Palestinos. A solução final
Em 1942, autoridades nazistas se reuniram em Wannsee, Berlim, para implementar a “solução final” para a questão judaica. Foram discutidos temas como a definição de quem era judeu, do ponto de vista social, religioso e genético, e, friamente, qual deveria ser o método para se implementar a eliminação desse povo, que “poluía” a sociedade germânica, de acordo com as leis de Nuremberg.
Essa solução deveria ser executada rapidamente, pois não havia espaço físico e alimentos para mantê-los, já que a imigração não teve os resultados esperados. Tratava-se simplesmente de eliminar os judeus do solo sagrado germânico, o “Lebensraum”. Portanto, uma limpeza étnica, friamente calculada. Poucos relatos sobreviveram, e Eichmann teria sido testemunha importante, por ter estado lá, mas foi morto em Israel. Em filme sobre o tema, cujo título é Conspiração, rodado no local original, a frieza e desumanidade dos diálogos entre os protagonistas contrastam com uma obra de arte, um quinteto de Schubert utilizado como fundo musical, de uma profundidade extrema, questionando como um povo culto pode degenerar para a barbárie. São paradoxos morais dentro de uma sociedade desenvolvida.
Atualmente, temos outros exemplos, e todos com “ideólogos” donos de verdades que servem apenas a determinados segmentos da humanidade. Herzl e Jabotinsky levaram adiante ideias baseadas em textos do Deuteronômio, preconizando a destruição de um povo em detrimento de outro superior, tal e qual o grupo nazista, e isso muito antes do Holocausto. Lançaram as bases do sionismo, e tinham discussões sobre como entrar em uma terra previamente habitada. Sabiam que a população nativa, milenar, vivia pacificamente, mas não iria aceitar sem resistência. As formas de como se apoderar da região foram discutidas, com o apoio das potências ocidentais. Estas deixaram a impressão que não os queriam, desejando sua colocação em outro local.
Mas, como executar esse plano, sem ter acordos com os locais? Programas poderosos de propaganda, influência política e econômica estabeleceram mitos para justificar o injustificável. Em suas ideias exclusivistas e sectárias, não aventaram a possibilidade de emigrar e integrar de forma civilizada. Uma minoria convivia pacificamente com os que lá estavam, mas queriam uma sociedade exclusivista, unicamente judaica, havendo a necessidade de uma limpeza étnica, seguindo as determinações do Velho Testamento. Impressiona, como no exemplo anterior, que um povo com uma formação humanística tão elevada pudesse se render à barbárie, que se mantem até hoje, deturpando fatos e criando novos mitos.
Novamente paradoxos morais dentro de uma sociedade culta, rendendo-se a ideologias. Repetem Schubert em Wannsee, e iniciaram uma limpeza a longo prazo. Os nazistas queriam rapidez, os sionistas aplicaram a limpeza étnica lenta, como política de Estado. Tentam justificar com malabarismos semânticos, mas sem sucesso, perante um mundo submisso a algo “maior”. “A terra é nossa, e só nossa. Jerusalém é só nossa”, em profundo desrespeito às outras religiões. Vilas destruídas, demolições generalizadas, expulsões injustificadas, noites de cristais todas as madrugadas em residências palestinas, uso de armas sob qualquer suspeição, matando indiscriminadamente crianças, que lotam prisões, tal e qual o coronel nazista do filme A Lista de Schindler que treinava tiro ao alvo em judeus inocentes. Ofendem as raízes do humanismo cultural judaico. Serão esses radicais realmente judeus? Após tomar toda a terra, e se livrar dos palestinos, o próximo passo será a destruição de mesquitas sagradas para a construção do Terceiro Templo. Imagino qual será a reação.
O Ocidente fala há décadas em dois estados. Obama e Carter tentaram, e foram massacrados, tendo sido taxados de antissemitas, por procurarem a paz. Não eram “amigos de Israel”. O que significa “amigos de Israel”? Biden prometeu, e obviamente não cumpriu, colocando uma lápide no túmulo palestino. Ele, que é tão preocupado com direitos humanos, e com a anexação de territórios da Ucrânia. O Oriente Médio é diferente? Anexação naquela região está sendo feita sob os desígnios de Deus.
Esse lado belicoso, fanático, etnocêntrico, supremacista, indiferente à opinião alheia é, como dizia Hannah Arendt, exemplo do humanismo judaico, responsável pelo aumento do antissemitismo. Tão cultos, e tão cegos, dependentes de ideologias que não cabem mais na humanidade. Enquanto houver o pensamento “nós somos melhores”, estamos fadados a assistir a esses horrores. O diálogo final do filme Munich é tocante. O ex-agente do Mossad afirma: “Vamos dividir”. Não foi ouvido.
(*) Charles Mady é professor da faculdade de medicina na USP.