Novo governo precisa provar que respeita os consumidores
Em carta enviada ao ministro da Justiça, Flávio Dino, Idec reafirma ao novo governo sua posição vigilante
"Defender os direitos das pessoas como consumidoras é defender a própria cidadania, a dignidade e o mínimo existencial na sociedade de consumo. Consumidores são o maior setor da economia e o menos ouvido nas decisões de políticas públicas de produção e consumo."
Assim começa a carta que o Idec enviou ao ex-governador e senador eleito, Flávio Dino, no dia em que foi indicado para o Ministério da Justiça pelo novo governo. Ex-juiz federal e conhecedor do sistema jurídico brasileiro, Dino terá a oportunidade de provar que o Estado tem o compromisso de colocar os direitos dos consumidores em destaque.
É na pasta da Justiça que fica a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão responsável por articular o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que já há muitos anos tem sofrido com falta de estrutura e sido utilizada para agradar aliados de momento dos governos, apenas para atender interesses de grupos políticos ou de setores do mercado.
No Brasil, as pessoas conquistaram com a Constituição de 1988 o direito fundamental de serem defendidas pelo Estado nas relações de consumo. Mas, nos últimos anos, as perdas de direitos provocaram retrocessos nas políticas de acesso à justiça e a bens e serviços.
Uma das principais pautas da defesa do consumidor é o combate ao superendividamento. Mais de 40 milhões de pessoas estão nessa situação no Brasil e, por isso, não conseguem honrar compromissos financeiros sem prejuízo do próprio sustento, sobrevivendo à margem e abaixo dos limites dos direitos fundamentais sociais fixados pela Constituição.
Enquanto o país precisava de medidas concretas para diminuir o grau de endividamento da população, o governo ora realizou e ora apoiou um conjunto grande de medidas cujo único propósito foi favorecer interesses de banqueiros, permitindo ainda mais a captura da renda das famílias mais pobres para pagamento das mais altas taxas de juros do planeta. Como exemplo, lamentamos lembrar a Lei 14.431/22, que autorizou o aumento na margem de consignação de 40% para 45% da renda mensal para beneficiários do INSS, e da extensão da concessão de crédito consignado para desconto diretamente em programas sociais como o Auxílio Brasil, com taxa de juros de 51% ao ano.
O Executivo também é autor do Projeto de Lei 4.188/2021, que estabelece o Novo Marco de Garantias, atualmente tramitando no Senado, que, entre outras regras, estimula cidadãos a oferecer suas casas como garantia de empréstimos múltiplos, bem como autoriza o uso de aparelhos celulares, motos, carros e outros bens móveis para esse fim. Tudo isso vem ocorrendo diante da omissão (em algumas vezes com expresso apoio) da Senacon.
O Idec, que conta com mais de 35 anos de dedicação ao interesse público e à defesa de direitos, espera que a próxima gestão do Ministério da Justiça, em especial da Senacon, tenha compromisso rigoroso e verdadeiro com o interesse dos direitos das pessoas consumidoras. Que combata duramente a captura dos espaços e processos decisórios pelos representantes de grandes empresas e que adote medidas concretas contra o conflito de interesses e a interferência dos setores produtivos nas políticas e regulações.
Esperamos que as pessoas escolhidas para compor os quadros do ministério se empenhem na ampliação de direitos da classe consumidora e na maximização do acesso à justiça e à informação e nos colocamos à inteira disposição para cooperar com a reconstrução da Política Nacional das Relações de Consumo.
*Igor Britto - Diretor de relações institucionais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
*Renato Barreto - Coordenador de advocacia do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)