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Homenagem ao meu amigo João Nildo

Como não consigo chorar, apesar da dor, escrevo, intimamente chorando.

Elimar Nascimento (*) | 04/09/2020 13:01

Ao soco no estômago da notícia, reagi como uma criança: “Não é possível, às 13 horas conversamos, ele me pediu para substituí-lo na reunião do Conselho do CDS, pois teria uma consulta médica”. E quando falei com sua filha Nahima, não tive outra tolice para dizer que esta: “Não é possível, tanta gente ruim para levar foi logo escolher meu amigo João”.

Passada a pancada fiquei pensando sobre o que melhor traduzia a figura do João. Creio que um bom vinho de Bourgogne: quanto mais velho, melhor ficava. O passar dos anos reduziu a sua teimosia, por vezes irracional, e aumentou a extraordinária generosidade de que era dotado. Todos os seus amigos eram fantásticos. Trabalhou arduamente para que se fizesse uma homenagem à sua amiga e intelectual reconhecida nacionalmente, Berta Becker, com a presença da filha mais velha. Organizou, comigo, um debate com Edgar Morin no dia do meio ambiente deste ano, e logo no dia 8 de julho, reuniu amigos para comemorar os 99 anos do Edgar. Não parava de comentar os feitos de Othon Leonardos e Laura Duarte, dois companheiros com os quais participou da criação do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), onde trabalhava, apesar de aposentado, dando aulas, orientando teses, pesquisando, organizando eventos. E acompanhando a construção do novo prédio do CDS, onde continuava a sonhar em ter uma biblioteca especializada, que havia começado ainda no primeiro imóvel que o CDS ocupou, emprestado do Ibama/DF. Adorava seus alunos, e particularmente seus orientandos, que vez ou outra convidava para comer um joelho no amigão. Claro que, na sua opinião, todos eles eram fantásticos.

João tinha orgulho do CDS e carinho por seus colegas. Gostava de quase todos. Elogiava mesmo os colegas de quem não gostava. Tinha orgulho da UnB. Festejou como poucos a recente vitória da atual reitora. Mas, reconhecia o mérito de seus adversários, como o Jaime e a Fátima.

Confesso, porque ele sabia, e ria, que eu tinha uma pontinha de ciúmes dele em relação aos amigos que lhe apresentava. Ele conquistava todos, que passavam a admirá-lo, como Alfredo Pena Vega em Paris e Luís Flores no Chile. O que me consolava era que ele falava maravilhas de meus amigos.

Já havia passado dos 70, mas era uma criança. Lembro da alegria dele quando um dos livros do CDS apareceu em uma novela da Globo. Ou quando um dos livros que organizamos era citado. Ou quando um de seus amigos ganhava uma referência elogiosa. “Viu a entrevista do Maurício? Fantástica”. Aliás, esta é a palavra que irá acompanhar sua imagem até o meu dia de despedida definitiva.

Outro traço do João era a gentileza, a capacidade de acolhimento. Sempre cumprimentava sorrindo e feliz os participantes do LETS. Sempre me perguntava sobre seus resultados. Era estimulante trabalhar com ele.

Egoisticamente, continuo a pensar, a morte não poderia tê-lo levado nesta hora, quando tinha tantos sonhos a realizar e amizades a comemorar. Quem me enviará notícias sobre a evolução da matriz energética no Brasil e no mundo?  Ou me convidará no final das sextas-feiras a tomar uma pinga para comemorar os feitos da semana? Ou para ver o pôr do sol? Ou para fazer elogios aos amigos, como Rachel, Cláudia, Gurgel, Carol, Manuela, Henrique ou Maria Amélia? Estúpida essa senhora morte. Deveria ter esperado que ele cumprisse seus projetos. Mas, ela sabia que logo ele teria outros. Pois João era, antes que tudo, um sonhador, mas daqueles que são também empreendedores. Como diz Cristovam – vai fazer muita falta. E bote muita nesta expressão. Uma perda enorme para as instituições onde trabalhava e para os amigos que o adoravam. A humanidade fica mais pobre. A senhora morte não deveria ter feito isso, é uma injustiça. Mas, João se vingou, partiu na hora do dia que ele mais apreciava, no momento do pôr do sol.

(*) Elimar Pinheiro do Nascimento é sociólogo, com doutorado pela Universite de Paris V (Rene Descartes, 1982), e pós-doutorado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Professor associado dos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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