ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SEXTA  29    CAMPO GRANDE 30º

Artigos

Da negação ao medo do coronavírus

Antônio Geraldo (*) | 19/07/2020 14:33

A pandemia está perto demais, porém algumas pessoas ainda não conseguem perceber. Medo, frustração e raiva parecem ser os estados emocionais predominantes. Medo de um futuro com alto grau de incerteza. Frustração pelos desejos e projetos que não serão realizados na data esperada. Raiva pelas perdas que acontecerão e por algumas que já dão seus sinais.

Para fugir dessas emoções, é frequente observar uma certa negação da realidade. Negar um pouco faz parte. Negar muito traz consequências  na saúde mental, e agora na saúde coletiva — piores do que os impactos em si dessas emoções classificadas pelas neurociências como negativas (embora valha  ressaltar que frustração em si não é classificada como uma emoção básica).

 No entanto, se em situações convencionais essas emoções já têm uma função importante, em épocas de pandemia elas trazem um papel fundamental, especialmente o medo. O medo faz com que as pessoas se protejam, preparem-se e antevejam cenários. Promove, portanto, uma defesa de antecipação que pode ser muito benéfica.

 Não é viável ser inundado por emoções relacionadas à alegria o tempo todo. Não é da natureza humana, muito menos não é compatível com momentos de pandemia. Apesar disso, é possível regular as emoções por meio de aspectos cerebrais mais racionais com a finalidade de usá-las a nosso favor.

 Um primeiro ponto que parece ser fundamental desta regulação emocional no atual momento vem com a palavra aceitação. Essa pandemia nos convida à conclusão de que não temos controle sobre os fatos da vida; por isso, é preciso usar de aceitação que gera flexibilidade e adaptação. Aceitar a realidade que se impõe, sem negação e sem desespero, mas com esperança que vislumbra um futuro melhor, justamente porque age melhor no presente momento.

Sobre a frustração muito vinculada à raiva, é interessante lembrar a proposta do psiquiatra Viktor Frankl, fundador da análise existencial e que sobreviveu aos campos de concentração nazistas. Ele foi um dos pioneiros no estudo sobre o sentido de vida. Sua obra  continua atual neste aspecto. Primeiramente, ele ponderava que os propósitos de vida deveriam ser maleáveis e adaptáveis às situações. Em segundo lugar, ao invés de perguntarmos aquilo que queremos da vida (nossos desejos e programações, por exemplo), ele propunha que invertêssemos a pergunta, mormente em grandes crises, indagando-nos o que a vida quer de nós. Neste sentido, com propósitos de vida flexíveis ficaria mais fácil se adaptar aos obstáculos da existência, uma vez que o desespero seria a presença do sofrimento sem um sentido, um significado pessoal.

Dessa forma, é possível que, tanto quanto aconteceu em outras épocas da humanidade, saiamos com algum crescimento pós-traumático depois desses meses difíceis que se impõem pela pandemia da Covid-19. Esse crescimento envolverá aprendizados que serão pessoais. No entanto, é possível intuir que essa pandemia convida cada um de nós a pensar não somente em si, mas também nos outros, especialmente naqueles mais vulneráveis, não só com empatia (que gera entendimento), mas com compaixão (que gera atitudes compassivas).

Por enquanto, agir é o que todos precisamos fazer, e essa ação pode começar regulando as nossas emoções através da aceitação dos fatos e das emoções a eles vinculadas, bem como da readaptação de propósitos como Viktor Frankl propunha. Sem ter medo de ter medo desta pandemia. Faz parte. Curiosamente, conceber isso já diminui o impacto ruim das emoções negativas e facilita que elas atuem em nossas vidas de modo mais funcional. Com isso, consegue-se ter uma saúde mental melhor neste cenário que se impõe.

(*) Antônio Geraldo é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Leonardo Machado é psiquiatra

Nos siga no Google Notícias