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Práticas da Museologia e o movimento LGBT

Elisângela Silveira de Assumpção (*) | 25/01/2022 13:29

No atual cenário, diante das tentativas de sufocar a diversidade em meio a um universo ficticiamente heteronormativo, parece que apenas eventos que conquistam repercussão midiática e de abrangência nacional ou internacional, como o fechamento da Exposição Queermuseu, é que sofrem certos tipos de repúdios. Em contrapartida, eventos de pouca visibilidade nem entram para a história; geram, contudo, igual descontentamento e traumas aos indivíduos que buscam constituir um legado positivo para as próximas gerações.

Gerar legitimidade e credibilidade por meio do discurso engajado em uma comunidade é propiciar interação local; a hora é de engajamento social, não se tem tempo a perder, pois atualmente vidas são arrancadas do convívio social pela violência – combater esse comportamento é uma das prioridades no movimento LGBT. Realizar atividades que dão protagonismo às pessoas LGBT e sensibilizam coletivamente para uma mudança social, política e econômica propicia a conscientização vinculada à lembrança no reconhecimento de tensões vivenciadas pelos portadores dessa mesma memória.

Nesse sentido, o nuances – Grupo Pela Livre Expressão Sexual, representante da comunidade LGBT, experienciou ações expográficas no decorrer dos seus 30 anos e aponta que preservar a memória tem o sentido de relembrar para não repetir os erros nem sucumbir ao retrocesso, tanto nas causas voltadas à saúde da população LGBT quanto ao compreender as faces da cultura da diversidade.

O grupo optou por se utilizar de expressões ousadas e eróticas em seu roteiro para chamar atenção para suas militâncias, ressignificando, assim, expressões pejorativas de maneira bem-humorada, propiciando maior visibilidade às lutas e positivando suas ações; solidificando a sua relevância para os públicos de referência e para todos os que desejem assimilar com mais intensidade a importância que cada indivíduo possui na constituição da sociedade.

O nuances buscou expressar as falas oprimidas e ostentar a sua memória em ações que começaram tímidas, mas que sempre foram relevantes num caminhar que se mantém atual, porém com uma crescente maturidade e com profundo embasamento.

A Museologia vem atravessando décadas de autêntico empenho em vias de qualificar cada vez mais suas atividades e se opondo aos gabinetes de curiosidades que resistem ao tempo. Assim, com intuito de realizar exposições que propiciam lembranças, bem como ressignificações de antigas lembranças, aproxima o passado do presente e legitima coletivos e ativistas em suas causas genuínas.

O curso de Museologia da UFRGS e o nuances uniram-se a partir de práticas como curadorias compartilhadas, montagens de exposições, pesquisas, seleção de acervo entre outros desafios no âmbito da expografia, abrangendo aspectos de planejamento, metodologia, política e técnica. Assim ocorreu a realização de três trabalhos de êxito comprovado pelo público visitante, que foi crescente no decorrer dos eventos.

Enquanto edificadores da própria memória, curadores e curadoras trouxeram para o contexto expositivo as dores, os marcadores sociais, bem como as atuações coletivas, para a preservação dos direitos ligados às questões LGBT.

Construir o percurso da memória LGBT é, em grande parte, uma trama que é tecida por histórias orais, sem muitos elementos tridimensionais que a pontue, ou seja, sem objetos que sirvam de registros dessas histórias. Isso acontece pelo fato de que, até o dia de hoje, não se teve a ação de nenhuma instituição museológica gaúcha que se detivesse a preservar as indumentárias de personagens constituintes dessa jornada nas esferas sociais, políticas e culturais. Sendo assim, se faz necessária a constituição de uma coleção LGBT, pois, além de os artefatos pertencerem ao universo performático dessa comunidade, constrói-se dessa forma a sua história, sendo possível revelar características e idiossincrasias como vestígios de quem somos, de nossos hábitos; são os registros de nossa trajetória e de nossos costumes em determinada época e local.

Nesse ínterim, a territorialidade se demonstrou tema de grande importância nesse meio e pôde se constituir através da indicação de espaços de sociabilidade LGBT na cidade de Porto Alegre.

Trazer aos holofotes falas consideradas das minorias tende a enriquecer os processos expositivos, bem como diversificar os tipos de expressão. Nesse sentido, criar novas configurações expositivas traz dinamismo e atualidade às instituições, pois a articulação entre museu, memória e criatividade contribui para a transformação social. É preciso construir uma Museologia LGBT efetivamente, a fim demonstrar que a Museologia não pode mais silenciar sobre a temática LGBT nem sobre as inúmeras lutas que os brasileiros travam: as lutas dos povos originários, das comunidades negras, das pessoas com deficiências, etc.

Intencionalmente, as instituições museológicas devem estar preparadas para despertar emoções em seus públicos, como interesse, curiosidade, surpresa, entre outras vivências que são consequências de um processo de pesquisa curatorial que gera fluidez no projeto expográfico e proporciona ao visitante uma breve apropriação de sentido. Faz-se essencial apropriar-se da diversidade pulsante e refutar o preconceito e outras barreiras atitudinais que não permitem transmitir as possibilidades que uma exposição com temática LGBT proporciona. Assim, a expologia responde ao processo de absorção e mudança de cultura, conferindo um aprendizado único como resultado.

Os diálogos promovidos pela curadoria compartilhada elencaram pessoas e propostas que juntas fortalecem tanto a causa LGBT quanto a comunidade gaúcha. Para a Museologia, associar patrimônio e movimentos sociais LGBT é um exercício de criar ressignificações e de contribuir para gerar empoderamento às minorias, além de proporcionar debates, exposições e ações educativas sobre temas considerados tabus sociais, abrindo para essas vozes um canal de representatividade e legitimidade nas instituições museológicas.

(*) Elisângela Silveira de Assumpção é estudante do 7º semestre do Bacharelado em Museologia da UFRGS.

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