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Telemedicina, pandemia e desigualdade

Mauro Penteado e Reinaldo da Silva (*) | 23/07/2020 13:10

Uma vez que a interação pessoal foi limitada ou suspensa pela crise da pandemia da covid-19, os serviços de telemedicina passaram a estar na vanguarda como uma forma alternativa para satisfazer às necessidades de consultas e cuidados médicos. Telemedicina é uma área da telessaúde que oferece suporte diagnóstico remotamente, permitindo a interpretação de exames e a emissão de laudos médicos a distância. Nos termos da Resolução CFM nº 1.643/2002 do Conselho Federal de Medicina, telemedicina representa o exercício da medicina mediante utilização de ferramentas interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em saúde.

Muitos relatos apontam para uma maior necessidade, especialmente nas áreas onde a distância é um fator crítico para a oferta de serviços ligados à saúde, de serviços de telemedicina. É imenso o potencial da telemedicina para superar as desigualdades crônicas do País: desigualdade social (miséria exposta e chocante) e desigualdade de preparo e competências (médicos locais generalistas, na maioria dos casos despreparados e com pouca especialização).

A possibilidade de profissionais interagirem pode contribuir para minimizar o problema: o profissional local (médico ou enfermeiro), que supostamente domina as noções básicas da anamnese, teria condições de transmitir ao seu colega especialista as condições do paciente (acompanhadas de fotos, se for o caso), salvando uma vida ou mesmo evitando que seja perdida em razão de desinformada ação implementada pelo profissional da medicina conducente ao óbito.

À medida que a crise causada pela pandemia da covid-19 evolui, reguladores e formuladores de políticas públicas reconhecem os benefícios da telemedicina e trabalham para entender e remover problemas jurídicos da matéria (legislação aplicável, normas éticas dos Conselhos de Medicina, etc.) e encontrar as melhores opções tecnológicas. A prestação de serviços de telemedicina requer o atendimento de rigorosos requisitos, daí porque as instituições públicas e privadas devem encontrar abordagens perspicazes e práticas para escolha de fornecedores, desenvolvedores e demais parceiros no desenvolvimento de sistemas de telessaúde exequíveis em conformidade com as leis e requisitos regulamentares.

Para satisfazer as necessidades atuais, muitos prestadores de cuidados de saúde têm trabalhado no sentido de disponibilizar o maior número possível de serviços profissionais para o fornecimento via telemedicina. Estão tomando medidas para desenvolver estratégias de telessaúde sustentáveis e de longo prazo. Trabalham com equipes de telemedicina transorganizacionais, incluindo departamentos clínicos, informáticos, jurídicos e de terceiros, a fim de selecionar tecnologias adequadas, negociar acordos com terceiros, avaliar os diferentes casos de utilização do telesserviço de saúde e assegurar a conformidade legal e regulamentar dessas estruturas.

Contudo, esses esforços ainda privilegiam os grandes centros, exatamente onde há a maior concentração de médicos. Dados da Demografia Médica 2018 (trabalho realizado pela Faculdade de Medicina da USP, com apoio do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) mostram que mais da metade dos médicos disponíveis no Brasil está em apenas 39 cidades (todas com mais de 500 mil habitantes).

Daí a necessidade de que uma força-tarefa seja desenvolvida a fim de levar a telemedicina para o interior do País, solucionando problemas como a escassez de especialistas em algumas regiões. O SUS pode ser o veículo dessa empreitada, mediante o já regulamentado Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes, do Ministério da Saúde.

Esse programa é composto por quatro serviços oferecidos a profissionais do SUS, a saber, teleconsultoria, teleconsultas, telediagnóstico, teleducação e segunda opinião formativa. Os serviços são desenvolvidos por núcleos estaduais, intermunicipais e regionais, sob a coordenação das Secretarias de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) e da Atenção à Saúde (SAS).

Todavia, esses esforços precisam ser incrementados, pois são insuficientes e estão longe de mitigar a desigualdade social (miséria exposta e chocante) e a desigualdade de preparo e competências (médicos locais generalistas, na maioria dos casos despreparados e com pouca especialização).

Assim, a crise causada pela pandemia da covid-19 pode ser o estímulo que faltava aos reguladores e formuladores de políticas públicas a fim de que removam os problemas jurídicos do uso da telemedicina e encontrem a plataforma tecnológica apta a atender um país com dimensão continental e extremamente desigual.

(*) Mauro Rodrigues Penteado é professor da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo); Reinaldo Marques da Silva é doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Nacional de Córdoba.

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