem como a síntese de micotoxinas em condições de laboratório. Considerando tais aspectos, um estudo da aplicação prática dessas bactérias poderia favorecer seu uso como uma estratégia no controle de doenças fúngicas que comprometem a qualidade das uvas e derivados.
Assim, desenvolvemos uma pesquisa no Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) da UFRGS com o objetivo de avaliar o uso de quatro cepas de Bacillus velezensis (P1, P7, P11 e P45) como alternativa para o biocontrole de Aspergillus niger, Aspergillus westerdijkiae, Aspergillus carbonarius e Botrytis cinerea em uvas bordô, principal cultivar utilizado para produção de sucos e em cortes de vinhos.
As quatro cepas de Bacillus causaram a redução do crescimento dos fungos, com potencial de inibição fúngica entre 25 e 100%. O tratamento das uvas com B. velezensis P1 resultou em 100% de inibição para todos os fungos estudados, enquanto as demais cepas ocasionaram a inibição de A. niger, A. westerdijkiae, A. carbonarius e B. cinerea, respectivamente, nos seguintes percentuais: P7 (100, 58, 50 e 25%), P11 (75, 75, 75 e 100%) e P45 (100, 25, 75 e 100%).
Na avaliação da ocorrência de micotoxinas produzidas por A. carbonarius, todas as cepas foram capazes de inibir a produção de ocratoxina A, enquanto as demais ocratoxinas foram reduzidas significativamente quando as cepas de B. velezensis P7, P11 e P45 foram usadas como estratégia de biocontrole fúngico. A cepa P1 se destacou novamente devido ao seu potencial de inibir a presença de todas as formas de ocratoxinas.
Os resultados apresentados neste estudo podem ser vistos como promissores e de caráter inovador, uma vez que não há biofungicidas comerciais indicados para o controle de fungos do gênero Aspergillus. A utilização dessas novas cepas de Bacillus para o controle de fungos que comprometem a produtividade e qualidade das uvas pode, portanto, ser considerada alternativa para solucionar tais problemas. Os próximos passos desta pesquisa incluem a avaliação de parâmetros de qualidade de uvas, sucos e vinhos produzidos a partir dessas uvas.
Esta pesquisa apresenta relevância econômica e ambiental, uma vez que abre perspectivas para novas opções de biofungicidas para a agricultura.
Um produto à base dessas cepas poderia atender às necessidades dos produtores de uvas na busca de alternativas seguras, sustentáveis e viáveis para combater a presença de fungos que influenciam e interferem negativamente na qualidade das uvas e de seus respectivos produtos.
Além disso, essa estratégia de controle também contribui para a redução dos impactos ambientais causados pelo uso excessivo de fungicidas sintéticos, podendo, ainda, proporcionar maiores benefícios na agricultura e no meio ambiente ao ampliar a aplicação desses agentes de biocontrole em outros produtos agrícolas.
(*) Vanessa Teixeira da Rosa é estudante de Engenharia de Alimentos na UFRGS e bolsista de Iniciação Científica no Laboratório de Toxicologia de Alimentos do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) da UFRGS.
(*) Rafaela Diogo Silveira é mestranda no Laboratório de Toxicologia de Alimentos do ICTA/UFRGS. Flávio Fonseca Veras é pós-doutorando no ICTA/UFRGS.
(*) Adriano Brandelli é professor titular no ICTA/UFRGS.
(*) Juliane Elisa Welke é professora associada no ICTA/UFRGS.