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Impactos socioambientais da transição energética na contemporaneidade

César Pedrosa Soares (*) | 30/11/2022 08:30

Apontada pelo mainstream como uma das principais saídas para a crise ambiental global, um dos sustentáculos da transição energética é a eletrificação dos meios de transporte. Para tanto, a garantia de recursos minerais estratégicos é imprescindível para a ocorrência desse processo. Dentre eles, o lítio vem progressivamente ganhando destaque nas mídias nacionais, internacionais e nos discursos de diversos atores governamentais e representantes do mercado econômico global. Nos locais de exploração desse mineral, as populações que ali habitam, entre elas, povos autóctones, notam um processo de transição que vai de encontro com aquele positivamente sustentado pelos atores supracitados, apresentando como um dos seus alicerces a injustiça ambiental. Marcada por uma distribuição desigual dos impactos socioambientais advindos do processo exploratório de lítio e pelo não reconhecimento dos distintos modos de vida que as populações apresentam nos locais onde ocorrem estas atividades, esse modelo de transição negativo vem se estabelecendo em distintos lugares do mundo.

Localizando o contexto supracitado em uma contemporaneidade em que o colapso ambiental global representa um sintoma da crise da racionalidade moderna, como refletir sobre possíveis modelos de instrumentos de compensação que lidem com os riscos, ameaças e impactos sociais e ambientais relacionados à exploração de recursos naturais que aprofundam as nossas marcas em um Planeta Terra que já se encontra em uma era geológica denominada Antropoceno?

Projetar possíveis instrumentos compensatórios no mundo contemporâneo, configura-se como um convite para a reflexão. Para tanto, esse texto propõe três pontos que podem contribuir para um novo olhar em relação aos instrumentos de gestão ambiental: o primeiro deles, refere-se à adoção de uma compreensão que fuja de perspectivas dicotômicas sobre a sociedade e a natureza, como observado, por exemplo, em compensações que apresentam a via monetária como a única forma de lidar com os impactos socioambientais. Implica, portanto, o reconhecimento de que compensações em termos estritamente econômicos, estruturadas a partir da racionalidade moderna, já não são capazes de abarcar tal situação hodierna por completo.

Nesse contexto, propostas como a noção de híbridos do autor Bruno Latour, no livro Jamais fomos modernos, representam novas perspectivas para compreender o cenário dos municípios que apresentam atividades exploratórias e o papel de um instrumento de compensação nesse contexto. A partir desse entendimento, os locais onde se encontram propriamente os recursos naturais, deixam de ser considerados “vazios”, sendo ignoradas diferentes formas de viver que apontam para uma outra relação entre o ser humano e o meio natural ali existente. Distintamente, os recursos naturais e a exploração ao seu redor surgiriam a partir das interconexões entre humanos e não-humanos.

Um segundo ponto se refere aos atores envolvidos no processo de exploração de recursos naturais. Como se observa em relação ao lítio, não se trata de uma relação restrita ao governo, à empresa e à população do município, mas uma combinação de atores em distintas escalas, caracterizada por apresentar uma espacialidade não apenas local, mas envolvendo uma série de membros tanto locais como globais. Nesse contexto, os interesses são diversos – econômicos, culturais, entre outros –, configurando-se como uma teia de atores que transpassam o município onde a exploração está ocorrendo.

Parece importante, assim, compreender a constituição desta rede de atores existente ao redor da exploração, garantindo, principalmente para os grupos minoritários, o acesso a espaços decisórios sobre a ocorrência da atividade exploratória, em um primeiro momento, e, posteriormente, caso esta seja decidida, sobre o arranjo adequado de um instrumento de compensação. É indicada a importância, portanto, em se esquivar de compensações que abarquem interesses específicos em detrimento da vida de outras populações. Garantindo a discussão de um modelo de gestão ambiental que permita a divergência e que abra espaço para a expressão das distintas formas de ser e estar dos atores ao considerar os princípios da sustentabilidade, autogestão, democracia, equidade, participação e autonomia.

O terceiro e último ponto, refere-se à importância em considerar a escala dos impactos ambientais no mundo contemporâneo ao projetar um modelo de compensação. Conectado com a diversidade de atores destacada acima, os danos causados pelas atividades exploratórias tomam outras proporções em um mundo onde os riscos são globalizados, não estando restritos ao município, mas podendo impactar horizontes espaciais e temporais incalculáveis. Os dois últimos pontos ressaltados assinalam, assim, uma indistinção geográfica e temporal dos atores e impactos envolvidos no processo de exploração de recursos naturais, característica que vai de encontro com compensações financeiras ancoradas na racionalidade moderna, onde a delimitação destes aspectos é um pressuposto considerado na sua implementação.

A partir dos pontos elencados, destacam-se os desafios e as possibilidades de novas compreensões sobre instrumentos de compensação que sejam capazes de garantir nos espaços de exploração de recursos naturais, do qual depende a transição energética atual, a construção de configurações políticas, culturais e socioecológicas mais igualitárias. Arquitetando, assim, futuros sustentáveis possíveis, tanto ambientalmente quanto socialmente. As reflexões aqui apresentadas tiveram como base a tese defendida no dia 6 de setembro de 2022, na Faculdade de Saúde Pública (FSP/USP), Programa de Pós-Graduação em Saúde Global e Sustentabilidade.

(*) César Pedrosa Soares é doutor pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, e Maria da Penha Vasconcellos, docente da FSP-USP e Centro de Síntese USP Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da USP

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