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Lei de proteção ao entregador por aplicativo: precarização ou proteção?

André Luis Nacer de Souza (*) | 13/01/2022 08:30

Há tempos se discute as condições de trabalho dos entregadores por aplicativos. Em 2019, por exemplo, um entregador morreu durante o trabalho vítima de AVC sem que a plataforma de entrega prestasse a ele qualquer tipo de auxílio1. Com a pandemia da COVID-19, os riscos do trabalho aumentaram, já que em momento algum os entregadores deixaram de trabalhar, ao contrário das demais categorias.

Nesse contexto, a Lei 14.297/2022 pretendia trazer “proteção” ao trabalho dos entregadores. Mas aparentemente a “proteção” ficará apenas na boa intenção.

Em primeiro lugar, o legislador pecou ao editar uma lei com vigência limitada, com marco final no “término da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) em decorrência da infecção humana pelo coronavírus Sars-CoV-2”, por ser incompreensível que um trabalho perdurará por tempo indeterminado seja objeto de uma regulamentação temporária.

Aliás, é surpreendente que somente após quase dois anos de pandemia, quando quase 70% da população brasileira já está vacinada2, a lei tenha sido editada com a finalidade de assistir os entregadores durante a pandemia.

Em segundo lugar, a lei deixa de impor às plataformas obrigações importantes, tais como a testagem constante dos entregadores. A realização do teste, pelo teor da lei, ocorre por conta do próprio entregador, sendo sabido que a testagem pública é precária no país e os testes nas instituições privadas de saúde tem preços elevados.

Também não há previsão clara e específica de contratação de seguro por danos materiais como, por exemplo, os experimentados pelo entregador que tem a motocicleta danificada em um acidente. Vale lembrar que as empresas não possuem frota de veículos e utilizam as motocicletas de propriedade do entregador.

Outra reclamação constante de entregadores é a de que, como o valor pago a eles é definido unilateralmente pela plataforma, o preço da corrida tem variado sempre em prejuízo do trabalhador. Seria importante impor às empresas a exposição clara das regras de adesão, bem como a obrigação de garantir a irredutibilidade do valor pactuado.

Em comparação à situação anterior, a lei trouxe avanços importantes, como a obrigação de contratar seguro contra acidentes, sem franquia, em benefício do entregador, e a assistência financeira ao entregador afastado em razão de infecção pelo coronavírus pelo período de 15 (quinze) dias, o qual pode ser prorrogado por mais 2 (dois) períodos de 15 (quinze) dias. Essa assistência financeira deve ser calculada de acordo com a média dos 3 (três) últimos pagamentos mensais recebidos pelo entregador.

O legislador também acertou ao estabelecer, no artigo 10, que a referida lei não prejudica eventual discussão sobre a natureza da relação jurídica entre o entregador e a plataforma. Ou seja: para os entregadores que trabalham sem os requisitos do vínculo empregatício, aplica-se a Lei 14.297/2022; para aqueles cujo vínculo empregatício for caracterizado, a relação será regida pela CLT. A análise será casuística, como, aliás, há de ser sempre.

Entretanto, a despeito das vantagens estabelecidas em comparação à situação anterior, a conclusão é a de que o entregador por aplicativos que trabalha, ao menos formalmente, sem vínculo empregatício, ainda viverá uma realidade aquém do que se considera digno sob o prisma de um patamar civilizatório mínimo laboral.

(*) André Luis Nacer de Souza é Juiz do Trabalho e professor de Direito do Trabalho de cursos de graduação e pós-graduação.

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