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Os “media” e a política brasileira

Waldenyr Caldas (*) | 09/01/2021 08:54

Meu caro leitor, nosso País tem algumas singularidades perceptíveis apenas em momentos especiais, como o que estamos vivendo em face da pandemia do  coronavírus. Antecipo-me, porém, em esclarecer que não se trata de algo inerente ao nosso ethos cultural. Não, não é isso. Até porque, estudiosos da cultura brasileira como Luís da Câmara Cascudo e Darcy Ribeiro, que se dedicaram a fundo sobre nossos hábitos, costumes, comportamentos e tradições não registram as peculiaridades sobre as quais vou tratar aqui.

Mas, para fazer justiça aos dois grandes pensadores da nossa cultura, quero registrar que não seria mesmo possível eles terem estudado esta relação entre os media e a atual política brasileira. Ambos foram de uma época em que a mentira, a desfaçatez e o ludibrio não eram recorrentes nos corredores palacianos do poder Executivo. Aliás, mais do que isso. Ainda não haviam sido literalmente institucionalizados como vemos atualmente. Por um lado, há de se pensar que, viver na época da tecnologia digital e seu grande desenvolvimento, seja sinônimo de acesso a muitas informações bastante precisas e a todo momento. Sim, é verdade, mas tudo isso depende de como o Estado vai se relacionar com os media. Mais precisamente, como esse Estado agirá para que a informação correta, sem parti-pris político-ideológicos e omissões que possam comprometer o entendimento do fato acontecido chegue à sociedade, enfim, ao povo brasileiro.

Desde o início de 2019, isso não ocorre mais em nosso País. O que se observa é uma profusão de notícias desencontradas e contraditórias tratando do mesmo assunto e, mais do que isso, ideologizadas, ainda que em prejuízo da boa informação e da verdade. O mais estapafúrdio nesse contexto, é que essas notícias são originadas com a anuência (talvez ordem mesmo) do próprio Palácio do Planalto. Até porque, um ministro de Estado ou qualquer funcionário do alto escalão do governo, teria o bom senso de só divulgar notícias de decisões depois de aprovadas por seus respectivos superiores.

Para não me alongar nesta questão, quero citar apenas um exemplo recente que diz respeito ao laboratório Sinovac, fabricante da vacina chinesa Coronavac. É um exemplo empírico que ilustra muito bem os desmandos planaltinos, suas incoerências e, sobretudo, a indelicadeza do chefe do poder Executivo para se relacionar com seu staff. Este caso se deu da seguinte forma: indagado por um jornalista sobre o entendimento do governo brasileiro com o laboratório Sinovac para comprar 46 milhões de doses da vacina Coronavac, o ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi categórico em afirmar que, de fato, o Brasil compraria vacinas da China. Pois bem, em nítido desprezo e desrespeito à afirmação do ministro da Saúde, ao jornal baiano A Tarde, a maior autoridade política do País postou a seguinte mensagem nas redes sociais: “A vacina chinesa do João Dória. Para o meu governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, precisa ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Minha decisão é a de não adquirir esta vacina”.

Aproveito aqui, para esclarecer que situações como este exemplo que mencionei são recorrentes e não apenas exceções. O discurso do chefe do poder Executivo é político e demagogo, sempre. Trata-se de uma declaração para que a grande imprensa divulgue e com isso, claro, crie uma espécie de exaltação à sua imagem como um presidente preocupado com a saúde do seu povo. Mas, parte dos ouvintes não reflete sobre a mensagem que acabou de ouvir. É evidente também que uma parte da imprensa apenas divulga a informação em si mesma e pronto, cumpre seu papel social. Faz um jornalismo informativo e pronto, fica por isso mesmo. Ou porque este procedimento faz parte da liturgia do seu trabalho, ou ainda porque intramuros o jornalista da matéria é compelido a fazê-lo obedecendo ordens superiores. O leitor um pouco menos atento ou até mesmo desavisado lê a notícia, acredita e a reproduz em seu universo cotidiano e nas suas relações pessoais.

Assim, um pronunciamento notoriamente político, populista e demagógico induz o leitor a acreditar em algo que não é verdadeiro. A mesma situação ocorre nas redes sociais, mas nesse caso, com um agravante bem mais sério. A ribaldaria se impõe, reina soberana, justamente por falta de uma legislação mais consistente, que possa regulamentar melhor as relações entre as redes sociais e a própria sociedade. Por enquanto, temos apenas o projeto de lei 2630 de 2020, que ainda tramita no Senado Federal. Este projeto procura estabelecer normas que dizem respeito à transparência e a veracidade do que veiculam as redes sociais. A “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet” objetiva, entre outras coisas, exatamente o combate à desinformação, bem como estimular e aumentar a transparência na internet, evitando assim que sejamos ludibriados pelo discurso tolo de um impostor mal intencionado. Estão previstas sanções aos cidadãos que descumprirem a lei. Se é com base no jogo da mentira, da desinformação e do charlatanismo que os impostores triunfam sobre as pessoas de boa-fé, logo, logo, terão que ficar mais atentos a esse procedimento espúrio. A lei ainda que tardia, será muito bem-vinda.

Essa profusão de informações, desinformações e contradições do Palácio do Planalto, causa profunda estranheza a qualquer cidadão de bom senso. Se isso acontece por incompetência, é muito grave; se ocorre por pura maledicência e sordidez, é gravíssimo. Seja como for, uma coisa é certa: isto caracteriza improbidade administrativa neste momento, justamente por causar sérios danos à saúde do povo brasileiro, além de considerável prejuízo em face da paralisia da nossa economia que permanece em compasso de espera aguardando a imunização coletiva da população, para estimular os setores da produção e o consumo.

A evidência dos fatos atesta que o presidente boicota a vacinação em nosso País. Por conta disso, está sempre dificultando o trabalho de vacinação da população brasileira, tentando junto à opinião pública desacreditar e desmoralizar a pesquisa científica. Ele tem feito sistematicamente e de forma acintosa, aparições públicas intencionais, para simplesmente debochar dos efeitos benéficos que a vacina trará aos brasileiros. Esse deboche, embora já seja de domínio público, e é exatamente esse seu objetivo, consiste em criar aglomerações, não usar máscara e, de forma ostensiva, abraçar as pessoas e se deixar abraçar. Já declarou publicamente que não tomará a vacina, o que é uma forma de induzir também outras pessoas a não fazê-lo. Mas, para melhores esclarecimentos, convém pensarmos um pouco sobre essa afronesia e agressividade descontrolada do chefe do Executivo, a figura inegavelmente mais importante no cenário político brasileiro, quer queiramos ou não.

Considerando que os media cobrem sistematicamente todas as suas aparições públicas, essa atitude tem um efeito extremamente negativo para o combate ao coronavírus. E aqui o raciocínio é claro, objetivo e direto: se o presidente anda sem máscara, se encontra com as pessoas e ainda as abraça, é porque esse coronavírus não é tão perigoso assim. Ora, isso coloca em dúvida junto a um público considerável e indiferenciado, a credibilidade da imprensa séria, honesta em suas apreciações, mas não de boa parte da chamada “imprensa marrom” considerada sensacionalista, interessada apenas em altos níveis de audiência, mas sem compromisso com a verdade e a ética dos profissionais da notícia e da informação. É precisamente este tipo de veículo de comunicação que vem dando apoio às insensatezes do chefe do Executivo. Diante desse quadro, o que vemos é boa parte dos media dando aos borbotões, informações vazias ao cidadão, que muito mais desinformam do que propriamente informam. Os estudos das Ciências Humanas, especialmente a Teoria da Comunicação, nos ensinam que o excesso de informações, por diversos motivos, quase sempre produz o efeito inverso. É o que aprendemos ao ler a obra do sociólogo francês Jean Baudrillard. Não se sabe se este é o objetivo do Palácio do Planalto nesse momento pandêmico.

Dizer que a chamada “sociedade da informação” avança, psicologicamente diminui as distâncias e se moderniza, tudo isso me parece verdadeiro. Mas, me parece também que, desde 2019 estamos correndo sobre a esteira, não avançamos e não retrocedemos. Isto porque, são tantas as informações e desinformações, contradições, indecisões, confirmações e desmentidos vindos do Palácio do Planalto, que já não sabemos mais onde está a notícia correta, ou até mesmo se existe alguma informação a ser dada. O que prevalece é um verdadeiro quiproquó, a vaguidão inespecífica dos acontecimentos, um esoterismo inexplicável, uma espécie de “buraco negro” da comunicação onde tudo se fala, nada se esclarece. Só vemos incoerências e o receptor se sentindo como se fosse um alienado, desconhecendo seu próprio estatuto social como cidadão participante de uma sociedade que passa por um delicado momento de saúde pública. Rigorosamente, ele se sente compelido a quedar-se à espera de como agir diante de tanta incompetência do governo em informar à sociedade.

Caro leitor, é possível que, quando você estiver lendo este artigo, já tenha um cronograma para a vacinação dos brasileiros, mas eu o escrevo no dilúculo de 2021, quando toda a União Europeia, Estados Unidos, Israel, Chile, Argentina e diversos outros países já vacinaram alguns milhões de pessoas. De qualquer forma, convém deixar registrado para futuros consulentes o desleixo, a negligência e a má vontade de como o governo administra este momento pandêmico que estamos vivendo. É inacreditável, mas o presidente continua sua política de boicote à vacinação dos brasileiros e desdenhando das conquistas da ciência e de cientistas que produziram a vacina contra esse aflitivo momento que vive a humanidade. Todos os países acima citados começaram a se planejaram para a vacinação, ainda no mês de outubro de 2019. De nossa parte, não temos sequer um cronograma para fazê-lo. Não fosse a incompetência do chefe do Executivo e sua notória má vontade, a omissão do Ministério da Saúde que nada faz, e a balbúrdia no processo de comunicação do governo, que intencionalmente produz factoides e se desmente a todo momento, certamente estaríamos em uma situação muito melhor ou, quando menos, menos aflitiva.

Mas, não bastasse a gravíssima situação de saúde pública que estamos vivendo, temos ainda um governo que em alguns momentos falta com a verdade, se relaciona pessimamente com a grande imprensa, prefere chamá-la de mau caráter e, aos poucos, vem perdendo a consideração e o respeito da sociedade brasileira. Aprendemos em Sociologia com o pensador alemão Max Weber, o significado e a ação de liderança. O líder racional ou legal, ganha legitimidade junto à sua comunidade. O poder da autoridade é legalmente, constitucionalmente assegurado. Em países democráticos como o Brasil, este poder e autoridade são conquistados legitimamente pelo sufrágio universal, isto é, o direito que o cidadão tem de escolher seus governantes por meio do voto. O líder carismático decorre de qualidades pessoais inatas, como por exemplo, forte ascendência e fascínio que pode exercer sobre um grupo. Justamente por seu carisma, o líder cria uma empatia, confiança e admiração da sua comunidade que o reconhece como uma pessoa competente, o suficiente para ganhar a legitimidade de todos. Tudo isso, claro, decorrente dos seus atributos carismáticos pessoais.

Pois bem, agora faço apenas uma pergunta ao caro leitor: em que tipo de líder podemos identificar nosso presidente? Se tivéssemos em uma conversa presencial, certamente alongaria meu discurso, daria mais detalhes, analisaria as sutilezas do poder, mas como isso não é possível nesse momento de caos na saúde pública do nosso país, serei objetivo em dar minha opinião. Para mim, ele está a anos-luz de distância de ser um líder minimamente aceitável. Aliás, ele não é um líder, é apenas um presidente que vem perdendo prestígio sempre que resolve se pronunciar sobre os problemas brasileiros.

Seria menos grave se essa perda de prestígio não tivesse atravessado as fronteiras do nosso País e ganhado o mundo como notícia. Mas, lamentavelmente, para nós como País, temos hoje uma péssima imagem mundo afora. Somos motivo de chacotas, de zombarias, e de artigos, ensaios, análises e comentários desairosos, pesados, mas infelizmente verdadeiros, de toda a imprensa internacional. Desde o início do seu mandato, tenho a impressão de que o presidente ainda não percebeu a magnitude do país que governa. Somos uma população de 215 milhões de habitantes e temos um PIB – Produto Interno Bruto sempre entre as dez maiores economias do mundo. Nesse momento, justamente em face dessa pandemia devastadora, somos apenas o décimo quinto país em ranking de crescimento mundial, entre os 44 países nomeados pela agência de classificação de risco Austin Rating. Certamente voltaremos a melhorar essa posição. Se não até 2022, com certeza, a partir de 2023, quando teremos muito provavelmente, novo presidente. Mas, será que teremos mesmo? O chefe do poder Executivo de um país como o Brasil não pode ser confundido e nem agir como se fosse um sheriff do velho oeste americano no século XIX. Sua forma agressiva e autoritária de falar com a imprensa, lembra muito mais um cavaleiro do velho oeste americano, quando chega ao bar para pedir uma bebida, do que um presidente dando entrevista.

A diplomacia brasileira, por exemplo, sempre foi muito respeitada e elogiada internacionalmente, diferentemente do que vem ocorrendo em seu governo. O Brasil nunca foi da turma da pólvora para resolver seus problemas, ao contrário, o respeito da diplomacia brasileira no plano internacional, advém justamente da procura pelo diálogo e a razoabilidade, mesmo nos momentos mais tensos quando foi solicitado internacionalmente para participar como mediador de delicadas questões entre países.

Termino aqui, pedindo que deixemos a pólvora fora do nosso caminho, que nosso País consiga no mínimo 70 milhões de vacinas para podermos erradicar essa terrível pandemia. E evidentemente, peço respeito e um voto de louvor à imprensa brasileira e aos seus respectivos profissionais. Nossa imprensa não é mau caráter como disse o presidente, ao contrário, são profissionais de bom caráter.


(*) Waldenyr Caldas é professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP

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