Cuidado com a inflação de custos e os preços futuros
Vamos às reflexões dos fatos e números do agro em junho e a lista do que acompanhar em julho. A economia brasileira respondeu positivamente ao primeiro trimestre de 2021, crescendo 1,2% em comparação ao trimestre anterior, e foi puxada pela agropecuária, que apresentou incremento de 5,7%. Em consequência desse resultado, algumas instituições têm reavaliado as suas projeções do PIB brasileiro de 2021, apontando para um aumento superior a 5%, uma excelente notícia.
A Agência Nacional de Águas (ANA) declarou como crítica a situação dos recursos hídricos na bacia do Paraná, que detém os principais reservatórios hidrelétricos brasileiros. Assim, poderão ser definidas regras transitórias de uso da água para assegurar os seus diferentes usos. Apesar disso, o Ministério de Minas e Energia (MME) não vê o risco de racionamento de energia. É uma das nossas principais preocupações neste momento.
De acordo com o MME, o Brasil deve receber investimentos na ordem de R$ 400 bilhões em sua matriz energética nos próximos dez anos. Apenas nos últimos dois anos, foram aportados US$ 30 bilhões provenientes de 17 países distintos no setor de energia e mineração, o que alimenta a expectativa para a próxima década.
No mês passado, a Air France realizou o primeiro voo utilizando uma mistura de 16% de SAF (Sustainable Aviation Fuel), um bioquerosene produzido por meio de resíduos e reciclagem de óleo de cozinha. Segundo a empresa, a mistura proporcionou a redução de 20 toneladas de emissões de CO2, considerando a rota de Paris (França) a Montreal (Canadá). O Green Deal, acordo de empresas europeias para reduzir as emissões da aviação, prevê a mistura de 2% de SAF no combustível de aviação até 2025, e de 5% até 2030. De acordo com um estudo da Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB), o Brasil possui capacidade de produzir até nove bilhões de litros de biocombustíveis de aviação por ano. O relatório indica que produtos como o bagaço e a palha da cana, óleos de cozinha, sebo de bovinos e até gases da indústria siderúrgica poderiam ser destinados a essa finalidade. Esta ação poderá representar uma oportunidade ao agronegócio.
No agro mundial e brasileiro, o índice de Preços de Alimentos da FAO cresceu 4,8% em maio, atingindo média de 127,1 pontos, estando 36,1 pontos superior ao constatado no mesmo período de 2020. Esse aumento mês a mês é o maior desde outubro de 2010 e evidencia 12 meses consecutivos de incremento. Os preços dos óleos, açúcar, cereais, carnes e laticínios foram os grandes responsáveis pelo crescimento.
Um levantamento da Embrapa apontou que o Brasil é o quarto maior produtor de grãos (arroz, cevada, soja, milho e trigo) do mundo, ficando atrás apenas da China, Estados Unidos e Índia. Com volume produzido de 239 milhões de toneladas em 2020, o País foi o responsável por 7,8% de toda a produção global de grãos. Já nas exportações, o Brasil ocupa a segunda posição no ranking, com embarques de 123 milhões de toneladas em 2020, representando 19% do comércio mundial. O estudo revela ainda que, nos últimos 20 anos, a exportação brasileira atingiu 1,1 bilhão de toneladas, o que representa 12,6% do volume exportado mundialmente.
O boletim de junho do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) apontou para uma produção global de soja no ciclo 2020/21 de 385,52 milhões de t, consolidando os estoque globais na ordem de 92,55 milhões de t. Nesse cenário, o Brasil deve produzir 144 milhões de t da oleaginosa, enquanto que os EUA e a Argentina devem produzir, respectivamente, 119,88 e 52 milhões de toneladas. Por sua vez, a produção global de milho deve alcançar 1,89 trilhão de t, com os EUA liderando a produção com 380,77 milhões de t, enquanto os países sul-americanos, Brasil e Argentina, devem produzir 118 e 51 milhões de toneladas. Assim, os estoques finais do cereal deverão se aproximar a 290 milhões de toneladas.
Segundo a estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para o mês de junho, a produção brasileira de grãos do ciclo 2020/21 deve totalizar 263,13 milhões de toneladas, incremento de 2% em comparação ao ciclo passado. No entanto, esse volume é 3,7% inferior àquele estimado em maio, com redução de quase 10 milhões de toneladas. Essa queda é reflexo da situação crítica das lavouras de milho, sendo que a safrinha está avaliada agora em 69,96 milhões de toneladas, 12,3% menor que o valor de maio. Assim, a produção total de milho no ciclo passou para 96,4 milhões de toneladas, queda de 6% frente a 2019/20. O USDA também revisou para 98,5 milhões de toneladas a produção brasileira. Nas demais culturas, poucas surpresas. A colheita de soja deve somar 135,86 milhões de toneladas (+8,8%) em uma área plantada de 38,5 milhões de ha (+4,2%). O USDA revisou a produção brasileira para 137 milhões de toneladas, em área de 38,6 milhões de ha (5% ou 1,7 milhão de hectares a mais) e produtividade de 3.550 kg/ha.
Enquanto isso, no algodão, o volume de pluma está estimado em 2,34 milhões de toneladas (-22%), com área cultivada de 1,34 milhão de ha (-17,9%). Finalmente, a produção de trigo deve ser de 6,94 milhões de toneladas (+11,3%) em uma área de 2,53 milhões de ha (+8,1%).
Em maio o agro exportou incríveis US$ 13,9 bilhões, simplesmente 33,7% a mais que maio de 2020. Fruto de bons preços e bons volumes, é o recorde do mês. Com isto o agro exportou 51,7% do total do Brasil. As compras internacionais aumentaram bastante também, e chegaram a US$ 1,2 bilhão. Com isto o saldo fica em US$ 12,7 bilhões. No acumulado desde o início do ano, em cinco meses exportamos US$ 50,2 bilhões, quase 22% acima do mesmo período do ano passado. As importações aumentaram 15%, atingindo US$ 6,2 bilhões e o saldo é 23% maior, com US$ 44 bilhões.
A soja é o puxador principal, crescendo 30% e chegando a US$ 23,8 bilhões. Apenas em maio foram exportadas 16,4 milhões de toneladas (16% a mais), porém a renda foi de US$ 7,3 bilhões (56,3% a mais). Carnes vêm na sequência com crescimento de 5,7%, trazendo US$ 7,3 bilhões, seguida dos produtos florestais com US$ 5,2 bilhões (10,6% maiores) e crescimento de 23% em maio (US$ 1,6 bilhão), açúcar e etanol com US$ 3.6 bilhões (33% maior) e crescimento de 16% em maio (US$ 900 milhões) e fecha a quina o café com US$ 2,5 bilhões (14,4% maior), apesar de ter caído 8,5% em maio, para US$ 474 milhões. São incríveis os números, apenas esperava que as carnes crescessem um pouco mais, mas digno de comemoração. A carne bovina caiu 7%, US$ 724, 3 milhões puxada pela queda para a China, de 16%, explicando a queda, pois frango cresceu 20% (US$ 642 milhões) e suínos cresceram 11%, para US$ 251 milhões. Quase 40% do que o agro vendeu para a China.
Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) indicam que, em 2021, o Brasil deverá registrar o maior VBP (Valor Bruto da Produção) Agropecuária em 32 anos. No total, as cadeias do agro serão responsáveis por cerca de R$ 1,11 trilhão em arrecadações, crescimento de 11,8% em comparação ao ano passado. As cadeias da agricultura participarão com R$ 765,3 bilhões (68,8%) e as da pecuária com R$ 345,7 bilhões (31,2%). O ótimo desempenho do agro é resultado do aumento de arrecadação nas cadeias do trigo (35,1%), soja (31,9%), milho (20,3%) e arroz (5,7%).
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) reduziu as expectativas de esmagamento de soja no Brasil, em 2021, para 46,8 milhões de toneladas (-0,4%) em detrimento da redução temporária da mistura do biodiesel ao diesel no País. A instituição deve, no entanto, reforçar as ações para que a mistura volte aos níveis de 13% (atualmente em 10%) ainda este ano.
A largada foi dada para a colheita do milho safrinha no Estado do Paraná. A estimativa do Departamento de Economia Rural da Secretaria do Estado é de uma quebra de produção de 13,4% em comparação ao ciclo passado, chegando a 10,3 milhões de toneladas. A estiagem prolongada e as chuvas irregulares têm castigado as áreas do cereal, sendo que apenas 22% delas estão em boas condições, enquanto 46% e 32% se encontram em condições medianas e ruins, respectivamente.
O boom dos preços das commodities tem puxado também o mercado de insumos. As vendas de fertilizantes totalizaram 40,5 milhões de t em 2020, apresentando crescimento de 12% frente ao ano passado e valor recorde até então, de acordo com dados da Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos). O setor segue otimista para este ano, com expectativa de comercialização de mais de 44 milhões de toneladas, sendo que as vendas antecipadas já registram 65% da demanda e com uma das relações de troca mais favorável aos agricultores.
A pauta de ampliação de recursos para o armazenamento de grãos tem se tornado prioritária no setor produtivo. Com uma capacidade estática de 172 milhões de toneladas (60% da expectativa de colheita deste ciclo) e com menos de 15% dessa infraestrutura instalada no nível fazenda, entidades pedem juros menores e mais recursos no Plano Safra para o financiamento de silos e armazéns. Vamos acompanhar os desdobramentos dessas reinvindicações. Seria muito importante aumentar a nossa capacidade de armazenagem.
Ainda com relação ao Plano Safra, o governo está avaliando a criação de um programa de opções públicas de venda de milho para a temporada 2021/22, visando a estimular o plantio em primeira safra e, dessa forma, reequilibrar a oferta e os preços. Na prática, os agricultores que aderirem ao contrato de opção poderão exercê-la recebendo um preço garantido pelo governo, mas também poderão optar por não exercer o contrato e comercializar o cereal no mercado.
LDC, Amaggi, Cargill e ADM estão com maior compartilhamento e ações conjuntas na área de fretes. Criaram uma empresa independente, com participações iguais a partir de uma plataforma que possuíam. Com isto são 100 mil motoristas, pagos de forma digital, e a empresa cuidará da gestão da movimentação e digitalização.
Na conclusão deste artigo, os preços do agro fechavam nos seguintes valores: a soja, para entrega em cooperativa de São Paulo, estava em R$ 166,10/saca para junho de 2021 e R$ 152,70/saca para junho de 2022 – há um ano o valor era de R$ 97,60. No milho, a cotação atual está em R$ 93,00/saca e a entrega em maio de 2022 fechou em R$ 85,50 (B3) – em junho de 2020, o preço estava em R$ 44,00. O algodão fechou em R$ 166,75/arroba, contra R$ 89,37 do ano anterior; e o boi gordo em R$ 315,35/arroba.
Os cinco fatos do agro para acompanhar em julho são:
1 – A colheita do milho segunda safra e a performance produtiva. Grandes perdas estão sendo esperadas;
2 – O comportamento das exportações de grãos do Brasil, que estão em ritmo impressionante;
3 – Os desdobramentos da crise hídrica, a forte melhora das perspectivas econômicas e os seus impactos no consumo do mercado interno, e os biocombustíveis. A aceleração da vacinação contra a covid-19 também está trazendo a confiança de volta;
4 – O bom desempenho da safra nos EUA, aparentemente com menos problemas climáticos, e alguma ameaça no ambiente político de se reduzir a mistura de biocombustíveis, contrariando o que era esperado da atual gestão. Isso poderá representar grande perda ao agro brasileiro;
5 – A inflação de custos na agricultura, e possíveis preços menores de venda dos produtos com a recente valorização cambial e safras maiores no ciclo 2021/22.
(*) Marcos Fava Neves é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.