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Uma década para garantir o futuro do oceano

Alexander Turra e Tássia Biazon (*) | 07/01/2021 09:47

2020 foi o ano em que a Terra parou devido a algo invisível com grande capacidade de destruir vidas. Em 2021 será o momento em que todos deverão vislumbrar algo imenso e com poder de sustentar a humanidade: o Oceano. Sim, o Oceano será a bola da vez, e não apenas por um ano, mas por uma década a fim de se tornar de vez um tema comum a todos – independente de se morar no litoral, comer peixe ou tirar sua renda do mar.

Em 2017, um grande mergulho foi dado pela Organização das Nações Unidas (ONU), ao lançar a proposta da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (ou Década do Oceano), que acontecerá entre 2021 e 2030. Assim como em outras décadas propostas pela ONU desde de 1960, que abordaram temas como racismo e biodiversidade, a ideia é que os países membros da ONU unam esforços para um objetivo comum. É um “chamado para ação”, para que a sociedade como um todo esteja mobilizada e atuante frente a um determinado tema. Pela primeira vez, em mais de 30 décadas já propostas, o Oceano ganhou os holofotes. Mas por que agora?

Um fator é a ampliação do conhecimento sobre ele e sobre sua influência no funcionamento do planeta. Está cada vez mais latente o entendimento de que as atividades humanas dependem (e influenciam) fortemente do Oceano, como a produção de oxigênio; regulação do clima, sequestro e armazenamento de carbono; imensa, importante e ainda desconhecida biodiversidade; além de variados outros serviços ecossistêmicos.
Outro fator é a degradação que ele vem sofrendo. Poluição de diversos tipos, sobrepesca, invasão de espécies exóticas, supressão de habitats e mudanças climáticas impactam a biodiversidade e os benefícios que o Oceano traz para a humanidade. A primeira avaliação global do Oceano, publicada em 2016, foi bem clara ao expor que nenhum lugar em sua vastidão está livre de impactos humanos. Encontrar soluções para tantos problemas é uma necessidade urgente que depende diretamente da ciência.

A Década do Oceano foi proposta sob a coordenação da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), órgão da ONU, a fim de ampliar os esforços para reverter essa tendência e construir a ciência que precisamos para o oceano que queremos. Para tanto, a Década busca um oceano limpo, seguro, saudável e resiliente, produtivo e explorado sustentavelmente, previsível, transparente e inspirador e envolvente.

Esses 7 objetivos são interconectados e contribuem para o desenvolvimento sustentável do Oceano e do planeta como um todo. Um oceano limpo, com as fontes de poluentes terrestres e marinhas conhecidas e controladas, é saudável e capaz de lidar com eventuais pressões que venham a acontecer no futuro. A diminuição da poluição reduz o risco de consumo de organismos marinhos que tendem a acumular compostos prejudiciais à biodiversidade e à saúde humana.

Além de fonte de alimento, o Oceano pode ser fonte de minérios (petróleo e gás) e energia limpa (ventos e ondas) que devem ser explorados de forma racional e a compartilhar amplamente os benefícios com a sociedade. O desenvolvimento de uma economia do oceano depende da segurança de quem trabalha nele, como pescadores e marinheiros, ou de quem é influenciado por ele, como o turismo realizado na zona costeira.
Para que aconteça o uso sustentável do Oceano é fundamental que tenhamos capacidade de prever o complexo comportamento do bioma marinho, o que depende da geração e do compartilhamento de dados. Logo, o conhecimento sobre o maior ambiente da Terra deve ser amplamente disseminado para que a sociedade entenda sua importância e se inspire e se envolva em sua proteção.

Assim, para superar os desafios impostos pela busca da sustentabilidade do Oceano, é necessário gerar conhecimento e ampliar o entendimento e a valorização da sociedade sobre ele. Para tanto, é fundamental que sejam ampliadas significativamente as ações de comunicação e divulgação do ambiente marinho e do conhecimento científico produzido. As pessoas devem ter a oportunidade de ampliar seu conhecimento sobre como o Oceano funciona e quais as importâncias e influências no dia a dia.

Uma estratégia é inserir o tema nos currículos do ensino fundamental e médio no país. Outra frente corresponde ao papel que a mídia tem na comunicação sobre o Oceano – tema que frequentemente aparece nos meios de comunicação, mas não necessariamente de uma forma apropriada ou informativa.

É também primordial uma atuação ampla e integrada na formação de professores, inclusive para desenvolver estratégias sobre como abordar o Oceano em sala de aula, considerando as diversas realidades no país. Dado o caráter transversal que o Oceano tem, a internalização do tema nos cursos de licenciatura mostra-se premente, independentemente da área específica de formação do professor: biologia, geografia, física ou química, uma vez que todas as disciplinas interagem de uma forma ou de outra com o mar.

É necessário também atuar fortemente na formação de profissionais que lidam direta ou indiretamente com o mar, tanto em nível de graduação quanto pós-graduação – o que demanda esforços articulados do Ministério da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Mas não basta que esses profissionais conheçam a estrutura e o funcionamento do Oceano, eles devem compreender a relação entre ele e a sociedade e contribuir para promoção do desenvolvimento sustentável.

O Brasil já está navegando para chegar nesses objetivos. Entre os anos de 2017 e 2018, a agenda do Oceano ganhou destaque por aqui, especialmente após a Conferência do Oceano, realizada em 2017 em Nova Iorque pela ONU. Mais recentemente, em 2020, o MCTI, por meio da Coordenação de Geociências, Oceano e Antártica, liderou uma parceria entre várias instituições para elaborar o Plano Nacional da Década do Oceano.

Dentro desse contexto, a Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano foi criada em 2018 junto ao Instituto de Estudos Avançados e ao Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo como uma forma de promover a agenda do Oceano. A cátedra pretende, dentre outras ações, disseminar conhecimento sobre o Oceano e estimular a realização de pesquisas aplicadas às demandas da sociedade.

O ano de 2021 será um novo horizonte para articular, priorizar e mobilizar pessoas que congregam diferentes visões, interesses e princípios, para vislumbrar um futuro para o Oceano que seja aquele que todos precisam e que (in)conscientemente desejam.


(*) Alexander Turra é professor do Instituto Oceanográfico da USP e Tássia Biazon é  pesquisadora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano

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