O Paradoxo de Fermi e as pandemias
Em uma descontraída conversa entre amigos, o físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) perguntou “Onde está todo mundo?” ao analisarem uma caricatura de revista que retratava alienígenas, em seus discos voadores, roubando o lixo de Nova Iorque. Da brincadeira sobre nunca terem visto um óvni (objeto voador não identificado), nasceu uma discussão sobre a viabilidade e a probabilidade de existência de vida fora da Terra. Estava criada a origem do que ficaria conhecido como o Paradoxo de Fermi.
Foi o astrofísico estadunidense Michael H. Hart quem, em artigo de 1975, aprofundou cientificamente essa discussão. De forma simplificada e resumida, o paradoxo baseia-se no fato de que se o surgimento da vida é um fenômeno natural, o universo possui bilhões de anos de existência e são incontáveis as estrelas e planetas, então a probabilidade de existirem outras civilizações inteligentes é extremamente alta. Todavia, até hoje não encontramos absolutamente nenhum sinal, ao menos não de forma confirmada e indiscutível. Nenhuma espaçonave, nenhum contato, nenhum sinal de rádio, nenhuma atividade detectável. Nada! O Universo parece deserto e silencioso.
Para colocarmos em perspectiva, apenas na Via Láctea (a “nossa” galáxia) estima-se a existência de cerca de 10¹¹ a 10¹² estrelas – ou seja, o número 1 seguido de onze ou doze zeros. E, se multiplicarmos isso pelas 10²² a 1024 galáxias do universo, podemos quase formar uma frase apenas com os dígitos desse número. Mesmo que nem todos os sistemas contenham planetas e que apenas uma parte deles seja adequada para a vida, é fácil ver o quão grande é a probabilidade de existir vida fora da Terra. Mesmo com todas as dificuldades de detecção devido às grandes distâncias, os exoplanetas confirmados e catalogados já são quase 5.000 segundo a NASA.
Com tudo isso em mente, é inevitável a pergunta feita por Fermi e muitas são as propostas de resposta, algumas mais agradáveis e outras um pouco mais sombrias. Dentre elas, existe a hipótese de que há alguma barreira muito difícil ou mesmo impossível de ser transposta, momento no qual as civilizações acabam destruídas. Pode ser, por exemplo, que o avanço das armas leve mais cedo ou mais tarde a uma guerra pelo domínio dos recursos naturais e que isso torne, de algum modo, o planeta inabitável. Ou algum tipo de tecnologia – por exemplo, os estudos e experimentos com partículas subatômicas ou novas formas de energia como a fissão nuclear – que uma vez descoberta cause, ainda que acidentalmente, uma destrutiva e incontrolável reação em cadeia.
Todavia, no atual contexto, uma candidata a ser essa grande barreira tornou-se mais evidente: as pandemias. Na medida que a vida se torna inteligente, desenvolve uma civilização e avança tecnologicamente, parece natural prever que ocorra o domínio do planeta, criando-se uma espécie com crescente população e presença global. Isso, por sua vez, a torna um hospedeiro ideal para novas doenças que talvez sejam cada vez mais frequentes e severas. Isso pode, inclusive, ser potencializado pela esperada melhoria nos meios de transporte que aumentam exponencialmente o contato entre grande quantidade de indivíduos em um curto espaço de tempo, mesmo em longas distâncias, rapidamente espalhando as enfermidades.
Recentemente, em especial com o surgimento da variante Ômicron da Covid-19, com grande quantidade de mutações e altíssimo nível de contágio – batendo recorde após recorde de casos diários –, ganhou destaque na imprensa a possibilidade de que ela seja eventualmente menos letal (e tomara que isso seja mesmo verdade), e que essa seria sempre a tendência que ocorreria com as doenças. Ou seja, elas se amenizariam ao longo do tempo. Todavia, existe uma potencial falha nessa análise: é óbvio que até hoje os vírus se comportaram assim, pois no dia em que ocorrer o inverso – um vírus evoluir gradativamente e se tornar mais letal – possivelmente não estaremos mais aqui para rever esse conceito.
E isso só precisa ocorrer uma única vez para demonstrar como, nesse caso, o que sempre foi observado em evoluções pandêmicas anteriores não necessariamente será sempre verdade. A grande quantidade de hospedeiros (somos quase 8 bilhões de humanos), a intensa replicação e a ampla circulação dão ao vírus muitos bilhetes na loteria das mutações e recombinações genéticas. Além disso, a estatística é cruel, pois em tese não se trata de “se” um dia sairá o grande prêmio – um material genético com potencial de extinção da humanidade – mas “quando”. E essa pode ser, enfim, a grande barreira do Paradoxo de Fermi e a razão do silêncio ensurdecedor que nos cerca no universo.
Resta-nos torcermos para que os avistamentos de óvnis, como nas imagens divulgadas oficialmente pelo Pentágono há alguns meses, sejam de fato prova de que não estamos sozinhos no Universo, pois se esse não for o caso, nosso futuro pode não ser tão promissor. Especialmente no espírito deste Ano Novo que se inicia, caberia à humanidade repensar nossas diferenças e indiferenças, nossas ganâncias e avarezas, nossa soberba e visão curta, nosso consumismo desenfreado e desnecessário. Se olharmos mais para o que temos em comum do que para o que nos divide; observarmos com mais humildade e razão a fragilidade da nossa existência e a realidade dos fatos; pensarmos mais no bem coletivo do que nos próprios interesses e convicções; aplicarmos mais a solidariedade do que o egoísmo; valorizarmos mais a conciliação do que o conflito, talvez isso tudo nos traga mais chances e esperança para superarmos a vindoura grande barreira – se ela de fato existir – para quem sabe sermos a exceção ao Paradoxo de Fermi. E, até lá, façamos tudo ao nosso alcance para protegermos a nós e a quem amamos, pois a pandemia ainda parece longe do fim.
(*) Jeanfrank T. D. Sartori é doutorando, mestre em Gestão da Informação pela UFPR, especialista em Business Intelligence pela Universidade Positivo e bacharel em Administração pela UFPR.