Fake news no Facebook: Desinformação 2 x 1 Correção
Estudo sobre covid-19 mostra padrão nos grupos e páginas com mais de 50 mil seguidores.
A iminência das eleições gerais no Brasil, cada vez mais presentes no noticiário político, apresenta desafios diferentes e combinados para o combate à circulação de conteúdo desinformativo na internet. Esses problemas são especialmente relevantes num país que, quase 2 anos depois do início da pandemia de covid-19, ainda se vê às voltas com notícias falsas sobre vacinas e tratamentos inexistentes.
Contra essas fake news, agências de fact-checking se organizaram -muitas vezes em parceria com as próprias mídias sociais, mas seu alcance ainda é bastante limitado, sobretudo em comparação ao conteúdo desinformativo. É o que mostra estudo assinado por Raquel Recuero e outros colegas da Midiars Research Lab, recém-publicado na revista International Journal of Communication.
A pesquisa analisou 568 links (incluindo o conteúdo desinformativo e a versão corrigida pelas agências de checagem) que circularam no Facebook em páginas e grupos públicos brasileiros com mais de 50 mil membros ou seguidores, de janeiro a agosto de 2020, e que dissessem respeito à pandemia de coronavírus.
O principal resultado mostra que a polarização é assimétrica. Os grupos e páginas de direita foram responsáveis por cerca de 93% do compartilhamento de informações falsas, enquanto 54% do compartilhamento de checagem de informações vieram de grupos e páginas de esquerda (contra 29% vindos de grupos e páginas de direita).
Entre os grupos e páginas que compartilham tanto a desinformação quanto a checagem, 90% são de direita, mas há muito mais postagens (quase o dobro) nos grupos e páginas de direita que apenas publicam desinformação. Além disso, estudos anteriores já indicaram que a publicação de informação checada, nesses grupos, é utilizada principalmente como alvo de críticas e piadas.
Outras conclusões do trabalho que merecem destaque são:
entre as páginas e grupos que compartilharam tanto a desinformação quanto a checagem, as publicações do 1º tipo foram muito mais frequentes (média de 10,6 postagens ante 2,04).
em média, cada link de desinformação foi postado duas vezes mais pelos grupos e páginas que só postam desinformação, em comparação com a postagem de links de fact-checking pelos grupos e páginas que só postam conteúdo de checagem (e não de desinformação) no Facebook. Ou seja, a capacidade de postagem dos grupos dedicados a desinformar é o dobro da capacidade de postagem dos grupos interessados em publicar correções. Já nos grupos e páginas que publicam tanto conteúdo desinformativo quanto conteúdo de checagem, cada link de fact-checking foi compartilhado 3,17 vezes, enquanto cada link de desinformação foi compartilhado 20,94 vezes.
os links com a desinformação desmentida circularam em menos de 8% dos grupos e páginas do Facebook que compartilharam as notícias falsas. Além disso, postagens com conteúdo falso foram 3 vezes mais compartilhadas nessa rede social que as publicações de fact-checking.
A desinformação sobre a covid-19 circulou 4 vezes mais em páginas e grupos religiosos que postagens de checagem de informação, o que mostra a vinculação entre esse segmento social e conteúdo político de direita.
As páginas e os grupos que mais compartilham desinformação em geral estão bastante conectados entre si, valendo-se dos mesmos links e conteúdos desinformativos, em contraste com a maior heterogeneidade de páginas e grupos que mais compartilham conteúdo de checagem.
Apesar de limitações da pesquisa, como o fato de ela se debruçar apenas sobre alguns tipos de páginas e grupos do Facebook, os resultados do trabalho indicam que ainda há muito a ser feito para combater a desinformação que circula nas redes sociais. O fato de ela servir a propósitos político-ideológicos ajuda a fomentar a coesão de um grupo em torno de um discurso pré-fabricado, sugerindo que a circulação de fact-checking nesses clusters sirva apenas como mais um objeto de ataque, e não como contraponto sincero.
Também há interpretações alentadoras que podem advir do cenário atual, porém. A 1ª é que a própria homogeneidade dessas bolhas desinformativas tende a evitar que as fake news se espalhem sem controle pelas redes sociais. A 2ª é que, como visto na polêmica em torno da vacinação infantil, cada vez menos gente parece ser seduzida pelo canto mortal das sereias virtuais.
(*)Wladimir Ganzelevitch Gramacho é mestre e doutor em Ciência Política. Atualmente é coordenador do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública (CPS), professor adjunto da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e, atualmente, pesquisador visitante na Western University, no Canadá.