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Muito mais que um monte de ossos velhos

Rodrigo Miloni Santucci (*) | 04/11/2022 13:30

É o estudo, em suas mais diversas formas, da vida pretérita e de sua evolução no planeta Terra - essa é uma definição simplificada e genérica geralmente encontrada nos livros sobre o que seria a Paleontologia. Para mim, depois de mais de duas décadas trabalhando com fósseis, penso que esse estudo da vida e do passado do nosso planeta se parece muito com uma investigação feita por detetives. As semelhanças são muitas: (1) os paleontólogos tentam descobrir algo sobre um determinado evento que ocorreu no passado, (2) esse evento não deixou testemunhas e (3) para resolver uma questão ou problema envolvendo fósseis são usadas evidências.

A diferença é que não estamos falando de um crime propriamente dito, mas sim estamos tentando entender, por exemplo, como um organismo vivia, como ele evoluiu, como interagia com outros seres vivos e, é claro, como e por que se extinguiu. Obviamente, os paleontólogos também são um pouquinho mais lerdos, pois costumam chegar ao “local do crime” não apenas algumas horas ou dias depois, mas aparecem nessa cena geralmente com muitos milhões de anos de atraso.

É justamente por isso que a Paleontologia, como área do conhecimento, tende a integrar tantas outras áreas de estudo, como Biologia, Física, Geologia, Matemática, Medicina e Química, por exemplo. Isso ocorre porque, com o tempo, as evidências de um evento relativo ao passado da Terra tendem a se perder. E é claro, quanto mais evidências tivermos sobre a nossa “cena de crime”, maiores são as chances de encontrarmos a resposta correta para ele. Dessa forma, os paleontólogos não podem se dar ao luxo de deixar de fora qualquer mísera evidência passível de análise em seus estudos.

Imaginem que encontramos, por exemplo, um fóssil de uma concha em uma determinada rocha. Podemos, através de sua anatomia, determinar qual espécie esse fóssil representa (nesse caso, estamos nos apoiando na Biologia). Podemos ir mais além e estudar a rocha onde ele foi encontrado, o que pode nos mostrar, por exemplo, que se tratava de uma região de praia, e que essa concha não apresenta marcas de desgaste pela ação de ondas, indicando que não sofreu transporte a partir de outra região (aqui usamos a Geologia). Podemos ainda tentar saber, por determinados tipos de análises dos elementos presentes na concha, qual o tipo de alimentação dessa espécie e como eram as condições ambientais da época (estaríamos usando a Química). Se tivermos a sorte de encontrar outras conchas da mesma espécie, também poderíamos realizar diversos tipos de análises estatísticas para verificar se esses resultados se repetem em conchas parecidas (no caso, estaríamos conversando com a Matemática).

Uma das coisas mais interessantes e importantes sobre os estudos paleontológicos, entretanto, é que eles não ficam restritos apenas ao passado, como descrito nas definições clássicas encontradas nos livros.

Se pararmos para pensar, todo o conjunto de estudos sobre fósseis produzido até hoje serve para, de fato, reconstruirmos o passado da vida na Terra. Mas podemos fazer muita coisa a partir daí. Podemos olhar para essa espécie de “filme” da história da Terra, mesmo que reconstruído parcialmente, e extrair a partir dele padrões que se repetem ao longo do tempo, como as causas e consequências dos grandes eventos de extinções em massa que nosso planeta já presenciou. Nesse caso, é possível, a partir desses padrões do passado, prever quais efeitos as mudanças climáticas atuais podem trazer para o futuro das espécies e do ambiente do nosso planeta. Ou seja, de certa forma, entender esses padrões do passado pode nos dar certo poder para prever o futuro.

Por fim, sabemos que certos fósseis e assuntos na Paleontologia, como dinossauros e evolução humana, despertam grande curiosidade na população em geral, incluindo as crianças. Aproveitar esses temas e essa curiosidade é uma ótima forma para estimular nessa faixa etária um pensamento científico, o qual é muito importante na formação de todo cidadão.

(*) Rodrigo Miloni Santucci é professor da Faculdade UnB Planaltina (FUP), doutor em Geociências pela Universidade Estadual Paulista.

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