Tóquio 2020 em meio à pandemia de covid-19
Em 7 setembro de 2013, na 125.ª Sessão do Comitê Olímpico Internacional (COI), em Buenos Aires, Tóquio foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2020. O comitê de candidatura, o governo e a população japonesa receberam o resultado com entusiasmo. Com uma ampla vitória sobre as concorrentes Istambul e Madri, a cidade recebeu o direito de hospedar o evento pela segunda vez (não computamos aqui os Jogos Olímpicos de 1940, previstos para acontecer em Tóquio, mas cancelados em razão da eclosão da Segunda Guerra Sino-Japonesa e da Segunda Guerra Mundial).
O esporte, embora de origem ocidental, é hoje um elemento da cultura japonesa. O país conta com um grande número de praticantes e espectadores. Mas os motivos para sediar os Jogos Olímpicos e Paralímpicos estão longe de serem unicamente esportivos. Razões econômicas (como promoção do turismo e nation branding) e políticas (como o papel do país nas arenas geopolíticas internacionais e regionais) fizeram parte da agenda para atrair esses eventos.
A decisão de sediar os Jogos de 2020, em meio à estagnação econômica que assolava o Japão por duas décadas, foi recebida com críticas pela mídia do país. As etapas iniciais de preparação foram marcadas por controvérsias sobre a construção de um novo estádio ao custo de US$ 1,4 bilhão e as alegações de que o sucesso na candidatura para sediar os Jogos fora assegurado com milhões de dólares em suborno a membros do COI. O orçamento inicialmente previsto foi em muito ultrapassado, e os contribuintes têm manifestado descontentamento com os excessivos gastos com o evento.
Apesar das críticas e controvérsias, os organizadores seguiram com os preparativos e, até os primeiros meses de 2020, não existiam sinais de que o evento aconteceria diferentemente do planejado. A pandemia de covid-19 mudou drasticamente esse cenário. Desde março de 2020, quando o COI decidiu transferir os Jogos para o segundo semestre deste ano, os organizadores buscam soluções para que o evento ocorra em um ambiente seguro.
A poucos dias da cerimônia de abertura, acentuam-se as críticas à realização do evento em meio a uma crise sanitária que vitima diariamente milhares de pessoas em todo o mundo. À medida que cresce o temor da propagação da covid-19, particularmente da variante delta, aumenta também a oposição aos Jogos entre a população do país.
Uma pesquisa conduzida pelo jornal japonês Asahi Shimbun indicou que 43% dos respondentes desejam o cancelamento dos Jogos e 40%, que eles sejam adiados. A Tokyo Shoko Research realizou uma enquete com empresas em todo o país. Das 9.163 que responderam, 34,7% querem que os Jogos sejam cancelados e 29,3% preferem que eles sejam postergados.
Com delegações já instaladas no país e outras prestes a chegar, o Primeiro Ministro japonês Yoshihide Suga afirmou que os Jogos acontecerão conforme o programado e que estão em curso medidas para reduzir os riscos de contaminação e disseminação do vírus.
Algumas medidas importantes foram tomadas. Em março deste ano, o governo japonês decidiu que os Jogos acontecerão sem público estrangeiro. A previsão era de que 1 milhão de turistas entraria no país para participar do evento. Os deslocamentos dessas pessoas desde suas cidades de origem (com circulação em aeroportos, estações de ônibus, trens e metrôs) e a permanência no país (frequentando restaurantes e hotéis, visitando locais turísticos, participando de festas e eventos culturais) representavam um risco à comunidade local e a todos os envolvidos nos Jogos. Além disso, havia o temor de que essas pessoas, vindas de diferentes países, levassem o vírus de volta às suas localidades, provocando surtos em outras partes do mundo.
No início deste mês, após um novo anúncio de estado de emergência em Tóquio e em outras localidades do país, o governo japonês decidiu que os Jogos acontecerão sem a presença de público local. Os espectadores residentes no Japão estavam até então permitidos a assistir às competições, mas com restrições. Seria permitido público até 50% da capacidade da instalação esportiva, chegando ao máximo de 10 mil pessoas em instalações de grande porte.
O plano de oferecer espaços para a exibição pública dos Jogos também foi cancelado. Essas exibições estavam planejadas para acontecer em locais emblemáticos de Tóquio e de outras cidades japonesas, com transmissões das competições em telas gigantes, música ao vivo e outras atividades de entretenimento. Mesmo na ausência dos turistas estrangeiros, o cancelamento objetiva evitar aglomerações do público local. Estima-se que 225 mil espectadores circulem diariamente em Tóquio.
Outra medida importante é a vacinação da população do país. Após um início lento, com a aproximação dos Jogos a campanha de vacinação ganhou impulso. O país vem administrando quase 1 milhão de doses por dia. Cerca de 21,7% da população está totalmente vacinada, um percentual visto com preocupação pelos críticos do evento.
Em relação à vacinação de atletas, o COI assinou um contrato com a Pfizer/BioNTech. A expectativa é de que cerca de 15,5 mil atletas participem dos Jogos (11.090 olímpicos e 4.400 paralímpicos). Segundo o COI, 80% desses estarão vacinados para os Jogos. Os árbitros, uma parte dos voluntários e as equipes de trabalho que estarão em contato frequente com os atletas também estão sendo vacinados.
Os organizadores e as autoridades japonesas elaboraram um documento destinado a atletas, treinadores e pessoal com funções nos Jogos (The Playbook Athletes and Officials) detalhando os procedimentos adotados para criar um ambiente seguro para os participantes. Os atletas, por exemplo, são testados para covid-19 em seus locais de partida e na chegada ao Japão. Além disso, acontecerão testes de triagem regularmente. Haverá também restrição de deslocamento e limitação de contato com pessoas.
Os efeitos dessas e de outras medidas passarão a ser conhecidos nas próximas semanas, quando os Jogos estiverem em pleno andamento, e se estenderão para além da cerimônia de encerramento. Como não há maneira de garantir o sucesso das medidas, não se pode descartar que os Jogos de Tóquio se tornem um “superspreader event”, como alertam alguns especialistas.
(*) Alberto Reinaldo Reppold Filho é professor do Departamento de Educação Física, Fisioterapia e Dança e integra o Centro de Estudos Olímpicos e Paralímpicos da Esefid.