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O direito do trabalho e a geração de empregos

Luciana Pereira de Souza (*) | 17/01/2023 08:30

No Brasil, atribui-se ao direito do trabalho a culpa pela retração da empregabilidade e, paradoxalmente, a missão de gerar empregos. Tanto é assim que durante a tramitação do projeto de lei nº 6787/2016 (convertido na Lei nº 13.467/2017), o relator Deputado Rogério Marinho, prometeu melhorar os índices de empregabilidade.

O direito do trabalho surgiu em razão da necessidade de regular as relações laborais, adquirindo mais adiante, a feição de instrumento de realização de direitos sociais. Apesar de seu inegável poder de interferir no mercado de trabalho, o desemprego estrutural ou os altos índices de desocupação decorrem de diversos fatores, tais como as mudanças da vida em sociedade ou dos hábitos de consumo, dinamizados pelo advento da tecnologia.

Os dados estatísticos colhidos nos últimos cinco anos da reforma trabalhistas confirmam que a lei não tem o poder de criar empregos, tampouco a supressão de direitos ou flexibilização das relações laborais é suficiente para manter os níveis de ocupação.

É necessário observar que as mais impactantes alterações legislativas operadas pela Lei nº 13.467/2017, em verdade, buscaram atingir a litigiosidade tida por "excessiva", adotando mecânicas artificiais de contenção de conflitos, tal como a imposição de ônus ao sucumbente na ação, mesmo que beneficiário da justiça gratuita (artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT, dentre outros), em sistemática não verificada sequer nos processos comuns.

Em outubro de 2021, parte dos dispositivos celetistas em questão foram declarados inconstitucionais pelo STF na ADI 5766. Contudo, dado o exíguo tempo decorrido desde o julgamento dos embargos declaratórios (concluído em 21/06/2022), ainda não é possível aferir os verdadeiros impactos na quantidade de ações trabalhistas.

A este respeito, notícias recentes sinalizam para redução drástica do número de ações, pautando-se em dados fornecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho[3] até setembro de 2022, que apontavam até então 1,263 milhão de novas ações. Entretanto, promovem o cotejo da quantidade acumulada no ano de 2016 (que apresentou recorde histórico, com 2,756 milhões de novas ações) e de 2021 (ainda sob a rigidez e onerosidade das demandas, impostas pela reforma, com 1,556 milhões de ações), não refletindo desse modo, os possíveis efeitos da decisão da ADI 5766 pelo STF.

Portanto, a reforma trabalhista falhou tanto em seu intuito autodeclarado, de gerar novos empregos, como em seu objetivo escuso de conter demandas, ainda que neste último caso, o resultado final verificado se justifique pela interferência do STF, que em boa hora restaurou o acesso à justiça (direito fundamental) também ao beneficiário da gratuidade.

A reforma trabalhista também flexibilizou regras de gestão da duração do trabalho medido pelo tempo à disposição (exclusão da jornada in itinere); eliminou intervalo antes obrigatório, para o início da prorrogação de jornadas pelas mulheres; ampliou as mecânicas de compensação de jornada; fixou a natureza indenizatória do valor pago pelo tempo suprimido do intervalo intrajornada; aumentou as hipóteses de fracionamento de férias; eliminou a obrigatoriedade de assistência sindical na rescisão contratual, dentre tantas outras mudanças, todas relacionadas à execução do contrato de trabalho.

Parte desses temas ainda serão analisados pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade, não se verificando consenso jurisprudencial nos Tribunais do Trabalho sobre os questionamentos advindos da mudança atabalhoada de preceitos substanciais que até então encontravam-se consagrados no direito material do trabalho. O próprio TST ainda decidirá se os dispositivos alterados são aplicáveis aos contratos em curso ou se, ao contrário, somente poderão atingir os contratos firmados após o advento da lei nova.

Mas é certo que a reforma não propiciou o aumento da empregabilidade, como também falhou com mecanismo de melhoria das condições sociais ou da manutenção dos postos de trabalho, não impedindo o aumento da precarização ou da informalidade, notadamente quando restou instalada a crise sanitária (COVID-19) em 2020, confirmando a complexidade da crise estrutural de desemprego e a simbiose entre o direito do trabalho e a economia.

A Lei nº 13.467/2017 também inovou ao fixar a prevalência do negociado sobre o legislado (com indicação no artigo 611-A, da CLT, de temas passíveis de serem objeto de negociação coletiva) ou ao eliminar a contribuição sindical compulsória. No entanto, tais aspectos, novamente não interferem na geração de postos de trabalho, valendo observar que a atuação sindical na realidade brasileira ainda é centrada na unicidade (sindicato único por categoria/base territorial), com legitimidade para representação dos trabalhadores inseridos em relação formal de emprego (trabalho subordinado), não havendo a princípio, organização sindical voltada para proteger ou representar trabalhadores não subordinados ou pulverizados, a exemplo do trabalho por plataformas ou 'uberizados'. Ademais, não pode passar despercebido que neste ponto, a reforma trabalhista a um só tempo privilegia a negociação coletiva e retira de imediato a fonte de custeio das entidades sindicais, inviabilizando (ou ao menos dificultando sobremaneira) sua atuação voltada a pactuar ajustes setorizados.

É possível afirmar que dentre as inúmeras alterações promovidas na legislação, a criação do trabalho intermitente efetivamente se caracteriza como a mais significativa (ou talvez a única) medida relacionada, diretamente, às modalidades de contratações e, portanto, em tese capaz de propiciar a geração de emprego. Porém, afora o mal uso deste novo tipo contratual, sua utilidade tende a se restringir às atividades empresariais marcadas pela sazonalidade ou períodos excepcionais (como aquele verificado durante a pandemia), por instituir flexibilidade na absorção da força de trabalho, desonerando o empregador durante os períodos de inatividade do trabalhador.

Mas por certo, não se destinará às demandas que exigem produção ou atuação contínuas, além de ser elevado o custo social incorrido, por maquiar dados relacionados às taxas de ocupação, sem promover melhoria das condições sociais, haja vista a fragilidade do vínculo que institui entre as partes contratantes, causando aos trabalhadores intermitentes incerteza quanto a renda a ser obtida por seu intermédio ou quanto aos períodos de convocação.

Por fim, constata-se a insuficiência de mecanismos eficazes para combater problemas estruturais de formação, qualificação e requalificação profissional, sobretudo em razão das mudanças impulsionadas pela revolução tecnológica. Vale dizer, desde 1988 aguarda-se a concretização da proteção do trabalhador em face da automação (artigo 7º, XXVII da CF), e não obstante seja certo que a robotização e demais mudanças substanciais nos processos produtivos afetam, negativamente, o mercado de trabalho, os programas sociais criados foram insuficientes e insatisfatórios para mitigar estes efeitos.

A automação ou robotização dos setores produtivos tem o potencial de atingir trabalhadores de um setor, unidade de negócio ou até mesmo toda uma categoria profissional, não raro acarretando dispensas em massa. Por essa razão, embora fosse necessário prever seus impactos nos postos de trabalho, sendo certo que a defesa dos interesses dos empregados demandaria negociação coletiva por intermédio dos sindicatos, a CLT reformada afastou a obrigatoriedade de negociação coletiva para dispensa em massa (artigo 477-A), inviabilizando o estabelecimento de contrapartidas para os trabalhadores afetados, tais como ofertas de cursos de qualificação para reaproveitamento em outras atividades ou funções.

Finalmente, importante destacar que a reforma trabalhista não se restringe às alterações promovidas pela Lei nº 13.467/2017, pois a atividade legiferante tem sido intensa no direito do trabalho, verificando-se profundas e constantes mudanças nas relações laborais. Todavia, se destinam mais ao fortalecimento da atividade econômica, através de medidas que reduzem o custo da mão de obra, flexibilizando o rigor das normas de proteção, aumentando as linhas de financiamento de empreendimentos empresariais através de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) ou PIS (Programa de Integração Social), a pretexto de, por consequência, gerar novos postos de trabalho. Todavia, não se concentram no cerne da problemática, deixando de considerar que nem sempre o emprego desses recursos se traduz em novos postos de trabalho.

(*) Luciana Pereira de Souza é mestre em direito do trabalho pela PUC-SP.


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