Risco da mudança no Código Florestal pode penalizar vanguarda de MS
O Supremo Tribunal Federal (STF) está com pauta para promover alteração no Código Florestal que ameaça um trabalho de vanguarda de Mato Grosso do Sul em termos de promover a conservação e o desenvolvimento sustentável.
O entendimento que aparentemente está se formando na mais alta Corte do Brasil é onde está o grande risco para um possível retrocesso no trabalho de compensação ambiental. Por isso, é fundamental entender esse tema para garantir avanços na legislação e caminhar para uma ação efetiva de preservação, demanda tão urgente em termos globais.
O Código Florestal prevê, em seu artigo 66, III, §6º - III e §7º, a possibilidade de compensação de reserva legal entre unidades da federação distintas, desde que os estados envolvidos declarem as áreas como prioritárias.
O Estado de Mato Grosso do Sul, por meio do Decreto nº. 14.273, de 8 de outubro de 2015, em seu artigo 11, transformou o Pantanal sul-mato-grossense em área prioritária, para os fins do que dispõe a lei acima, visando, assim, garantir a proteção do bioma e possibilitar a compensação de outros biomas dentro do Estado de Mato Grosso do Sul.
Vale destacar que Mato Grosso do Sul é o único Estado que tem os biomas Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal. Acrescentando a essa característica tão peculiar, o Pantanal é o único bioma que é um “retalho de outros biomas”. Existem 11 pantanais distintos, que apresentam características marcantes do Cerrado, do Chaco, da Mata Atlântica e da Amazônia.
De fato, o Pantanal não tem características próprias, ele é formado por vários biomas e por isso carrega uma riqueza em diversidade extraordinária. Nesse contexto, considerando o bioma como critério de compensação de reserva legal (conforme artigo 35, §1º - III, do Decreto nº. 13.977, de 05 de junho de 2014), o Estado de Mato Grosso do Sul foi um dos que mais avançou na implementação do CAR e do Código Florestal.
Todavia, o julgamento recentemente iniciado pelo STF caminha para instituir o critério de identidade ecológica para todas as formas de compensação de reserva legal, 11 anos após a edição do Código Florestal. Se esse caminho for seguido, vai ser criado uma insegurança jurídica com sérios impactos para a implementação do Código Florestal pelos Estados, especialmente para o Mato Grosso do Sul.
Na prática, a medida em votação pelo STF estabelece que se restaure áreas há muito tempo desmatadas em locais próximos ou até mesmo na microbacia do CAR a ser regularizado. Porém, é provável que isso não vá ocorrer e, pior, que por tal razão o CAR e a implementação do Código não avancem, mesmo em Estados como São Paulo, que não tem mais problema fundiário.
Mas qual seria a razão? Simples: há inviabilidade econômica para um produtor alterar o uso da terra em uma área que está apresentando produtividade com cana-de-açúcar, por exemplo, para desativar a cultura plantada e substituí-la por uma floresta ou uma vegetação de cerrado que existiu naquele território há mais de 200 anos. Ou, ainda pior: não vai gastar R$ 100 mil por hectare, comprando uma área vizinha produtiva, para restaurá-la como compensação.
É inviável e é exatamente esse ponto que está travando o CAR e a implementação do Código Florestal. A saída inteligente e exequível em termos sustentáveis e com foco no desenvolvimento é utilizar áreas ainda com grande parte do território conservado e valor por hectare adequado ao aspecto de conservação.
Claro, é preciso atentar-se para a questão dessa área apresentar semelhanças ecológicas, como é o caso do Pantanal, e onde o valor por hectare chega a ser 30 vezes menor. A regularização do CAR para um proprietário rural com passivo ambiental de 100 hectares no cerrado sul-mato-grossense, por exemplo, que custaria R$ 10 milhões (100 hectares x R$ 100 mil), passaria a custar R$ 300 mil (100 hectares x R$ 3 mil) no Pantanal.
Na prática, essa regra utópica de ter que restaurar a própria fazenda localizada em áreas de alta produção ou em áreas vizinhas que o valor por hectare é muito elevado, o que ocorre em regiões extremamente produtivas, está fazendo com que o Código Florestal não seja implementado e não avance, mesmo após 11 anos da sua promulgação.
O julgamento em questão foi suspenso pelo STF, em virtude de pedido de vista. É necessário pensar uma forma de evitar a piora do mecanismo, pois, se queira ou não, Mato Grosso do Sul foi o Estado onde o CAR mais avançou justamente porque entendeu ser possível compensar áreas de cerrado altamente produtivas em território semelhante encontrado no Pantanal.
Diante do cenário detalhado aqui, o entendimento que vem se firmando na Corte Suprema para substituir o critério do bioma pelo da identidade ecológica desconsiderou que o Código Florestal também previa o critério de áreas prioritárias, e vai funcionar, na prática, como um verdadeiro entrave aos instrumentos de compensação da reserva legal.
Caso se adote conceito mais restritivo para a compensação, a decisão vai desestimular o seu uso e punir na esteira Mato Grosso do Sul, que foi o Estado que mais avançou na regulamentação infralegal. E, lamentavelmente, vai punir também o Bioma mais preservado do Brasil – o Pantanal -, que tem na sua vocação os Pagamentos por Serviços Ambientais ou vendas de Cotas de Reserva Ambiental.
Alexandre Bossi é presidente da SOS Pantanal e Ângelo Rabelo presidente do Instituto Homem Pantaneiro e ex-comandante da Polícia Ambiental de Mato Grosso do Sul.