O direito de livre manifestação do empregado e o caso Monark
O youtuber Bruno Aiub, conhecido como Monark, chocou a todos ao defender, como exemplo de exercício de liberdade de expressão, o direito de “ter o partido nazista reconhecido pela lei” e de que “se o cara quiser ser um anti-judeu, eu acho que ele tinha o direito de ser”.
Ressalte-se que o ideal nazista não é mera manifestação política, já que, ao contrário de outras ideologias ou posicionamentos, o nazismo tem como ideal a superioridade da raça ariana, o uso da eugenia e a perseguição contra os judeus.
Posteriormente, o youtuber se justificou dizendo que “eu tava bêbado”, situação que, legalmente, não o torna inimputável (artigo 28, II, do Código Penal).
Eu não conhecia o protagonista do caso. Após pesquisar, descobri que ele já defendeu, no twitter, que “É a ação que faz o crime e não a opinião”, tendo concluído o raciocínio com um questionamento: “Ter uma opinião racista é crime?”.
Em outra ocasião, numa entrevista, comparou o sujeito que afirma que “gay tem que apanhar na Avenida Paulista” com a pessoa que diz que “Eu amo refrigerante. Nossa, com açúcar então...”. Seu intuito era dizer que ambos estão “apenas” exercendo o direito de se expressarem livremente.
Note-se que o raciocínio do polemista, apesar de equivocado, segue uma linha lógica: a de que qualquer pessoa pode livremente dizer o que bem entender sem que seja punida por isso.
Aliás, na sua opinião, a lei deveria garantir esse direito como, por exemplo, chancelar a criação de um partido nazista.
Essa não foi, entretanto, a linha adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, que criminalizou a propaganda do nazismo (artigo 20, § 1º, da Lei 7.716/89), a incitação ao racismo (artigo 20 da Lei 7.716/89) e as ofensas à honra em geral (artigos 138 a 140 do Código Penal).
E nem poderia ser diferente, já que o exercício irrestrito de um direito fundamental em algum momento invadirá a esfera protegida por outro direito da mesma natureza.
Note-se que o direito de livre manifestação de pensamento não se confunde o direito de consciência (artigo 5º, VI, da Constituição da República). Este último se relaciona com a autodeterminação do indivíduo, que pode ter suas próprias convicções filosóficas, ideológicas, políticas, religiosas, etc. O segundo se relaciona com a exteriorização dessas convicções.
No Direito do Trabalho, há situações em que os limites do exercício do direito de livre manifestação do empregado são discutidos.
A primeira delas ocorre quando o trabalhador critica publicamente o empregador, expondo a sua opinião em redes sociais.
Neste caso, é possível ao empregado veicular crítica ao empregador desde que não ofenda à honra deste último (como, por exemplo, usando termos pejorativos, fazendo comentários vexatórios, insultos ou juízos de valor ofensivos), não revele segredos da empresa e confidencialidades ou não propague informações falsas. Tudo dependerá do caso concreto, que deve ser analisado com razoabilidade.
A título de exemplo, o TST já reverteu dispensa por justa causa de empregado de grande empresa que expôs publicamente reclamações sobre a alimentação fornecida (AIRR - 2361-81.2015.5.02.0034, Orgão Judicante: 7ª Turma, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Julgamento: 26/06/2018, Publicação: 29/06/2018).
Em tese, também é permitido, durante o trabalho, ao empregado expor sua convicção sobre determinada questão política ou mesmo sua crença religiosa, desde que não traga prejuízo ao regular funcionamento da empresa.
Não há, por exemplo, vedação à iniciativa de empregados que, antes de iniciar o trabalho, reúnem-se em oração. Entretanto, se determinado empregado habitualmente assedia os colegas a aderir a sua religião, causando-lhes constrangimento e prejudicando o ambiente de trabalho, pode o empregador adverti-lo.
Entretanto, se o empregador se trata de entidade adepta a determinada ideologia (como os partidos políticos ou uma associação antirracista) ou religião (como as igrejas ou escolas e universidades por elas mantidas), há restrições à liberdade de expressão do empregado, que não pode se manifestar de forma a vilipendiar a ideologia ou a religião que o empregador pretende difundir.
Outra questão relevante se nota quando o empregado excede o direito de livre manifestação sem que isso tenha relação com o emprego.
Em regra, tal atitude não se relaciona com o vínculo empregatício, não sendo cabível, portanto, qualquer punição por parte do empregador.
Todavia, a depender da situação, a conduta do empregado pode acarretar exposição negativa à empresa e ser grave o suficiente para ensejar a dispensa por justa causa em razão de mau procedimento (artigo 482, b, da CLT).
Por exemplo: o trabalhador ofende outra pessoa em um fórum de discussão na internet, não sendo o ofendido trabalhador ou consumidor desta empresa. Não há, em tese, repercussão no contrato de trabalho.
Situação diferente se verifica quando o empregado faz, em sua página no facebook, propaganda de ideias racistas e se identifica como empregado de determinada empresa. Há, nesse caso, possibilidade de que a conduta do empregado prejudique a reputação do empregador, ensejando até mesmo a aplicação da pena máxima ao trabalhador.
(*) André Luis Nacer de Souza é juiz do trabalho e professor de Direito do Trabalho.