O caminho de damasco
O caminho de Damasco é um trajeto que cada um de nós terá de fazer um dia, mais cedo ou mais tarde, nesta ou em outra vida. Por bem ou por mal. Não há como deixar de percorrê-lo. Ele representa o caminho da iluminação e da libertação.
No quinto livro do Novo Testamento, chamado de Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas Evangelista, há uma passagem conhecida como "O caminho de Damasco", ocorrida entre os anos 31 e 36 d.C. Ela é muito bem retratada e narra o que aconteceu com Saulo de Tarso, o mais feroz e cruel dos perseguidores dos cristãos:
«Saulo, respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, caso achasse alguns que fossem do Caminho, tanto homens como mulheres, os levasse presos a Jerusalém. Caminhando ele, ao aproximar-se de Damasco, subitamente resplandeceu em redor dele uma luz do céu; e caindo em terra, ouviu uma voz dizer-lhe: 'Saulo, Saulo, por que me persegues', Ele perguntou: 'Quem és tu, Senhor?', Respondeu o Senhor: 'Eu sou Jesus a quem tu persegues; mas levanta-te e entra na cidade, e dir-te-ão o que te é necessário fazer'. Os homens que viajavam com ele, pararam, emudecidos, ouvindo sim a voz, mas sem ver a ninguém. Levantou-se Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada viu; e guiando-o pela mão, conduziram-no a Damasco.» (Atos 9:1-8)
Saulo, literalmente, caiu do cavalo e não foi só força de expressão. Aconteceu de fato. Essa famosa cena também está retratada no mais famoso quadro do pintor italiano Caravaggio, Conversione di Saulo Odescalchi (1600-1601).
O acidente de Saulo no caminho para Damasco marcou a história da humanidade. Depois disso, Saulo se converteu ao cristianismo e foi batizado por Ananias e passou a se chamar Paulo, hoje conhecido como São Paulo. Mas essa mudança externa pouco significou em função da mudança real que ocorreu em seu espírito, mudando completamente a trajetória de sua vida, e que acabou por contribuir de forma decisiva para a difusão do cristianismo. Penso que cada um de nós deverá fazer esse percurso. Cada um na sua individualidade e na sua hora. Devemos nos preparar diariamente para esse momento sublime.
A cegueira que se seguiu também tem um significado esotérico. Ao cair de seu cavalo, Saulo ficou cego por algum tempo, mas saiu das trevas e recebeu a luz. E deu início, a partir de então, ao seu trabalho que, de imediato, exigiu-lhe uma grande coragem. Precisava convencer os apóstolos de que estava, verdadeiramente, imbuído dos ensinamentos de Jesus e de seu compromisso de difundi-los por todo o mundo. Não foi fácil, porque devido ao seu antecedente anticristão, a dúvida era procedente. Como é que um homem que era o mais encarniçado perseguidor de repente se transforma no mais dedicado dos apóstolos? Não dava para acreditar.
Paulo permaneceu três anos na Arábia, jejuando, estudando e preparando-se para sua grande missão. Depois desse período voltou para Jerusalém, onde os apóstolos de Cristo se recusavam a recebê-lo. Nessa ocasião, contou com o apoio decisivo de Barnabé que, designado para isso, comprometeu-se a apresentá-lo aos apóstolos e auxiliá-lo em seu ministério. Ananias e Barnabé foram fundamentais para que Paulo fosse acolhido como apóstolo e se tornasse companheiro dos demais.
Paulo foi um dos maiores propagadores do cristianismo, dedicou-se de corpo e alma, escreveu treze epístolas em que manifestava de forma marcante toda a convicção de sua fé. E sempre custeou suas despesas, pois era artesão, e dividia o seu tempo entre a pregação e a fabricação de tendas, que vendia para o seu próprio sustento. Ele também foi o autor que mais escreveu sobre a doutrina cristã no Novo Testamento: as Epístolas Paulinas (também chamadas de Cartas de Paulo).
Como afirmei inicialmente, todos devemos metaforicamente trilhar o caminho para Damasco. Muitas vezes já o fizemos, caímos do cavalo, nos arrependemos, pedimos perdão, mas nãos nos convertemos. Então não adianta.
O que significa a verdadeira conversão? É a mudança completa de pensamento e atitudes, como aconteceu com Paulo. Se não houver mudança de hábito, tudo vai continuar como antes, não passará de apenas mais um episódio em nossas vidas.
Os momentos que estamos vivendo nos conduzem a uma profunda reflexão sobre as nossas vidas. Vamos aproveitá-los para uma mudança verdadeira. Depende de cada um. E cada um na sua individualidade.
(*) Heitor Rodrigues Freire é corretor de imóveis e advogado.