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Dia Estadual de Combate ao Feminicídio: a responsabilidade também é sua

Thaís Dominato Silva Teixeira (*) | 01/06/2020 07:35

A pandemia provocada pelo novo coronavírus afetou severamente a vida das mulheres. O alerta veio da ONU e a cada dia saltam aos nossos olhos diversos exemplos. Na linha de frente no combate da doença estão as mulheres que representam 85% dos profissionais da área de enfermagem no país e, portanto, em risco constante. Há inúmeros trabalhos informais ameaçados neste momento exercidos predominantemente pelas mulheres, como as diaristas, cuidadoras e empregadas domésticas. Nossos direitos sexuais e reprodutivos foram os primeiros a serem relativizados, baniram até mesmo nosso direito ao acompanhante no momento do parto. Estamos sobrecarregadas (mais do que sempre estivemos) com o trabalho, afazeres domésticos, cuidados com os (as) filhos (as) e as pessoas mais velhas da família e com a educação das crianças, uma vez que as escolas encontram-se fechadas. E não é preciso que se diga que a divisão de tarefas não é realidade nos lares, seja em razão do número grandioso de mães solo, seja em razão da desigualdade de gênero existente nas relações afetivas.

Não bastasse tudo isso, o aumento da violência doméstica e familiar contra as mulheres também se faz presente em meio a essa crise como fenômeno mundial. A matemática é cruel. Ficar em casa nunca foi seguro para as mulheres. E se antes da pandemia as pesquisas já demonstravam que 42% das agressões acontecem em casa e que 76% dos agressores tratam-se de pessoas conhecidas, familiares ou companheiros das vítimas, facilmente se conclui que agora, com o isolamento social necessário, mais tempo em casa com o agressor representa mais violência.

Nesse sentido, a diminuição dos registros de boletins de ocorrência versando sobre violência doméstica nos últimos meses, infelizmente, não revela boa notícia, ao contrário, indica que as mulheres passam por dificuldades para acessar o sistema de justiça nesse momento, apesar do aumento da violência em casa.

E tal fato pode ser observado, dentre outros, no significativo crescente no número de feminicídios no Brasil, o crime que é o ápice da violência contra a mulher, sua morte em razão do desprezo pela condição do gênero feminino. Note-se que aqui no Mato Grosso do Sul, no mês de maio, alcançamos a triste marca de uma mulher morta a cada três dias, extrapolando todos os índices do ano passado.

Então, nesse dia estadual de combate ao feminicídio, podemos fazer reflexões e pensar em ações a longo, mas também a curto prazo.

Sabe-se que a mudança consistente e sólida só chegará a partir da educação e não qualquer educação, mas aquela com perspectiva de gênero. Temos muito para ressignificar. Aprender a não julgar a outra mulher refém do ciclo da violência por inúmeros motivos (medo, vergonha, falta de apoio, dependência emocional ou financeira), aprender a não achar graça da piada machista disfarçada de humor no almoço de domingo ou dos nudes transmitidos na velocidade da luz pelos grupos de whatsapp e repreender quem assim o faz, aprender a dar bons exemplos para as crianças e mostrar que a divisão de tarefas, de brinquedos, de cores de roupas e de papéis sociais só servem para contribuir para a perpetuação da desigualdade e da inferiorização das mulheres.

A raiz da violência, a causa dos feminicídios, não é a pandemia, mas sim o machismo nosso de cada dia enraizado na educação dos meninos que ainda crescem com a perspectiva de que as mulheres são suas propriedades. Não haverá leis, processos ou prisões suficientes se não houver mudança cultural e isso, sabe-se, levará muito tempo e somente virá como resultado de um trabalho constante e duradouro.

Por outro lado, pergunta-se o que se pode fazer agora, pra já, durante a pandemia, considerando que as mulheres estão sendo mortas todos os dias em números e crueldade crescentes?

Tem-se visto, com louvor, o sistema de Justiça e o restante da rede de combate à violência, às pressas, se reinventando na era das denúncias e atendimentos remotos e virtuais para socorrer as vítimas. Mas nós também somos responsáveis e não podemos continuar cúmplices de crimes. É urgente a necessidade de uma vez por todas internalizarmos o conceito de violência contra a mulher como violação de direitos humanos. Não se trata de mera briga de casal, de uma situação particular que só afeta a mulher violentada. Esse é um problema de toda a sociedade e todas as pessoas são responsáveis nessa luta pela igualdade e contra a violência.

Assim, nesse momento de pandemia, se a mulher em situação de violência doméstica encontra-se obrigatoriamente em casa com o agressor, nós, vizinhos (as) também estamos e podemos ficar mais atentos aos gritos, pedidos de socorro, barulhos de coisas sendo quebradas. Nós, amigos (as) e familiares também. É nosso dever entrar em contato diariamente com quem desconfiamos estar em situação de violência, colocando-nos à disposição para sermos rede de apoio, para sermos denunciantes por meio de canais como o 180 ou chamando a polícia pelo 190 e assim contribuirmos efetivamente para evitar tragédias que destroem vidas.

Quando isso tudo passar, não será fácil, discussões importantes sobre o feminismo e contra o machismo provavelmente retrocederão, talvez até direitos. A rede de combate à violência terá de se reestruturar para dar conta da demanda reprimida e muito trabalho árduo será necessário. Desejo, então, que apesar de tudo, fique algo de bom. Que no meio dessa crise despertemos para a solidariedade, para a sororidade, para a prática com responsabilidade do nosso dever de cidadão (ã) e que não fechemos os olhos, não tapemos os ouvidos e nem fiquemos calados.

(*) Thaís Dominato Silva Teixeira é defensora pública, coordenadora do Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher).

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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