De MS, três médicos disputam vaga no CFM debatendo temas polêmicos
Ciência, aborto e trabalho de profissionais estrangeiros no Brasil são alguns dos assuntos
Cerca de 8,5 mil médicos de Mato Grosso do Sul vão eleger um novo representante no CFM (Conselho Federal de Medicina) entre 6 e 7 de agosto. As eleições deste ano levantam temas que afetam não só o trabalho na medicina, mas a vida das pessoas.
De sigla desconhecida para uma entidade cercada de polêmicas nos últimos anos, o Conselho interviu diretamente em temas como a prescrição da cloroquina e hidroxicloroquina para tratar Covid-19 e o aborto legal a partir do sexto mês de gestação, por exemplo. Quem ocupar a cadeira, terá voz em discussões importantes assim por cinco anos.
Concorrem três chapas no Estado: uma liderada por infectologista que quer ser a primeira mulher a ser eleger ao cargo; uma encabeçada por cirurgião-geral que foi presidente do CFM nos anos de pandemia e busca a reeleição para seguir na entidade; e outra chefiada por psiquiatra que tenta a vaga pela terceira vez.
Esta semana, os médicos falaram com a reportagem e comentaram suas posições e propostas.
1ª mulher - Silvia Naomi Uehara, infectologista do Humap (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian) participa querendo ser a primeira mulher conselheira federal por Mato Grosso do Sul no CFM. Ela lidera a chapa 3, "CFM com Consciência e Ética", que tem o reumatologista Izaias da Costa como suplente.
A infectologista nunca entrou na disputa antes. O que a motivou foi ver que o Conselho Federal precisa de renovação e da presença feminina para debater assuntos relacionados à mulher na medicina e na sociedade. Segundo Silvia, dos atuais 28 representantes no cargo, apenas 8 são mulheres, enquanto mais da metade dos profissionais da medicina é mulher, no Brasil.
Além disso, ela quer defender a "retomada da ética médica" e que o conselho seja mais técnico e defensor da Ciência, em vez de assumir posturas políticas e ideológicas.
"Nós passamos por muitas dificuldades nos últimos anos. Queremos ser ouvidos e fazer prevalecer a Ciência e a ética médica. A gente não pode se omitir e apenas reclamar, tem que se propor a mudar o que considerou errado", comenta.
A médica critica as próprias regras eleitorais do CFM, que permitem colegas ficar muito tempo no cargo. "Nós temos conselheiros lá desde 2009", afirma.
Entre as propostas defendidas pela chapa estão: manter o CFM independente e autônomo de governos e partidos políticos; plano de carreira para médicos no SUS; obrigatoriedade do Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos) para profissionais formados no exterior; e que as instituições de saúde adotem políticas para garantir direitos às mulheres médicas, principalmente os relacionados à maternidade.
Silvia se posiciona, ainda, pelo direito ao aborto nos casos previstos em lei, independentemente do tempo de gestação.
Ex-presidente e atual conselheiro - Termina este ano a gestão de cinco anos do médico Mauro Luiz de Britto Ribeiro como conselheiro federal por Mato Grosso do Sul, que ele quer renovar por mais cinco anos se reeleito. Seu suplente na chapa 2 é o psiquiatra e médico do Trabalho, Flávio Barbosa.
Mauro foi ex-presidente do CFM entre outubro de 2019 e abril de 2022. Seu nome acabou conhecido nacionalmente após ter assinado o parecer do Conselho Federal que autorizou médicos a receitarem a cloroquina e a hidroxicloroquina durante a pandemia de Covid-19, quando a eficácia dos medicamentos era questionada cientificamente. Por isso, ele chegou a ser chamado para depor na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid.
O médico afirma querer continuar no cargo por ter conseguido "protagonismo dentro do Conselho Federal de Medicina, que é muito difícil para um estado como Mato Grosso do Sul" e por entender que está fazendo um bom trabalho pela medicina brasileira.
Destaca que é a favor do Revalida, contra a abertura indiscriminada de escolas médicas e contra a descriminalização da maconha e das drogas "de forma geral".
Citando o nome da chapa, "Defesa da Vida e da Autonomia Médica", ele puxa a discussão sobre a proibição dos médicos fazerem assistolia fetal (método abortivo) a partir do sexto mês de gestação de mulheres que têm o direito legal ao aborto no Brasil. Este ano, o CFM publicou resolução que obrigou a interrupção da prática em hospitais autorizados, inclusive em Mato Grosso do Sul, mas o documento foi derrubado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Mauro diz continuar favorável à proibição, mesmo assim.
Ele retoma o parecer assinado na época da pandemia para falar de autonomia médica. Explica que não o assinou sozinho, já que as decisões são conjuntas, e que o documento também tem o lado de "dar respaldo aos médicos que não queriam prescrever". Ele finaliza, destacando outros posicionamentos da chapa:
"Nós somos a favor do ato médico, não aceitamos que outras profissões façam coisas privativas à Medicina até em respeito à lei. Nós combatemos o governo que quer colocar o médico residente num processo de assistência, não no de aprendizagem", diz Mauro.
3ª tentativa - O psiquiatra Juberty Antônio de Souza é o titular da chapa 1, "CFM - Renovação e Transparência", e tem o urologista Luiz Alberto Verardo como suplente.
Atualmente, Juberty é conselheiro do CRM (Conselho Regional de Medicina) e presidente do Conselho Antidrogas de Mato Grosso do Sul. É a terceira vez que concorre ao cargo de conselheiro federal.
Ele é outro que critica o distanciamento da Ciência no CFM. Comenta o parecer assinado por Mauro, que acabou dando retaguarda para o ex-presidente Jair Bolsonaro fazer propaganda dos medicamentos. "O que aconteceu teve muito mais um aspecto ideológico, com um presidente interferindo em tudo e fazendo coisas que chegaram ao ridículo, como oferecer a medicação a uma ema", lembra.
"Vale para todos os nossos posicionamentos: a Medicina há pelo menos alguns séculos deixou de ser bruxaria", frisa Juberty sobre a defesa da Ciência.
Entre as propostas da chapa, destaca a valorização do médico, principalmente o que trabalha nas cidades do interior. "Ele trabalha sem ter condições de trabalho. As pessoas têm a visão que o médico é aquele que só precisa da maleta e estetoscópio, mas não. Ele precisa do suporte de laboratório, tecnologia e enfermagem. Se há algum insucesso, nem sempre erro, a única pessoa responsabilizada é o médico", detalha.
O psiquiatra também se manifesta sobre o aborto, dizendo que é a favor "de se cumprir o que diz a lei" e sobre o trabalho de médicos de outros países no Brasil. "Nós não somos contra, o que nós queremos é que eles tenham um mínimo de informações ou o mínimo de habilidades que nós desejamos para trabalhar aqui", conclui.
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