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PEC 215 e o princípio da imparcialidade

Por Lucas Abes Xavier (*) | 28/05/2014 11:53

Em um Estado democrático de direito, todos os cidadãos se sujeitam a regramentos para a vida social, como por exemplo, nas esferas penais, cíveis, trabalhistas, etc. Tais normas tem caráter cogente e a resolução de discussões é submetida a uma série de procedimentos, aos quais são chamados de processo.

Mesmo que administrativos, os processos seguem regras, respeitam normas que pautam o seu regular andamento e, em caso de inobservância de tais normas, a nulidade é absoluta.

Feitas tais considerações, chamamos a atenção para um princípio basilar da vida comum que é o Princípio da Imparcialidade.

De modo objetivo, tal princípio prevê que o julgador deve ser pessoa capacitada para o julgamento e que guarde distância equivalente entre as partes. Explico melhor. O julgador não pode ter interesse, proximidade ou ter atuado anteriormente em outra fase.

O Princípio da Imparcialidade está previsto na Declaração Universal dos Diretos Humanos, na Constituição Federal e na Lei de Processos Administrativos Federais.

Apesar da importância e de ser condição sine qua non para o desenvolvimento válido de um processo, judicial ou administrativo na seara agrária, tal princípio é flagrantemente violado.

Os processos de demarcação de terra indígena (Decreto Lei 1.775) e a desapropriação para Reforma Agrária (Lei 8.629) atribuem respectivamente a FUNAI e ao INCRA os poderes de identificar, avaliar e expropriar (ou demarcar) as referidas áreas, servindo como órgãos julgadores de recursos administrativos, sendo interessados e julgadores de seus próprios procedimentos.

É notório e incontestável o interesse dos dirigentes de ambos órgãos federais na garantia de que os trabalhos demarcatórios permaneçam como proposto por eles, sendo totalmente parciais nos julgamentos de defesas no âmbito administrativo.

Relembre-se ainda, que a FUNAI foi criada em substituição ao Serviço de Proteção ao Índio (S.P.I), e uma das finalidades deste órgão é a proteção dos índios (Lei 5.371/67), vindo daí o notório interesse deste órgão .

Outro ponto que merece destaque no que tange a demarcação de terras indígenas é o fato de que o proprietário da área é intimado para apresentar defesa somente na parte final do procedimento, ou seja, lhe é vedado participar dos grupos técnicos que fazem os estudos antropológicos (a produção de prova em processo administrativo). Até hoje não se tem notícia de que a FUNAI tenha acatado, pelo menos em parte, defesa apresentada por produtor rural.

Em consonância com o exposto, a Proposta de Emenda a Constituição (PEC 215) retira a competência da FUNAI para demarcar terras e a transfere ao Congresso Nacional, bem como a revisão das áreas já demarcadas.

Esta mudança em nossa Lei Maior não pretende diminuir o direito dos povos indígenas e tampouco proteger qualquer setor, mas somente retirar o poder de julgamento de um órgão com interesse em um desfecho específico, dando aos jurisdicionados segurança na apreciação de defesas.

A PEC 215 nos moldes propostos na Câmara dos Deputados dará maior segurança e crivo de seriedade para futuras demarcações, por possibilitar o debate pelo Congresso Nacional e tirar os "superpoderes" de um órgão que defende uma das partes envolvidas.

(*) Lucas Abes Xavier é advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil e ex-presidente da Comissão de Assuntos Agrários da OAB/MS.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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