Da fotografia documental à artística
Este artigo foi originalmente publicado na prestigiosa revista ARS/USP, conceito A1 Capes e apresenta uma parte da minha pesquisa de mestrado realizada no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade de Brasília – PPAV/UnB, sob a orientação da querida profa. Suzete Venturelli. A dissertação foi indicada pelo PPGAV/UnB para concorrer ao prêmio de Dissertações e Teses 2020.
O presente artigo foi dividido em cinco partes. A intenção é contribuir com os estudos sobre a visualidade na contemporaneidade ao focar a fotografia contemporânea e sua relação com a sociedade, principalmente na criação e manutenção de regimes de verdade e de poder da atualidade que transmutam o conceito de verdade na contemporaneidade. São abordadas as fricções entre a fotografia documental e a fotografia artística e como essas questões se imbricam com a noções de real e ficcional, de documental e artístico, para compreender as fronteiras e as transgressões da fotografia contemporânea. Como exemplo, são estudados os casos de Steve McCurry, de Andreas Gursky e da incorporação de imagens do coletivo Mídia Ninja pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP).
No artigo, eu utilizo o termo transmutar porque o que aconteceu no caso das fotografias do coletivo Mídia Ninja foi uma mudança de grande profundidade para o estatuto da imagem, para os estudos acadêmicos sobre a imagem. Por que não transformação? Na filosofia, transformação é um processo de evolução natural. Já a transmutação é processo de mudança essencial e não natural. Já para a disciplina biologia, a transmutação é o processo que muda completamente o organismo por meio da influência de uma mutação.
A exposição Poder provisório trouxe fotojornalistas para um museu de arte contemporânea, o que, no entendimento acadêmico, seria uma transgressão. O curador da exposição, Eder Chiodetto, criou conscientemente uma discussão política ligada ao poder do curador e das instituições de arte, que legitimam o que é arte.
Então, para analisar este caso eu uni os estudos em cultura visual, cultura digital e cultura da convergência. Essas teorias, conceitos, nos auxiliam na percepção de novos parâmetros e condições para enxergar e entender a realidade à nossa volta. Condições que reconstroem as formas de ver, observar e sentir o mundo. Ou seja, nós podemos afirmar que houve uma mutação na forma de se perceber e entender as imagens que foi provocada pelo curador da exposição.
O que aconteceu neste caso tem muita a ver com o que está acontecendo em praticamente todos os campos da nossa vida cotidiana. A expansão dos conceitos de verdade e metanarrativas de vida são uma constante dessa nossa época de tempo acelerado. Vivemos a transição da modernidade para a pós-modernidade. Essas linhas temporais estão borradas. E o campo da arte adora isso porque a arte é criadora de novas realidades. Ela tensiona os limites e as fronteiras sempre em busca dessa expansão.
O filósofo Francês Lyotard afirma que devido, à perda de credibilidade dos grandes discursos legitimadores da realidade, ou seja, das metanarrativas modernas, surgiram espaços a serem preenchidos pelo pluralismo e pela afirmação das diferenças. Isso na década de 1970. Hoje, 2021, temos inúmeros outros fatores e atores. Temos os prosumers. Temos os influencers, eles, em muitos casos apresentam conhecimento raso, superficial, sobre determinadas temáticas e possuem milhões de seguidores que absorvem essas informações como verdade incontestável. Temos a inteligência artificial que por meio de robôs interagem com os humanos e ajudam a criar novos regimes de verdade. Vimos isso nas eleições em âmbito mundial. Isso impacta em toda a estrutura social.
(*) Rodolfo Augusto Melo Ward de Oliveira é programador Visual da UnB. Doutorando em Artes Visuais e mestre em Arte Contemporânea pela linha de pesquisa, Arte e Tecnologia, da Universidade de Brasília - UnB (2019).