Ideias ocultas: democratizar e aplicar ensinamentos
A história nos mostra que os sistemas sociais, econômicos e políticos sofrem transformações. As ocultações, premeditadas ou não, de ideias e princípios desempenham um papel importante nos retrocessos que colocam a sociedade humana na penumbra.
É o que testemunhamos atualmente no planeta e no Brasil. Um planeta que caminha para a desolação, uma onda de violência e corrupção, uma descrença no mundo político e judiciário, uma indecente injustiça social, dentro de um sistema que cinicamente insistimos de chamar de democracia. A trágica pandemia da Covid-19, abalará o sistema econômico vigente e modificará nossos costumes. Ela expõe as decisões equivocadas de governantes que desprezam a ciência e que não têm competência para enfrentar crises.
Na história da humanidade tivemos grandes pensadores que indicaram caminhos para sairmos de um cenário de selvageria para conquistarmos um estágio de civilização plena. Esses seres iluminados, como o Sol, criaram o Humanismo, onde o ser humano é colocado no centro das preocupações sociais e intelectuais. Podemos citar entre eles, Confúcio, Sócrates, Descartes, Spinoza, Voltaire, Rousseau, Kant, Hegel, Nietzsche, Ortega y Gasset, Sartre e Hanna Arendt.
Muitos contribuíram através da literatura, entre eles, Miguel de Cervantes, William Shakespeare e Luís de Camões. Apesar das mensagens de sabedorias dos nossos antepassados, eles são relembrados somente em círculos intelectuais e acadêmicos restritos. É importante tirar essas ideias de debaixo do tapete e democratizar e aplicar esses ensinamentos.
Certamente vamos superar as atuais crises, éticas, morais, políticas, da educação, da ciência e tecnologia, da saúde, econômicas e outras.
Para entender a identidade brasileira e projetar nosso futuro vamos nos inspirar nas ideias de nosso saudoso Darcy Ribeiro. Em seu livro O processo civilizatório, publicado em 1972, ele enfatizou a evolução das sociedades humanas procurando entender de forma coerente e lógica a história da humanidade. Em seu livro O povo brasileiro, publicado em 1995, ele trata das matrizes culturais e dos mecanismos de formação étnica e cultural do povo brasileiro.
Nessas reflexões, ele nos remete às nossas origens, a história que como brasileiros fomos construindo. Ele procurou entender os caminhos que percorremos que nos levaram a distâncias sociais tão profundas no processo de formação nacional. Nesse livro ele assim se expressa: “Faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um fundo patriotismo.”
Ele denuncia o descaso dos setores retrógrados das classes dominantes pelo povo e pela nação. Ele defende a reordenação social do país sem convulsão social, através de um reformismo democrático. Mas, conhecendo o caráter da classe dominante brasileira, e ao contrário daqueles que temem a revolução, ele pensa também que essa mudança pacífica “é muitíssimo improvável neste país em que uns poucos milhares de grandes proprietários podem açambarcar a maior parte de seu território, compelindo milhões de trabalhadores a se urbanizarem para viver a vida famélica das favelas, por força da manutenção de umas velhas leis”.
Os desafios são grandes. Ideias inspirativas não faltam. Lembremos uma de Darcy: “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou indignar. E eu não vou me resignar nunca”. Vamos todos lutar pelas conquistas dos sonhos de Darcy e todos os humanistas. Cada um e cada uma deverá exercer um papel relevante e importante para as transformações necessários para termos um Brasil e um Mundo melhor e mais justo.
(*) Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro, membro titular de Academia Brasileira de Ciências.